Cusco – Águas Calientes (Visita a Macchu Picchu)

Cusco – Águas Calientes (Visita a Macchu Picchu)

Em 25 de agosto, às sete da manhã, nós estávamos na rodoviária de Cusco, no Peru. Tínhamos saído de Arequipa às oito da noite do dia anterior e, ironicamente, ainda que aquele tivesse sido o melhor ônibus da viagem, pela ótima empresa Oltursa, eu não dormira nada. O caminho fora excessivamente tortuoso, o que jogava nossos corpos para lá e para cá, na poltrona, impedindo o relaxamento total. Além das curvas, uma sacola de plástico maldita rolava no porta bagagens acima das nossas cabeças e, a cada movimento do ônibus, eu ficava esperando mais uma vez pelo barulho do chacoalhar do saquinho. É como não dormir por causa de uma janela batendo com o vento… O ruído constante faz o cérebro não desligar, já que ele sempre fica aguardando o próximo baque. Assim, eu cheguei a Cusco podre de cansada!

O bom da viagem foi a mudança de paisagem; as montanhas na região de Cusco voltaram a exibir um verde suculento e generoso, em contraste com a aridez das regiões que estivéramos anteriormente no país. Os terrenos desérticos e os montes pedregosos e arenosos estavam agora saciados na sua sede e cobertos aliviadamente de uma vegetação macia. O amanhecer na estrada tinha sido bonito e há tempos eu não via nuvens tão carregadas de chuva; os raios do sol as trespassavam, jogando brilhos em feixes cônicos do céu até a terra, como gigantescos holofotes e a imagem do cinza escuro do céu rasgado pelos traços de luz realmente comovia. A última parte da viagem foi de estrada reta e foi possível descansar um pouco os músculos tensos, mas então já estávamos quase chegando e eu me mantive acordada para observar a entrada da cidade. Como sempre, essa área costuma ser feia e em Cusco não foi diferente: casebres sem reboco, construções inacabadas e um número incomum de postos de gasolina…

Na rodoviária lotada, muitos taxistas nos abordavam com o valor praticamente tabelado de 10 soles para o nosso destino. Saímos à rua, na porta do terminal, e já conseguimos um carro por quatro soles. Em Cusco, os táxis amarelos são confiáveis e registrados. Nosso endereço era a Calle Hospital, rua na qual morava nosso anfitrião do Couchsurfing para a cidade. Tanto Michael como eu, dessa vez, tínhamos acordado em buscar um “sofá” em Cusco, já que acreditávamos que a cidade era cara, por ser o destino top e número um de turistas do Peru e um dos mais procurados na América do Sul. De fato, a região é bem servida de hotéis caros e luxuosos, mas até que também oferece opções baratinhas, como notamos posteriormente; nós chegamos, por exemplo, a encontrar albergues perto do centro histórico, decentes o bastante para ter WIFI e quartos privativos, por apenas 24 soles. Bom, de qualquer modo, nós tínhamos feito o contato do Couch e para lá estávamos indo.

A rua, eu confesso, não me pareceu das melhores; muita sujeira e casarões decadentes, com cara de cortiço. Quando o táxi parou na frente do número indicado, eu pensei que aquilo não fosse funcionar e já ensaiei com Michael nossa desculpa escapatória, que sempre guardávamos para situações como essas. O prédio do Willy era muquifado e parecia um favelão; para chegar a ele, nós primeiro entramos na fachada de um sobrado que dava para a rua; porém, a frente não era uma casa, mas um tipo de portal para o interior; depois dele, havia uma ruela estreita, cheia de lixo, moscas e um cachorro doente. Uns metros além, naquele mesmo corredor, um banheiro podre cheirando a esgoto marcava outra divisória para finalmente chegarmos a um pequeno edifício muito simples de três andares. Tudo fedia e parecia realmente sujo. Em baixo, uma senhora começou a gritar por Willy, nosso anfitrião, e o rapaz saiu para nos receber. Michael e eu já tínhamos feito sinais um para o outro e estávamos com a desculpa na ponta da língua quando o gentil Willy nos levou ao quarto. O interior do apartamento era simples, mas surpreendentemente melhor que o entorno; era pintado e ajeitadinho e os únicos inconvenientes eram o Box sem cortina, o chuveiro meio frio e a falta de uma cozinha decente. Por outro lado, o anfitrião nos reservara um quarto privativo e as duas camas tinham lençóis limpos, cobertores e o ambiente era bem aceitável; tinha até WIFI no quarto. Então, resolvemos ficar.

