Canoa Quebrada

Canoa Quebrada

Para ir de Fortaleza a Canoa Quebrada, nós pegamos um ônibus na rodoviária da capital, por R$ 18,50. Ele finaliza a viagem bem na entrada da vila de Canoa, na rua principal, onde todos os turistas ficam – pelo menos os que chegam de busão – e, então, é fácil encontrar o albergue a pé e se instalar rapidamente. O nosso foi o Ibiza (Ibiza Hostel/ diária R$ 45,00. Rua Dragão do Mar – Broadway).

albergue Ibiza

albergue Ibiza

Canoa Quebrada está no litoral leste do estado e dista 166 km de Fortaleza. A praia pertence ao município de Acarati e fica a 18 km do centro da pequena cidade.

Litoral Leste do Ceará

Litoral Leste do Ceará

Canoa Quebrada é um dos principais destinos turísticos do Ceará e foi descoberta e apresentada ao mundo nos anos de 1960, quando um grupo de cineastas franceses do movimento “Nouvelle Vague” se instalou na região para executar filmagens. No tempo que permaneceram no litoral cearense, os europeus trouxeram um novo olhar sobre o mundo ao então provinciano bairro de Esteves, no qual fica a praia. Desse choque cultural, nasceu um estilo de vida baseado em liberdade; um “laissez-faire” malemolente e boêmio que perdura até hoje. Nos anos 70, os hippies também chegaram a Canoa Quebrada, mantendo o vanguardismo no ar e trazendo muito mais gente ao local. Muitos dos jovens aventureiros se apaixonaram pelo lugar ainda remoto e pitoresco e pela forma de vida alternativa, integrada à natureza, permanecendo ali, casando-se com locais e produzindo uma população de descendentes de franceses, suíços, alemães e outros europeus.

A paisagem de Canoa Quebrada é caracterizada por dunas e falésias alaranjadas de até trinta metros acima do nível do mar. Sobre um dos paredões, estão esculpidas há décadas a lua e a estrela, ícones locais. A explicação do símbolo em pedra remonta aos franceses que, segundo narra a tradição oral, trabalhavam de dia e farreavam à noite, aproveitando cada momento do sol e da lua, no mais profundo sentimento de “Carpe Diem”. Outra versão para o desenho diz que, na equipe de filmagem, um marroquino de origem islâmica pedia continuamente o perdão de Alá por não resistir às pândegas noturnas e, a fim de se redimir dos seus pecados, esculpiu os astros na falésia e os dedicou a deus. De um modo ou de outro, o símbolo de Canoa Quebrada continua a ser admirado.

Canoa Quebrada

Canoa Quebrada

 

Canoa Quebrada

Canoa Quebrada

Canoa Quebrada sobrevive hoje do turismo e ainda da pesca com jangada, tradição do passado. A população é bastante hospitaleira e muitos dos albergues, hotéis e restaurantes da área são de propriedade de europeus. No entanto, apesar de badalada, a praia não é grande; há uma única rua singela, a Dragão do Mar, apelidada pomposamente de “Broadway”, na qual os visitantes se concentram de dia ou à noite. Nela, há muitos bares, restaurantes, um mercado bom e lojinhas. Dessa rua principal, chega-se às areias brancas da praia descendo por escadas de madeira instaladas nas falésias ou adentrando os labirintos dos paredões.

Canoa Quebrada

Canoa Quebrada

 

labirintos até a praia

labirintos até a praia

 

Canoa Quebrada (reprodução de foto da Internet)

Canoa Quebrada (reprodução de foto da Internet)

 

a Broadway

a Broadway

A Broadway nordestina fica lotada depois que escurece com turistas brasileiros e gringos ávidos a dançar forró. Outros ritmos também se confundem na rua e o barulho fica, às vezes, insuportável. Outras atividades em Canoa Quebrada incluem passeios de jangada e bugue, voos de parapente, kitesurfe, curtir a praia, comer muitos frutos do mar e, claro, descansar. Os voos de parapente que partem do final da Broadway se valem dos bons ventos da região, constantes e também perfeitos para o kite e windsurfe, práticas cada vez mais notórias na área.

Quanto aos preços, ao menos fora da alta temporada, Canoa Quebrada é bastante acessível. Nós, por exemplo, almoçamos um bom prato-feito por R$ 10,00 e o albergue foi R$ 45,00 a diária. Os frutos do mar e peixes nos quiosques da orla também cabem bem no bolso. Eu só não comi mais camarão, pois estava amedrontada com o inchaço dos meus pés e tornozelos depois de engolir meio quilo de crustáceos ao alho e óleo e da consequente mini-intoxicação que tive em Fortaleza.

