Dahab

Dahab – Sharm El Sheik – Cairo

Depois de uma interminável e terrível viagem de ônibus de Luxor a Hurghada (com direito até ao “afanamento” de celular caro), um voo fedido de Hurghada a Sharm El Sheik e, finalmente, um trajeto enlouquecedor de táxi de Sharm El Sheik até Dahab, cidade no Mar Vermelho na Península do Sinai, chegávamos ao nosso hotel reservado nessa última cidade, na esperança de aproveitar os últimos dias no Egito e bons momentos na praia – Dahab, no Mar Vermelho, é um dos mais apreciados balneários do país. Vale dizer que se o visitante quiser dispensar a viagem – verdadeira via-crúcis, porque não… – asquerosa pela qual nós passamos, há voos diretos do Cairo ou de Luxor ao menos até Sharm El Sheik (Egypt Air).

Para os bravos leitores mochileiros que aguentaram até aqui, lendo esse nada sucinto relato de viagem, eu convido agora a entrarem na Internet e acessarem o site do Bedouin Moon Hotel, em Dahab. Ele é simplesmente adorável! Lindo, aconchegante, perfeito e que, segundo o próprio site, oferece um agradável ambiente de relaxamento com um toque pessoal. A estrutura do hotel é, de fato, bela. Não saberia afirmar com exatidão sobre o tipo de arquitetura na qual ele é inspirado, mas me lembrava um certo quê daquelas casinhas brancas gregas, no mediterrâneo, com alguns elementos árabes, como uns arcos característicos e lugares cheios de almofadas coloridas, como nas Mil e Uma Noites. O hotel não é tão grande, tem cerca de 30 quartos, mas está confortavelmente disposto em uma vasta área entre as montanhas e o mar. De fato, a belíssima área de lazer que o hotel oferece conta com uma piscina maravilhosa de desenho irregular que confunde o azul de suas águas com as do Mar Vermelho, bem em frente ao hotel. O desenho de sua planta foi estrategicamente pensado, em forma de “U”, de modo que os quartos da frente ficam de frente para o mar e os de trás, para a bonita área interna, com vista do verde das palmeiras e do acesso à piscina. Há ainda oásis e quiosques de relaxamento, onde os hóspedes podem deitar nas almofadas e colchonetes e desfrutar da sombra e calma oferecidas. Enfim, o Bedouin Moon Hotel tem tudo pra ser ótimo mesmo! Ao fazermos as reservas na Internet, minha amiga e eu mal podíamos acreditar na sorte, de ficar em um lugar tão lindo, por um preço promocional! Dessa maneira, imbuída desse espírito otimista, ia caminhando para o quarto, após o check-in. Lembrávamos das fotos do site e íamos reconhecendo os lugares à medida que caminhávamos. Eu estava, por um momento, plena e feliz.