Depois de uma breve conversa, Willy nos deixou para que dormíssemos um pouco e eu realmente cochilei até umas dez horas da manhã. Oportunamente, nosso anfitrião também calhava ser um agente de viagens e, depois da nossa soneca reparadora, ele nos explicou tudo o que poderíamos fazer na região, confirmando as vontades do Michael, que já tinha feito muita pesquisa sobre aquela área do país. Eu entendi bem a eficiente estratégia do Willy, no sentido de ganhar dinheiro; ele aceitava surfers na sua casa, através do Couchsurfing, e sempre acabava vendendo a eles os pacotes turísticos; para ele, era somente uma eficaz maneira de atrair clientes que não o onerariam de forma alguma, por dormir em sua casa uns poucos dias e usar um chuveiro frio… Ele não tinha gastos com comida, eletricidade ou água mais do que estivesse sozinho e, através da gentileza, era muito provável que os viajantes comprassem da sua agência os pacotes de passeios. Para nós, o casamento também era eficiente e dava certo, pois tínhamos um agente confiável, que não nos venderia gato por lebre, correndo o risco que ser fortemente difamado em todos os canais que servem de base para pesquisa de qualquer mochileiro que se preze: o Facebook, o Couchsurfing e nossos sempre presentes blogs de viagem. Então, o arranjo servia bem para ambas as partes… Willy ganhava clientes em qualquer época do ano e nós, viajantes, ganhávamos tours de confiança e um lugar de graça para deixar as mochilas e dormir. Willy não forçou nada e nos deixou livres para escolher entre ele e outras agências e teve até a decência de não caluniar nenhum concorrente, mas de fato sua proposta foi bem conveniente e nós a aceitamos. Inclusive, fizemos mesmo pesquisas em outros lugares e barganhamos preços com o anfitrião também.

Cusco vive majoritariamente do turismo. Pessoas de todos os países vêm em peso à cidade, que é base para a visita a Macchu Picchu, o centro do império inca mais difundido e, portanto, famoso do mundo. A maioria dos turistas chega à região somente para uma ou duas semanas de férias, ou seja, o suficiente para conhecer Macchu Picchu e passear mais um pouquinho pelo entorno. De um modo geral, esse tipo de turista já vem com pacotes fechados desde seus próprios países de origem; carros os esperam no aeroporto internacional, que fica na cidade, e hotéis e tours já estão sempre previamente agendados. Mochileiros em longas viagens, como nós, é que geralmente chegam a Cusco sem nada muito decidido, a não ser o nome dos lugares nas mãos e a vontade de conhecê-los. Infelizmente, é notória a falta de profissionalismo das agências de viagem de Cusco, especialmente conosco. Há uma miríade de relatos sobre problemas diversos enfrentados por mochileiros ao comprar tours nas agências locais, que vão desde o não cumprimento de prazos, horários e visitas prometidas até o uso de guias completamente amadores nos passeios (como aconteceu conosco em Huaraz, no norte do Peru). Esses problemas devem-se justamente a essa demanda enlouquecida pelo turismo nessa área do país e, se é para tratar alguém pior, o alvo é o viajante mais econômico como nós. Para os maus profissionais, os mochileiros pobretões podem possivelmente – e quando o fazem – reclamar só ali, em nível local, e não tecer uma rede de difamações em agências intermediárias, nos seus próprios países, enchendo o saco de muita gente que dá para olhar na cara e, dessa forma, prejudicando as conexões internacionais das agências locais de Cusco. Trocando em miúdos, se é para “cagar” com alguém, que seja com o “mais fraco”. Entretanto, o que esses profissionais amadores estão começando a entender é que se o mochileiro não “enche muito o saco” ali, ele normalmente bota a boca no trombone na Internet! O poder e o alcance de uma reclamação na Internet vêm se tornando dia após dia uma voz de alto-falante que perturba e não está mais passando despercebida por aqueles que não trabalham direito… Mesmo assim, ainda fica a minha dica de muita, mas muita pesquisa ao comprar tours a Macchu Picchu e City Tours, na cidade de Cusco. Eu recomendo a agência do Willy, pois deu tudo certo conosco.