Bom, depois dessa descrição, parece que Canoa Quebrada é um lugar imperdível. Sim, de fato, a praia é bonita, o mar é lindamente azul e quem procura agito, especialmente em feriados e nos meses de alta temporada, vai certamente encontrar. Entretanto, apesar de protegida pela Área de Proteção Ambiental de Canoa Quebrada (APACQ), que tem cerca de setenta mil hectares, a praia tem um inconveniente que salta aos olhos: boa parte das falésias que tanto a caracterizam estão frustrantemente cobertas por uma quantidade enorme de barracas e quiosques que nem são bonitos. A poluição visual dos restaurantes é realmente nada empolgante. Não é possível que a localização dos estabelecimentos esteja amparada na lei… Se quisermos fugir desse atentado à paisagem, devemos nos afastar mais da área da rua principal; longe da Broadway, é possível ver as falésias limpas e mais dois símbolos de Canoa Quebrada (a lua e a estrela) enfeitando os paredões.

Canoa Quebrada (reprodução de foto da Internet)

Canoa Quebrada (reprodução de foto da Internet)

 

quiosques em frente às falésias, no final da Broadway

quiosques em frente às falésias, no final da Broadway

Nós passamos três dias em Canoa Quebrada, mas eu seguramente teria diminuído esse tempo se tivesse conhecido Jericoacoara antes, que vale mil vezes mais a pena. Eu diria – e essa é uma opinião bem subjetiva – que Canoa Quebrada é mais para grupos de solteiros em busca de azaração. A natureza é marcante, mas como mencionei acima, a impressão que me deu é que a ganância passou por cima do bom senso e estragou a beleza natural, ao menos no centro da vila. Eu sinceramente espero, para o bem do próprio turismo, que a situação mude; e fora a praia, não há mais nada no local; não há o que fazer, a não ser sair aos bares da Broadway durante a noite, “à caça”. Ademais, para mim, a estadia em Canoa Quebrada ficou mais sem graça de certa forma pelo enorme “candelabro” que eu acabei segurando. Ali, nós conhecemos o Michael, um belga participante do Couchsurfing que serviu à Morgana como “namorado de férias”. Ele trabalhava como técnico das turbinas eólicas e adorava as temporadas passadas no Brasil. Não posso dizer que minha amiga tenha me negligenciado, mas é lógico que uma companhia amorosa faz as coisas mudarem. Assim, a falta do que fazer durante o dia me deixou, de certa forma, entediada. À noite, enquanto estivemos em Canoa, nós fomos a um bar – que só tinha gente feia, pra ser bem sincera – e também jantamos fora com amigos, e foi o bastante. Queríamos ter passado uma noite no Quiosque Freedom, na praia, bem em frente à Broadway, para conferir a aclamada noite do reggae, especialidade do local, mas depois da amostra populacional que se encontrava em Canoa, eu preferi me manter no quarto do albergue.

Nossa pousadinha estava quase vazia e, então, arrumar companhias também era difícil. Dessa forma, por mim, teria saído antes de Canoa Quebrada, rumo a Jericoacoara, especialmente porque Jeri, como é intimamente chamada, é o máximo!

Assim, posso dizer que meus dias em Canoa Quebrada se resumiram a comer e fazer nada. Num dos dias, Michael nos levou com sua perua 4X4 – único carro a caminhar pelas dunas – a uma praia próxima chamada Ponta Grossa. No caminho, ele foi nos falando do seu trabalho.

Na região de Canoa Quebrada, há dezenas de cataventos, as enormes turbinas que geram energia elétrica aproveitando o vento constante e forte da área. As fazendas de vento custaram investimentos de milhões de dólares ao governo cearense – cada turbina custa cerca de dois milhões –, mas elas economizam muita energia e fazem do estado o maior produtor de energia eólica do país, além de possuir a maior produção mundial. Segundo Michael, as turbinas europeias (cerca de oito milhões de dólares por unidade) são muito melhores do que as fabricadas na Índia, mas são essas piores que lhe garantem o emprego de ótimo salário e benefícios no Brasil, como técnico de manutenção. Ele “morava” há três meses, por exemplo, em um resort da área e recebia por dia 60 euros de vale alimentação; bem, quando se pode almoçar com R$ 10,00, não está nada mal…

cataventos

cataventos

 