Naquele momento, estremecidos com os desgastes da viagem, meu amigo e eu estávamos mais fazendo a política da boa vizinhança do que realmente adorando a companhia um do outro. Na verdade, eu ainda estava muito bem com tudo, estava adorando a viagem, como todas as que eu faço. Os hotéis ruins, a sujeira, o assédio de vendedores, os taxistas loucos, as gorjetas, o celular roubado, e tudo mais, ainda, de certa forma, não tinham sido demais para influenciar a paixão que eu tenho por viajar e conhecer lugares diferentes. A única coisa, porém, que realmente me deixava mal era o estresse do meu companheiro de viagem. Então, quando chegamos ao Bedouin, ainda acreditava que conseguiria reverter a situação ruim e passar bons momentos ao lado dele. Seriam mais três dias para que pudéssemos relaxar e tentar acertar os ponteiros. Eu sentia que, apesar de tudo, ele também estava se esforçando. Em Luxor, eu já o tinha “mandado embora” uma vez. Ele quis ficar, brincou, pediu desculpas pelo estresse de um ano difícil e continuou nos acompanhando. Em Hurghada, a coisa também quase desandou, mas até ele afirmou que Dahab seria legal e um momento propício para termos sossego e nos conhecermos melhor. Enfim, por tudo isso, mal pude crer nos meus olhos quando entramos no quarto do hotel. Mais uma vez, a realidade se chocou contra nós. Lembro bem que, ao fazermos as reservas no Brasil, minha amiga e eu escolhemos os quartos sem ar-condicionado, significativamente mais baratos, já que, como a máxima afirma e nós ingenuamente acreditamos: “no deserto, faz calor de dia, mas friozinho à noite”. Doce ilusão! Aqueles quartos, sem ar-condicionado, eram os de trás, mais perto da piscina; eram bastante simples, havia areia pra todo lado e a limpeza deixava, realmente, a desejar; o teto, com um pé direito alto, dava lugar a abóbadas com certo charme arquitetônico, mas cujas janelinhas altas estavam cheias de teias de aranha, sujeira e pó. O terrível calor no ar fazia tudo parecer ainda mais suado e pegajoso. Porém, nada era igual ao banheiro! Eu não acreditava que aquele banheiro estava no mesmo hotel das fotos da Internet. Ele era o pior, de longe, o pior e mais imundo banheiro de hotel que eu jamais vira! Os azulejos da parede e piso, outrora brancos, exibiam um encardido de séculos; os rejuntes, pretos, asquerosos e quebradiços, denunciavam a falta de asseio e manutenção, assim como o vaso sanitário, que de branco não tinha mais nada; a louça, por dentro e por fora, estava amarelada e imunda por falta de água sanitária e a tampa, nojenta e com ferragens totalmente enferrujadas, não dava vontade de sentar. Havia uma dessas escovinhas de limpar o vaso, velha e repugnante, que ainda tinha pentelhos de outros hóspedes; o mesmo a dizer de uma Gilette usada, que ainda permanecia sobre o lavatório, herança do hóspede anterior; as torneiras da pia e do chuveiro estavam totalmente oxidadas e não abriam direito; a ducha era de plástico, enegrecido pelo limo; não havia Box, mas um eficiente rodo, daqueles da casa da sua avó, que provavelmente bate em idade com você. Eu jamais entraria descalça naquele lugar. Tudo era verdadeiramente sujo e eu, mais uma vez, pensei na senhora inglesa e aprendi, de uma vez por todas, que realmente não devemos confiar em estereótipos. Mas o pior estava por vir! No centro do banheiro, jazia, faraonicamente, a maior barata cascuda que o Egito já vira nascer que, muito provavelmente, se matara de desgosto.

Descrever o banheiro demorou, mas entre vê-lo e presenciar o chilique instantâneo e homérico do meu amigo foi rápido. Na verdade, devo até dizer que, ao entrar no quarto, ele ainda conseguiu rir, pois momentos antes, minha amiga havia partilhado conosco seu sonho da noite anterior, praticamente premonitório, de um quarto sem ar-condicionado e com um grande ventilador. Todos nós rimos e comentamos que só faltava mesmo isso, sem lembrar, naquele momento, que havíamos reservados os quartos somente com ventilador, ainda no Brasil. Porém, toda a graça terminou no banheiro. A força que ele estava fazendo para manter a boa convivência social e recente amizade foi por terra e um siricutico de grandes proporções tomou conta do seu corpo. Naquele segundo, ele não se segurou mais e, literalmente, surtou. Enlouquecidamente, começou a travar uma batalha, dando início a um plano infalível para retornar na mesma hora a Sharm El Sheik e dali para o Cairo. Ele afirmava fortemente que não permaneceria ali, de jeito nenhum, voltando eu com ele ou não. Se eu quisesse ficar, que ficasse, pois ele iria embora. Por uns instantes, confesso que fiquei meio sem ação. Também estava completamente decepcionada com o hotel, já tinha me desgastado com toda a situação e estava me cansando de tentar agradar e pedir desculpas pelo que eu, na verdade, não tinha culpa nenhuma; imaginei que seria uma solução viável voltar mesmo para o Cairo. Lamentaria o fracasso da nossa relação e do final da minha viagem, mas ainda ficaria com a minha amiga e poderíamos ainda fazer algo aproveitável na cidade grande até o dia de voltar ao Brasil. Afinal, todo o motivo de ir à praia, no Egito, para mim, era passar momentos relaxantes com meus amigos. Se não estava mais “relaxante”, não havia mais razão para ficar num lugar que no Brasil tem de sobra. Chegamos a essa conclusão e, para que não nos matássemos ali mesmo, ele pegou o telefone da minha amiga emprestado, e principiou à tentativa de volta. Entretanto, tudo foi em vão. Não havia mais lugares nos aviões e não conseguimos alterar as passagens para voltar ao Cairo. Estávamos, por fim, presos num fim de mundo e extremamente mal-humorados. Tentamos arquitetar outros planos, como pelo menos voltar de carro para Sharm El Sheik e ficar ali até dar o dia de voltarmos de avião para o Cairo, já que era uma cidade maior e não teríamos que ficar juntos, olhando um pra cara do outro, mas nada deu certo. Fomos para o quarto suando e, dessa tarde, infelizmente, só vou lembrar que consegui brigar com minha amiga de infância e melhor amiga até hoje e que usei, pela primeira e única vez, a palavra “asshole” num contexto real.