Turismo Cusco Perú

Turismo Cusco Perú

Com ele, então, nós compramos um City Tour em Cusco, um passeio ao Valle Sagrado de los Incas, um tour ao Valle Maras y Moray e, lógico, a ida e volta a Macchu Picchu. Os passeios, com exceção de Macchu Picchu, incluíam somente transporte e guias, e deveríamos pagar os ingressos às diversas atrações à parte. Também é muito válida a aquisição do Boleto Turístico de Cusco, vendido através da prefeitura, na Avenida do Sol (Cosituc – Municipalidad del Cusco). O boleto nos dá direito à entrada opcional em 16 atrações turísticas da região, vale por até 10 dias e devemos apresentá-lo sempre que necessário, em cada ponto (um furinho é feito sobre cada foto do ponto turístico, indicando que ele já foi visitado e, dessa forma, o boleto não pode ser usado novamente para a mesma atração). A opção de comprar ingressos para cada atração separadamente fica bem mais cara, pois, ainda que não se visite todos os 16 sites turísticos oferecidos pelo boleto, certamente vai-se à maioria deles (nós fomos a nove) e os ingressos avulsos são bem mais salgados.

boleto turístico de Cusco

boleto turístico de Cusco

Para Macchu Picchu, o tour comprado com o agente incluía, além de transporte e guia, outros itens, como entrada à cidade sagrada e a hospedagem no hotel. Detalho o que fizemos em Cusco e na região na tabela a seguir:

Dias

Passeios

Ingressos de cada atração (pagos à parte)

Preço dos tours (pagos na agência do Willy)

1° dia City Tour – 4 grupos arqueológicos ao norte de Cusco – 14h00min às 18h30min Qorikancha

Saqsayhuamán

Q’enqo

Pukapukara

Tambomachay

10 soles

*

*

*

*

15 soles – transporte e guia
2° dia Valle Sagrado de los Incas – 9h00min às 19h00min Pisaq

Urubamba

Ollantaytambo

Chinchero

*

Gratuito

*

*

25 soles – transporte e guia
3° dia Maras y Moray – 9h00min às 15h00min Maras

Moray

Salineras

Gratuito

*

7 soles

25 soles – transporte e guia
4° dia Macchu Picchu por carro – 03 dias e 02 noites 167 dólares ou 436 soles, na conversão da época
* – todos incluídos no Boleto Turístico del Cusco – 130 soles Total pago de ingressos: 147 soles Total pago a Willy com arredondamento: 500 soles
Macchu Picchu Incluído no pacote de 436 soles/ U$ 167,00:
  • Ônibus: Cusco – Hidroelétrica – Cusco
  • Duas noites de hotel em Águas Calientes (Macchu Picchu Pueblo)
  • Entrada a Macchu Picchu (128 soles se pago à parte)
  • Serviço de guia
  • Ônibus de subida e descida: Águas Calientes – Macchu Picchu – Águas Calientes (17 dólares se pago à parte)
  • Trem de volta: Águas Calientes – Hidroelétrica
  • Um almoço, dois cafés da manhã e um jantar

Obs.: as grafias dos nomes de cada lugar mudam demais de acordo com a Língua escolhida e, dentro do próprio Espanhol e Quéchua, há muitas variações. Nós escolhemos aqui colocar algumas opções de modo que nos familiarizemos com mais de um tipo de ortografia.

Assim, naquele mesmo dia, 25 de agosto, nós já faríamos um City Tour por alguns pontos turísticos de Cusco. Deveríamos esperar por um guia nas proximidades do monumento da Praça de Armas, às 13h45min. O apartamento do Willy, na Rua Hospital, ficava perto da praça, coisa de 10 minutos a pé. Fomos caminhando e já tirando as primeiras impressões do Centro Histórico da cidade onde, inclusive, estava acontecendo um desfile típico, em homenagem a alguma santa padroeira.

manifestação cultural em Cusco

manifestação cultural em Cusco

Cusco – Centro Histórico:

Cusco, da mesma forma que as outras cidades peruanas (com exceção de Lima), tem uma bela Praça de Armas, igrejas no mais magnífico estilo barroco e casarios coloniais de tirar o fôlego dentro do Centro Histórico! Infelizmente, não se diz o mesmo do restante da cidade, cuja pobreza, sujeira e decadência saltam aos olhos. Como nós nos hospedamos no centro histórico e exploramos mais os sítios arqueológicos da parte norte da cidade, não posso afirmar francamente se há em Cusco áreas mais modernas e ricas, mas tendo a dizer que não. Hoje, segundo o último censo, 600 mil habitantes vivem em Cusco e a maioria deles está direta ou indiretamente ligada ao turismo.