cataventos

cataventos

Em Ponta Grossa, encontramos uma praia vazia. Um vendedor de água de coco provavelmente lamentava um dia de “zero venda” quando passou por nós. Subimos uma duna grande e tiramos fotos de cima; eu fiquei com medo de deixar minha bolsa e pertences no pé do morro de areia, pois o vendedor ainda estava pela área e se ele resolvesse pegar minhas coisas, eu nem tentaria correr atrás, dado meu ótimo condicionamento físico. Já tinha sido um trabalho hercúleo chegar ao topo da duna. Enfim, por esse motivo, subi carregada e deixei minha câmera compacta cair na areia; ela não ligou mais e não prestou até seguir, de volta a minha casa, para a assistência técnica da marca. Devemos ter muito cuidado com máquinas nas dunas e também há que se protegê-las do vento, ou qualquer grão de areia entra nas lentes, comprometendo as fotografias.

Ponta Grossa

Ponta Grossa

 

Ponta Grossa

Ponta Grossa

 

Ponta Grossa

Ponta Grossa

De volta a Canoa Quebrada, eu comi a pior pizza da minha vida em um restaurante afastado do centro do qual infelizmente não lembro o nome; o dono era italiano… Se puder indicar algum restaurante, cito o Dali, na Broadway, no qual eu comi apenas uma massa (pois estava com medo de encarar camarões ou qualquer outro fruto do mar, por causa da reação alérgica que eu tinha tido), mas nossos acompanhantes elogiaram a lagosta, no sabor e também no preço.

Uma última observação sobre Canoa Quebrada é que, no final da Rua Broadway, encontra-se a estátua da jangada e um busto do Dragão do Mar. Dedico o próximo parágrafo a justas informações sobre essa importante figura histórica.

O filho mais ilustre de Canoa Quebrada é Francisco José do Nascimento, nascido em 1839. Mais conhecido como Dragão do Mar, ele foi o símbolo da resistência cearense à escravidão. Seu merecido apelido nomeia o grande complexo cultural da praia de Iracema, em Fortaleza e, a partir dessa homenagem, o herói ficou relativamente mais conhecido no Brasil. A placa de Canoa Quebrada conta um pouquinho de sua história, que é realmente digna de ser relembrada e espalhada. Francisco do Nascimento, filho do pescador Manoel do Nascimento e da rendeira Matilde Maria da Conceição, também respondia como Chico da Matilde e, desde cedo, ajuda a mãe no sustento da casa, na ausência do pai, morto tentando ganhar a vida nos seringais da Amazônia. Pescador por hábito e ofício, Chico só aprendeu a ler na vida adulta, trabalhou nas obras do porto, foi marinheiro e, mais tarde, por muito mérito, tornou-se chefe dos condutores de jangadas e botes do litoral de Fortaleza. Negro e de origem humilde, Chico protagoniza, no seu cargo de jangadeiro, um dos episódios mais emocionantes da história do Ceará e é reconhecido nacionalmente e ovacionado por homens ricos e importantes na então Corte do Rio de Janeiro. Em 1881, liderados por Chico, os jangadeiros da praia de Iracema, de Fortaleza, recusam-se a transportar escravos para os navios negreiros que os comercializariam no sul do Brasil. Angelo Agostini, desenhista italiano naturalizado brasileiro, imortaliza a cena em uma litografia na capa da Revista Illustrada, enaltecendo seu feito e coragem. Imediatamente, a história toma corpo e Chico vira celebridade entre os abolicionistas; ele e sua jangada são levados ao Rio de Janeiro, onde recebem chuva de flores num desfile pelas ruas, ao som do Hino Nacional. A jangada, carregada por homens negros, trazia a inscrição “Liberdade”. Na ocasião, a láurea máxima veio com o título concedido: o Dragão do Mar.

Em 1884, o Ceará torna-se a primeira província brasileira a abolir a escravidão, quatro anos antes da Lei Áurea, fato pelo qual o jornalista José do Patrocínio considerou o estado a “Terra da Luz”. Chico da Matilde ainda se envolveria em muitos outros protestos a favor do povo até sua morte, em 1914. Sua história de heroísmo e valentia ecoa mais fortemente no Ceará do que no restante do país, o que é uma pena.

o Dragão do Mar e sua jangada

o Dragão do Mar e sua jangada

 

Canoa Quebrada

Canoa Quebrada

Enfim, depois de três dias em Canoa Quebrada, partimos finalmente para Jericoacoara, o point mais imperdível do Ceará. Nela, também se compreende o título de Terra da Luz mais literalmente, sentindo na pele os maravilhosos e constantes dias ensolarados.

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