No final da tarde, com as cabeças mais frias, pedimos sinceras desculpas um ao outro e concordamos em tentar fazer do final da nossa viagem algo de bom para se lembrar, já que a situação era inevitável.

Comemos no hotel e fomos a pé passear no centrinho da cidade.

10° dia – Dia 13 de outubro: Viagem entre Hurghada, Sharm El Sheik e Dahab

  • 35,00 Táxi do hotel em Hurghada para o aeroporto
  • 70,00 Táxi para Dahab (individual)
  • 40,00 Almoço no Bedouin Moon Hotel
  • 10,00 Água
  • Total do dia: 155,00 EGP

Dia seguinte, apesar da conversa da tarde anterior, o clima ainda pesava um pouco. Tentamos, durante o café, mais uma vez, arrumar modos de sair dali, mas, de novo, não tivemos sucesso. Procuramos, então, ao menos trocar de hotel, pois aquele quarto estava mesmo tão quente e desprovido de qualquer conforto, que eu me sentia na sala de espera do inferno. Nada deu certo. Meus amigos visitaram o hotel ao lado, mas ele era bem mais caro. Ligaram pra vários outros, e a mesma constatação. Estava me sentindo triste e desgostosa. Por fim, a discussão sobre nossa tentativa de trocar de hotéis acabou chegando à recepção, pois até mudar de quarto, para um com ar-condicionado, foi cogitado, a fim de minimizar o problema. A recepção foi consultada para tanto.

Minutos depois, a inglesa, porca, mas muito prestativa, veio à nossa mesa, no restaurante, nos oferecer quartos com ar-condicionado, pelo mesmo preço. Assim, não precisaríamos ir embora do seu hotel. Agradecemos e prosseguimos com a mudança. Fomos acomodados, então, nos quartos de frente para o mar. Devo dizer que isso levantou sobremaneira nosso humor, já que esses quartos são infinitamente melhores que os de trás. E, por si só, o ar-condicionado já fazia o simples fato de permanecer descansando dentro do quarto algo possível, e não um castigo. Os rodos nos banheiros ainda estavam lá e a limpeza não era muito melhor, mas o “upgrade” nos deixou levemente mais felizes.

Depois de nos instalarmos, voltamos de táxi ao centrinho turístico. O centrinho consiste em uma rua, à beira mar, lotada de lojinhas de souvenires, bares descolados e restaurantes de frutos do mar e comidas típicas. Almoçamos em um bastante agradável. Dali, era possível enxergar, ao longe, as montanhas já na Arábia Saudita. Comemos bem e passeamos; discutimos preços, barganhamos uma camiseta de 75 libras por menos de 10 e tiramos fotos. Dahab é mesmo bem agradável.