A cidade está assentada a uma altitude de pouco mais de 3400 metros e, por isso, costuma importunar seus visitantes com o mal de altitude ou o soroche. Nós, que já tínhamos vindo por terra desde regiões tão altas quanto Cusco, não sentimos a mudança no organismo, mas para aqueles que chegam diretamente de outros países ou da capital Lima, de avião, aconselha-se um ou dois dias de descanso e aclimatação antes de iniciar uma rotina exaustiva de tours, para que a dor de cabeça e o mal-estar passem longe. O que pode se fazer também, no primeiro dia na cidade, são caminhadas leves pelo Centro Histórico, onde já é possível ver várias igrejas e praças sem subir nenhuma ladeira. Devido à altura, a cidade também conserva um clima ameno na maior parte do ano. Na nossa semana em Cusco, experimentamos desde céu nublado a azul de brigadeiro e não pegamos muita chuva, já que estávamos na estação de seca que dura de abril a outubro, melhor época para visitar a região.

Cusco, diferentemente da maioria das outras cidades do país, não foi fundada pelos conquistadores espanhóis. Ela já existia na época pré-hispânica e configurava-se no mais importante centro cultural e administrativo do Tahuantinsuyu ou Império Inca. Sua denominação provém do Quéchua Qosqo que quer dizer “umbigo do mundo”, confirmando a importância centralizadora da cidade para a civilização inca. Reza a lenda que Cusco foi fundada pelo inca Manco Cápac, no século XII, por volta de 1100 d.C., e já tinha um vasto núcleo populacional no século XVI, sendo a capital do império, quando os espanhóis chegaram à região. Em 1533, o conquistador Francisco Pizarro mata o líder Atahualpa, o último inca assassinado em julgamento formal pelos colonizadores espanhóis; o fato marcou o início da derrocada do império inca e a dominação completa de Cusco pela nova ordem europeia.

Até 1545, a maioria das edificações incas da cidade já tinha sido destruída pelos clérigos católicos com o claro objetivo de apagar os traços da antiga civilização pagã, impondo sua suposta superioridade, e aproveitar o material lítico construtivo nos novos edifícios coloniais. Igrejas cristãs e demais prédios administrativos dos dominadores e colonizadores foram construídos sobre as volumosas fundações de templos e edificações incas ou se utilizaram das pedras que os constituíam.

Alguns edifícios coloniais erguidos depois da conquista espanhola exibem, portanto, características predominantemente europeias, mas com certos traços da arquitetura inca, em uma justaposição ou superposição construtiva. A maioria, entretanto, elevada sobre a completa ruína dos prédios anteriores, carrega as tradicionais particularidades da arquitetura colonial espanhola.

A quantidade de igrejas e conventos erigidos sobre os vestígios da Qosqo inca arrasada pelos conquistadores é proposital e constitui o símbolo da soberania religiosa e autoridade da nova sociedade. Do apartamento do Willy até a Plaza Mayor ou Praça de Armas, nós passávamos, por exemplo, pelos conventos e igrejas de San Pedro, Santa Clara, San Francisco, La Merced, Compañía de Jesús e, finalmente, a Catedral de Cusco, fora tantas outras edificações católicas que existem pela cidade.

Centro Histórico de Cusco

Centro Histórico de Cusco

A Igreja e Convento de San Pedro, de 1556, expõem a fachada da cor das pedras terracota característica das edificações católicas cusquenhas, de estilo barroco. Apesar de ter sido completamente destruída pelo devastador terremoto de 1650, a igreja foi reconstruída no feitio original entre 1688 e 1699. Ela fica em uma esquina, ao lado da estação de trem e em frente à Praça São Pedro e o inusitado Mercado de mesmo nome, que oferece comida, frutas, artesanato típico e roupas a um bom preço.

Igreja de San Pedro

Igreja de San Pedro

Praça de São Pedro

Praça de São Pedro

A Igreja e Convento Santa Clara, alguns metros adiante, exibem os mesmos padrões decorativos dos outros prédios similares de função religiosa. Um belo portal, o Arco de Santa Clara, divide a rua e marca o início da Praça São Francisco.

Santa Clara

Santa Clara

Santa Clara e a igreja São Pedro ao fundo

Santa Clara e a igreja São Pedro ao fundo

Arco de Santa Clara

Arco de Santa Clara

A Igreja e Convento de São Francisco, em frente à Praça São Francisco e ao lado do Colégio Nacional de Ciências, foram fundados em 1645 e posteriormente reconstruídos sob a supervisão de padres franciscanos em 1650, após o grande terremoto. A igreja possui uma só torre, mas fachada de pedras marrons como todas as outras. No seu interior, há uma tela de 12 X 9 metros, do pintor Juan Espinoza de los Monteros, que retrata a genealogia da família franciscana; além dela, outras pinturas de artistas renomados podem ser apreciadas, bem como objetos e mobiliário litúrgico.

Praça São Francisco

Praça São Francisco

Igreja São Francisco

Igreja São Francisco

Confesso que não entramos em nenhuma igreja, nem mesmo a Catedral, pois elas cobravam ingressos dos turistas, em valores que variavam entre cinco e vinte e cinco soles. Como ao longo de toda a viagem pela América do Sul, altares de igrejas coloniais sobraram em quantidade generosa, decidimos aproveitar o tempo e o dinheiro para outras coisas. Se a vontade, entretanto, for mesmo entrar em alguma igreja, é bom observar os horários de abertura, que mudam um pouco de uma para outra, mas costumam ser de dez da manhã às cinco da tarde.

Em seguida, a bela Igreja Basílica Menor de La Merced, considerada a terceira igreja colonial mais importante de Cusco, ao lado da Catedral e da Companhia de Jesus, foi erguida entre 1657 e 1680, em estilo barroco. No seu interior, além do atual colégio, claustros e salões do museu exibem pinturas e objetos de interesse artístico do período colonial. A relíquia mais resguardada, porém, é a famosa Custodia de La Merced, uma joia valiosa de ouro 24 quilates maciço, mais de um metro de altura e 22 quilos; a peça é recoberta de 1518 diamantes e 615 pedras diversas, como rubis e esmeraldas; uma pérola em particular, no seu centro e em forma de sereia, é tida como a segunda maior do mundo.

belíssima La Merced

belíssima La Merced

A Companhia de Jesus localiza-se já na Praça de Armas, junto à Catedral. Ela também impressiona pela beleza, mas foi infelizmente construída à custa da destruição do palácio inca de Huayna Cápac, o Amarucancha, que previamente se encontrava no mesmo local. Erguida pelos jesuítas em 1571, a igreja configura-se em um exemplo arquitetônico do barroco andino, mescla do estilo espanhol com influências locais. Com o terremoto de 1650, a Companhia de Jesus passou por um processo de reconstrução até 1688. Na entrada da porta principal, há a representação de um dos primeiros casamentos feitos em Cusco, a união da princesa inca Beatriz Clara Coya, filha de Sayri Túpac e Cusi Huarcay, e de Martín Garcia de Loyola, sobrinho de San Ignácio de Loyola, santo que fundou a Companhia de Jesus. Sua localização, ao lado da Catedral, chegou a ser motivo de conflitos entre os jesuítas e o clero cusquenho, que se sentia ofuscado pela opulência da outra igreja. O colégio e a capela do interior foram construções agregadas ao longo dos anos seguintes à abertura da igreja e, nela, destacam-se ainda belas esculturas e o imponente altar de cedro. Apesar de também não termos entrado nessa igreja, cito o comentário de alguns viajantes de que a vista da torre é muito boa para se tirar fotos da Praça Mayor.