Dahab

Dahab

centrinho de Dahab

centrinho de Dahab

Meu amigo voltou antes para o hotel, se aliviando em não mais se assustar com a idéia de ficar dentro do quarto. Retornamos mais tarde, depois de algumas comprinhas, e eu até me surpreendi com as frutas que ele me comprara e com o inesperado convite para assistir a um filme. Os quartos não têm televisão; há uma sala coletiva, sem ar, na qual um desconfortável sofá, posicionado de maneira nada estratégica em relação ao aparelho “não convida” os hóspedes a desfrutarem de seu interior. Fomos dormir com torcicolo, mas mais alegres e conformados.

11° dia – Dia 14 de outubro: Passeando em Dahab

  • 52,00 Almoço
  • 35,00 Táxi ida e volta ao centro
  • Total do dia: 87,00 EGP

Dia 15, acordamos cedo e tomamos café. O desjejum no Bedouin Hotel é como ele, parece bom, mas é simplezinho e sem graça.

Estava fazendo muito calor, o sol ardia e doía a pele ainda pela manhã, não dava nem vontade de ficar fora do ar-condicionado. No entanto, minha amiga e eu estávamos decididas a aproveitar o dia. Chegamos a ver um carro para nos levar ao Blue Hole, depois do almoço, mas acabamos nem indo. O Blue Hole, atração famosa de Dahab, é um buracão no Mar Vermelho, um tipo de caverna, com cerca de 130 metros de profundidade; é um destino obrigatório de mergulhadores do mundo todo, porém notoriamente perigoso para essa prática, sendo até conhecido como o “cemitério de mergulhadores”, devido ao elevado número de acidentes já ocorridos. Só os mais experientes devem se arriscar no azul profundo desse mar, e nós só iríamos observar a beleza dos recifes de corais e nadar um pouco nas calmas águas do Blue Hole, no máximo com um snorkel. Porém, é fácil fazer cursos rápidos nas várias agências locais e arriscar um mergulhinho mais radical, sempre bem acompanhado de um instrutor responsável. Dahab, na verdade, é isso: sossego, natureza e mergulho. O Mar Vermelho não tem ondas e não sou nenhuma expert, mas acredito que isso facilite esse esporte.

Blue Hole em Dahab (reprodução de foto da Internet)

Blue Hole em Dahab (reprodução de foto da Internet)

E ainda, o passeio pode até se tornar mais espiritualizado, uma vez que o Monte Sinai fica a apenas 150 km de Dahab e só é acessível por essa cidade. Há várias opções de excursões para visitar ou mesmo subir o Monte. Entretanto, não tínhamos mesmo pensado em ir até lá, já que não aguentávamos mais táxis enlouquecidos e ônibus estranhos. Mas, o que dizer desse dia… Começamos com a franca intenção de aproveitá-lo e acabamos nos rendendo ao mau-humor e nos deixando levar pela preguiça. Meu amigo não quis nos acompanhar, já que já conhecia o local e minha amiga abateu-se frente à ansiedade da volta iminente e permaneceu conectada ao laptop. Eu também me deixei enfraquecer e esqueci o Blue Hole. Hoje, me arrependo amargamente. Estava no Egito, ao lado de um lugar que muitos sonham em visitar e fui vencida pelo desgosto e frustração… Prometi a mim mesma que nunca mais perderia oportunidades assim. Tudo acaba passando e todos os problemas parecem, depois, que nem existiram…

Enfim, o dia passou e nós passamos por ele, sem nada acrescentar e sem nada tirar. Até saímos um pouco à noite, caminhamos, jantamos no mesmo restaurante do dia anterior, vimos mais um filme na TV e fomos deitar.