Companhia de Jesus

Companhia de Jesus

torres da igreja

torres da igreja

Finalmente, a Catedral, mais importante complexo religioso de Cusco, marcou o final do nosso caminho por igrejas entre o apartamento do Willy e a Plaza Mayor. Construída em 1560, a Catedral levou mais de um século para ser completamente terminada, agregando mais terreno e construções anexas à primeira, onde hoje é a Igreja Triunfo, bem ao lado da Catedral maior. Sua base está edificada sobre o antigo palácio do inca Wiracocha e, como se não bastasse essa destruição, os blocos de pedra usados para erguê-la vieram da fortaleza inca de Sacsayhuamán, nos arredores de Cusco, que foi saqueada e arruinada para tanto. Como os construtores foram os próprios indígenas dominados e usados como mão de obra, houve a inevitável influência dos artistas locais. Como “resistência” à autoridade do estrangeiro ou mesmo provocação, é possível ver características incas em obras feitas para o enlevo espanhol, ainda que sob a supervisão dos arquitetos europeus; na representação da Última Ceia, por exemplo, Judas Iscariotis traz as feições de Francisco Pizarro e o prato servido ao centro da mesa é o cuy assado, iguaria tipicamente andina. No mobiliário do coro, também é possível ver entalhes que remetem à Pachamama, a Mãe Terra para os incas. Não só na Catedral, mas em várias outras edificações dos tempos coloniais (e também em muitas outras cidades pelas quais passamos no Peru), pode-se notar essa influência da arte andina na tradicional arte europeia e, consequentemente, a mistura de estilos. A Escola Cusquenha de Pintura, por exemplo, é marcada pela mescla do barroco europeu e da arte dos Andes.

Catedral

Catedral

Santa Ceia (reprodução de foto da Internet)

Santa Ceia (reprodução de foto da Internet)

A Catedral reuni características do estilo gótico, renascentista maneirista e do barroco e seus altares trazem elementos renascentistas, barrocos e neoclássicos.

Catedral

Catedral

detalhe do puma no poste

detalhe do puma no poste

Enfim, Michael e eu chegamos à Plaza Mayor e permanecemos ao lado da Pileta esperando pelo guia que nos levaria ao City Tour, naquela tarde. A Pileta é um monumento em homenagem à cultura incaica bem no centro da praça; é uma estátua dourada que se eleva sobre um chafariz e representa um inca que estende seu braço em saudação na direção de Sacsayhuamán. A colocação da escultura, em junho de 2011 na ocasião das celebrações do Inti Raymi, foi e continua sendo um prato cheio para polêmicas. Em pesquisa na Internet, encontrei uma foto de 1942, na qual outra estátua de um indígena marcava presença no mesmo lugar; na década de 70, um grupo de bêbados acabou arrancando a estátua do local e o chafariz permaneceu vazio até que o prefeito de Cusco Luis Flórez García decidisse presentear a cidade com o novo adorno. A partir daí, grupos mobilizaram-se ferozmente contra a estátua nova e, desde então, já houve algumas reuniões entre autoridades e historiadores para decidir o futuro do “presente” e sua permanência ou não na Praça de Armas. As razões da polêmica devem-se a vários fatores; um deles foram as supostas irregularidades em relação ao custo da execução da estátua (120 mil soles), que se acredita alto para que houvesse a facilitação de desvios das verbas. Outro motivo seria até a queda d’água do chafariz, que seria mais bonita anteriormente, sem a estátua; mas a razão maior da rejeição por grande parte da população cusquenha é a afirmação de especialistas, tais como arqueólogos e historiadores, sobre a total inverossimilhança da escultura com relatos históricos; segundo alguns estudiosos, que têm a estátua como um atentado ao patrimônio cultural, a sua vestimenta não representa com exatidão os filhos do sol, além de possuir emblemas pré-incas; ademais, sua cor dourada remete ao estilo republicano renascentista, nada tendo a ver com a cultura incaica (apesar dos incas usarem muito o ouro nos seus adornos); ainda, a escultura exibe longas madeixas quando os incas teriam usado cabelos curtos para diferenciá-los de outros grupos indígenas. Os mais radicais afirmam, então, que as características da estátua são falsas e fabricadas de modo estereotipado, desinformando a população. Eles comparam o polêmico enfeite a colocar uma figura estrangeira no meio de Macchu Picchu, algo que seria completamente inaceitável. Muitos especialistas gostaram da destruição da primeira estátua, que também não era bem quista na comunidade de historiadores, por parecer um nativo norte-americano, e a maioria sustenta que, dessa forma, a cidade incorreu no mesmo erro ao erguer uma nova “palhaçada”, de como o pobre monumento vem sendo referido.

chafariz com a estátua

chafariz com a estátua

detalhe

detalhe

De qualquer modo, controversa ou não, a estátua dourada vêm fazendo a festa de turistas que adoram todos os seus ângulos fotográficos. Segundo a prefeitura, caberá agora aos habitantes locais a decisão sobre o que acontecerá à Pileta e espera-se que ela continue como está já que foi aprovada pelo turismo que não está muito aí para exatidões históricas. Os mais preocupados com a herança cultural do povo inca, entretanto, aguardam ainda uma escolha justa e deliberada.

polêmica!

polêmica!

A Pileta da Praça de Armas é frequentemente confundida com o Monumento Ovalo Pachacuteq que, na realidade, fica no final da Avenida El Sol, afastada da Plaza Mayor. Esse monumento faz parte do boleto turístico e é possível subir nele por uma escadaria em caracol para observar a vista da cidade. Dentro, um pequenino museu traz informações sobre a cultura inca. Pachacuteq faz homenagem a um dos principais imperadores incas que reinou no século XV. Nós não fomos a Pachacuteq por falta de tempo, mas não senti falta.

Monumento Pachacúteq

Monumento Pachacúteq

Enquanto esperávamos, admirávamos a beleza da praça e o trabalho dos artistas de rua que estão sempre nos oferecendo suas aquarelas e desenhos a lápis de canas populares da região. A Praça de Armas é o coração da cidade moderna de Cusco e local de todas as celebrações da atualidade, assim como também foi centro administrativo, cultural e religioso da capital do império inca. Conta-se que quando Manco Cápac chegou ao vale de Cusco no século XII, se instalou, por motivos de segurança, nas proximidades de um pântano entre dois rios, fazendo dali sua morada. Posteriormente, Sinchi Roca, seu filho e sucessor, secou o pântano com terra das montanhas e assim, surgiu a praça e o início da cidade promissora de Qosqo. Pachacútec, ou Pachacuteq, no século XV, também fez modificações na praça, aumentando-a com areia do litoral e finalizando os mais importantes prédios incas. Com a chegada dos espanhóis, como vimos, os imponentes palácios incas que já tomavam conta do espaço foram derrubados para ceder lugar às igrejas católicas e casarões coloniais. Hoje, lojas, agências de viagem, restaurantes, hotéis chiques, baladinhas, museus e as igrejas rodeiam os canteiros floridos da Praça de Armas e o lugar é bonito e muito agradável, além de supervalorizado. Aluguéis chegam a centenas de dólares e o investimento vale a pena para redes internacionais, como demonstram recentes inaugurações como Starbucks.

Praça de Armas

Praça de Armas

Praça de Armas

Praça de Armas

belos jardins

belos jardins

Praça de Armas

Praça de Armas

Praça de Armas e centro histórico Cusco

Praça de Armas e centro histórico Cusco

City Tour de Cusco:

Bem, Michael e eu ainda esperávamos pelo guia do City Tour do dia e confesso que quando ele se atrasou uns 20 minutos, nós ficamos apreensivos e receosos de termos sido engambelados, já que pagáramos tudo antecipadamente; porém, nós estávamos hospedados no Willy e continuei crendo que o anfitrião não correria o risco de nos tratar mal. Michael até saiu à procura do guia, provocando um pequeno desencontro quando o rapaz finalmente chegou, gritando nossos nomes, na Praça da Armas. Dali, saímos rapidamente correndo por ruelas estreitas até nosso primeiro ponto do City Tour, o Convento de Santo Domingo de Qoricancha.

Qorikancha

Qorikancha

O lugar estava completamente abarrotado e o rapaz logo nos orientou à fila para compra dos ingressos. Muita gente se acotovelava na entrada, buscando as divisórias corretas das filas, e vários guias gritavam na tentativa de organizar seus respectivos grupos para a visita ao convento. Logo em seguida, nosso guia nos juntou a um grupo que já estava formado, cujo tour havia iniciado há pouco, e pediu que o seguíssemos. Uma mulher, entre explicações, pedia que todos se mantivessem sempre unidos, acompanhando uma enorme flor amarela de pano que ela abanava com firmeza, usando como ponto de referência.