12° dia – Dia 15 de outubro: Em Dahab

  • 30,00 Almoço
  • 40,00 Jantar
  • 32,00 Besteiras no mercado
  • 10,00 Táxi de volta do centro
  • Total do dia: 112,00 EGP

No nosso último dia no Egito, eu me mortificava de culpa, por não ter aproveitado o dia anterior, nem fora ou dentro do quarto. Por isso, decidi colocar um maiô discreto e me arriscar no mar, em frente ao hotel.

praia na frente do hotel

praia na frente do hotel

A praia é de cascalhos; dói os pés. Assim, me muni de Havaianas e entrei na água totalmente cristalina. Só havia minha amiga e eu na praia. Na verdade, pelo que eu percebi, o mar de Dahab é mesmo para o mergulho; não há pessoas tomando sol ou curtindo a praia, em biquínis ínfimos, como no Brasil. Mesmo porque, apesar da cidade ser considerada destino turístico, ainda fica no Egito, em meio à sociedade muçulmana. Assim, as piscinas dos hotéis e resorts é que costumam deixar os turistas mais à vontade. Não cheguei a presenciar isso, mas vi na Internet o traje de banho das mulheres muçulmanas, que certamente seria motivo de piada no nosso verão; ele é um conjuntinho de um tipo de legging com uma sainha curta, sapatilhas, um colant com mangas compridas e uma touquinha de natação, tudo na mesma cor, que costuma variar tons berrantes, tipo azul celeste e rosa Pink, um “charme”. Enfim, entrei no mar, com meus chinelos e andei uns bons metros, sem que saísse do mesmo nível. Eu andava e andava, sobre as pedras e cascalhos, e ainda ficava com a água pelos joelhos. Parecia mesmo uma piscina. Confesso que fiquei com medo de, de repente, o mar simplesmente “afundar” e me engolir num infinito desconhecido, pois eu já estava longe da praia, e, incoerentemente, ainda no raso. Acovardada frente ao que não me era familiar, retornei, lutando para manter as Havaianas nos pés. Um cachorro se aproximou de nós, rolou na areia, permitiu que eu o afagasse e nos seguiu de volta até o hotel. Pensamos em aproveitar um pouco da piscina, já que a área de lazer era, de fato, muito linda. Percebemos, no entanto, que aquele cachorro, assim como seus amigos e prováveis familiares, eram tão frequentadores da piscina do hotel, quanto os próprios hóspedes. Sem pudores, o cão entrou na água até a barriga, se serviu em linguadas generosas e saiu para deitar docemente em uma das muitas espreguiçadeiras do entorno.

cão da rua na piscina

cão da rua na piscina

cão da rua tomando sol

cão da rua tomando sol

As fotos da Internet não mentem, a piscina era mesmo aquela, o mar maravilhoso que parece se unir a ela era mesmo aquele, as espreguiçadeiras e guarda-sóis que outrora me fizeram imaginar momentos do mais prazeroso descanso eram exatamente aqueles! Porém, a sujeira vista de perto era simplesmente inimaginável! A água da piscina tinha, além de muita areia, melecas não identificadas, boiando ao sabor do vento; o tecido das espreguiçadeiras estava imundo e, em muitas delas, totalmente rasgado, deixando aparente a espuma interna; o cão, sarnento e, muito provavelmente, pulguento, se refestelava na água e se revezava entre ela e a espreguiçadeira, valendo-se da agradável sombra sob os guarda-sóis; finalmente, nada justificava a quantidade de areia no chão, nem mesmo a proximidade da praia. Olhamos tudo aquilo e decidimos que entrar naquela água estava fora de cogitação. Como eu pego micose só de olhar pra uma praia suja, escolhi ser precavida. Sinceramente, se voltar a Dahab um dia, como ainda pretendo, posso até deliberadamente retornar ao Bedouin Moon Hotel. Porém, só faria isso ficando nos quartos da frente, com ar-condicionado e por um preço bastante promocional, já que saberia de antemão que, do hotel, só aproveita-se mesmo a cama para dormir. Apesar da bela estrutura, não poderia usar a área de lazer ou os charmosos quiosques de descanso, infelizmente.

hotel em Dahab

hotel em Dahab

Já estava quase na hora do almoço. Comemos qualquer coisa, colocamos as roupas nas malas, tomamos banho e arrumamos, com a ajuda da recepção, um táxi para nos levar de volta a Sharm El Sheik. Surpreendentemente, a viagem correu bastante tranqüila. Fomos no fresquinho do ar-condicionado, e não com as janelas abertas e um “lança-chamas” nas fuças, e o motorista foi muito educado. Fomos mudos e calados até o aeroporto. Experimentava um certo sentimento de derrota e resignação, como se não adiantasse fazer mais nada. Entretanto, ao mesmo tempo em que lamentava mais uma “desilusão amorosa”, tentava equilibrar minhas emoções com tudo de bom que eu vivenciara e aprendera no Egito.

Chegamos ao aeroporto de Sharm El Sheik e ainda era muito cedo para o check-in. Arrumamos um lugar para sentar e esperamos, sem nenhuma agitação. Algo que nos chamou a atenção foi o teto do aeroporto, uma imensa lona branca, como a de um circo, fazendo a entrada parecer uma grande tenda. Era de muito bom gosto e mais uma prova de que a chuva realmente não é levada em consideração nos projetos arquitetônicos.

Depois de entrarmos, ainda esperamos umas duas horas, na área de embarque. O avião atrasou e minha amiga e eu ainda ouvimos as derradeiras reclamações. Chegamos ao Cairo somente à noite. Nos despedimos friamente do americano, cujo voo para Chicago era somente no dia seguinte, e fomos esperar nosso voo para Paris e, daí, de volta a São Paulo. Como ainda faltavam algumas horas, inventamos o que fazer, carregamos pen-drives de fotos, trocamos o restante de nossas Libras Egípcias por dólares, andamos no duty-free e compramos selos. Ainda no aeroporto, no Cairo, pudemos observar, mais uma vez, nosso contraste de culturas; esperamos pacientemente que o atendente dos correios, ajoelhado sobre um pequeno tapete, terminasse suas orações e viesse nos vender selos egípcios. De fato, os muçulmanos têm sempre seus tapetinhos, mesmo na sua área de trabalho, para que, no horário destinado às rezas, parem o que estiverem fazendo, e se posicionem em direção à Meca, numa disciplina ferrenha.

Paramos para comer em um Burger King e lá também estava um casal jovem; o homem, moreno, cabelos pretos e barba cerrada, de calça jeans e camiseta, assistia a um jogo de futebol num telão e eu poderia imaginá-lo assim em qualquer boteco brasileiro. A mulher, no entanto, trajando uma burca fantasmagórica, que a cobria da cabeça aos pés e contava até com uma treliça em frente aos olhos, enfrentava uma luta pessoal contra o hambúrguer, tal era a dificuldade de tentar comer e, ao mesmo tempo, não mostrar o rosto, revelando a estranhos só o que o marido pode ver. Imediatamente, senti uma enorme pena dela e raiva do homem, por subjugar sua companheira daquela maneira e me indaguei como jovens ainda poderiam perpetuar aquele tipo de coisa. Porém, logo em seguida, pensando friamente e de maneira mais diplomática, e porque não dizer mais humilde, compreendi que nossas culturas e modos de enxergar a vida são diferentes e é só isso que elas são: diferentes. Não podemos e nem temos o direito de afirmar que uma cultura é mais correta, em detrimento da outra. Nascemos e somos criados em determinada sociedade e, simplesmente, nos acostumamos a ela. Fiquei observando aquela mulher que, a princípio já julguei reprimida moralmente e dominada fisicamente, e pensei, num relance, que ela poderia ter exatamente a mesmíssima opinião em relação a nós. Quem sabe ela olhasse para nós, para a nossa obsessão pela beleza e perfeição do corpo, nossos distúrbios alimentares e depressão, nossas mulheres abandonadas por homens irresponsáveis, forçadas a jornadas duplas de trabalho, a assumir a família como pai e mãe, mulheres tratadas como objetos sexuais, expostas, desiludidas, perdidas, desrespeitadas e pensasse como somos coitadas e tivesse de nós a mesma pena que eu estava sentindo dela? Quem sabe, dentro de suas expectativas, ela não fosse tão livre quanto gostaria de ser? Quem sabe aquele marido não fosse carinhoso e pai amável? Quem sabe ela não fosse, realmente, feliz? É claro que não apoio os extremistas e suas chicotadas em praça pública, submissão sem sentido ou prisões domiciliares, mas as muçulmanas que vimos no Egito, coloridas e alegres, sempre tinham um sorriso aberto e sincero a nos dar. Aliás, última informação inútil: eu não vi nenhum homem com os dentes bons no Egito e olha que eu procurei!

Finalmente, embarcamos. Em Paris, tivemos que esperar mais algumas horas. Estava tão frio no aeroporto que minha amiga e eu tivemos que improvisar para nos aquecer, já que as malas já tinham sido despachadas. Ela, com um lenço sobre a cabeça, mais o capuz do casaco e outra blusa; eu, também vestida em camadas; nós duas, esgotadas sobre as cadeiras, braços cruzados, tremendo, olhares monótonos, lançados sobre o vazio, me fez imaginar duas sem-teto, que só precisavam daqueles latões com fogueira na frente, para esquentar as mãos.

O avião partiu à uma da manhã e a última emoção da nossa viagem foi a rabeada que ele deu na pista ao pousar em São Paulo.

13° dia – Dia 16 de outubro: Em Dahab e a volta

  • 100,00 Táxi Dahab – Sharm El Sheik (individual)
  • 50,00 Burger King
  • 17,00 Besteiras no aeroporto
  • Total do dia: 167,00 EGP

Cerca de uma semana depois do nosso retorno, estourou a revolução no Egito, em 2010, que derrubou o governante de 30 anos no poder. As ruas do Cairo e monumentos históricos foram inteiramente tomados por manifestantes, confinando os turistas em seus hotéis ou abreviando suas férias. Lembro-me da minha amiga me ligando, durante o Jornal nacional. Sem dizer mais nada, ela só soltou: “Você tá vendo o jornal?” E nós tivemos um acesso de riso de alguns minutos da situação.

Hoje, quando toda a aporrinhação passada parece minimizada, tenho conversas amigáveis pelo MSN com o americano e, claro, continuo amando minha querida amiga. Apesar de todos os perrengues do Egito, sigo dizendo que, da minha parte, adorei a viagem e a faria de novo, sem nenhuma dúvida, especialmente agora, que já estaria escolada. Assim, espero, que da mesma forma, todos possam ter aproveitado algumas das dicas que dei aqui. Agradeço aos que leram até o final! Escrevi demais, mas o faço por mim também, afinal não há falta de memória que não se renda a uma caneta!

momentos - Egito

momentos – Egito

momentos - Egito

momentos – Egito

momentos - Egito

momentos – Egito

fazendo graça em Karnak

fazendo graça em Karnak

Resumindo as contas da viagem de duas semanas ao Egito:

Passagem de avião: R$ 2.630,00

Gastos diversos: R$ 1.100,00 (cerca de 3.600,00 Libras Egípcias ou 600 dólares)

Hotéis: R$ 826,00 (Isso mesmo. Esse valor foram todas as diárias, mesmo trocando de hotéis e pagando outros, novamente)

Dois vôos domésticos no Egito, pela empresa EgyptAir: R$ 255,00

Gastos em dólares:

Visto: U$ 15,00

Sleeping Train: U$ 80,00

Vôo de balão: U$ 80,00

TOTAL:

Assim, arredondando, gastei cerca de R$ 5.200,00 para duas semanas, no Egito, sendo que a passagem de avião, que corresponde a metade disso, pode ser dividida. Dessa forma, não há desculpas para não ir!

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