Na época inca, Qoricancha era o principal e mais rico templo do império, dedicado primordialmente ao deus sol e também a outras divindades menores ligadas à agricultura. Situado numa colina, ele podia ser admirado à distância e, no seu apogeu, teria brilhado de longe devido aos enfeites de ouro que adornavam seus muros. Qoricancha significa “cercado de ouro” ou “sítio de ouro” e, sob o reinado de Pachacútec, teria inclusive tido suas paredes totalmente laminadas com chapas de ouro e prata, assim como peças do metal maciço em forma de lhamas e outros animais, em tamanho natural, decorando altares. Os muros tradicionalmente incas exibiam nichos nos quais ídolos locais de ouro e também imagens pertencentes a povos conquistados eram colocados para exposição.

nichos trapezoidais com ídolos

nichos trapezoidais com ídolos

Após a conquista europeia, em 1534, os espanhóis aproveitaram a forte edificação inca e construíram uma igreja em cima do Templo do Sol de Qoricancha, o Convento de Santo Domingo. Todo o ouro e prata do complexo religioso foram saqueados e derretidos e cenas do universo católico passaram a revestir os muros incas que restaram. A Igreja Dominicana se esforçou em apagar os traços da civilização pagã dominada e se utilizou somente dos muros de fundação incas, destruindo o restante do prédio anterior; poucas paredes internas foram reaproveitadas e cobertas completamente com afrescos de motivos católicos. Um século depois, em 1650, a igreja e o convento desmoronaram devido ao terremoto que também arrasou praticamente toda a cidade de Cusco. O complexo foi, então, reconstruído até 1681 e terminou de esconder os muros da fundação inca, que não tinham sido atingidos pela tragédia e foram mais uma vez reaproveitados. Porém, em 1950, outro forte tremor novamente destruiu a igreja e, dessa vez, os trabalhos de reconstrução revelaram a herança inca, os sólidos muros que sobreviveram a todos os tormentos naturais, provando-se superiores às frágeis construções europeias. A partir daí, uma vez que a época já contava com a noção de preservação histórica, trabalhos foram feitos para que os muros de fundação tivessem o destaque merecido em meio ao templo católico reconstruído e, hoje, o resgate do legado inca pode ser, de forma mais justa, admirado tanto quanto a história e a arquitetura espanhola que o tentou suplantar quatro séculos antes. Afinal, depois de dois terremotos de grandes proporções, as bases e até algumas paredes internas incas ainda permaneceram de pé, enquanto a edificação dos forasteiros sucumbiu sofregamente, necessitando sempre de reconstrução.

Agora, durante o tour no convento, podemos observar partes pequenas da muralha dos tempos incaicos que estão novamente à mostra, assim como muros reconstruídos no interior do convento. A guia nos explicava o processo eficaz de encaixe de pedras que dava às edificações incas solidez e perenidade. As pedras eram lapidadas para que os cantos ficassem retos e eram encaixadas por dentro, através de orifícios tipo macho-fêmea, sendo depois niveladas com água (se a água corresse, o muro não estava no nível). Os nichos nas paredes, além de função decorativa, também contribuíam para o caráter antissísmico e resistente do prédio.

interior do convento Sto.Domingo de Qorikancha

interior do convento Sto.Domingo de Qorikancha

contraste entre arquitetura inca e espanhola em Qorikancha

contraste entre arquitetura inca e espanhola em Qorikancha

encaixe nas pedras

encaixe nas pedras

pedra fêmea

pedra fêmea

pedra macho

pedra macho

Pudemos ver também um último pedaço de um afresco sobre uma parede inca original, um fragmento pequeno de um aposento que até 1950, na ocasião da segunda destruição do local pelo terremoto, funcionava como sala de reuniões do clero. O pedaço de pintura foi restaurado em 2005.

fragmento de muro pintado em Qorikancha

fragmento de muro pintado em Qorikancha

Vale novamente lembrar que, em posturas de resistência, alguns artistas inseriram elementos locais nos afrescos do início do século XVI. Depois dos dois fortes terremotos, entretanto, as pinturas nas paredes não existem mais, salvo o pedaço diminuto que comentei acima; mas a imagem de Maria mascando folhas de coca, que está presente em um dos quadros da pinacoteca, ainda é um dos exemplos da relutância incaica em relação ao domínio estrangeiro.

Outra peça interessante que vimos no passeio foi uma placa de ouro maciço que representa a cosmo visão incaica, para a qual existiam dois mundos: o palpável ou material e o mágico-espiritual. Esses mundos eram divididos em três regiões denominadas Hanan Pacha (mostrada como o condor), Kay Pacha (puma) e Ukhu Pacha (serpente). A primeira delas representava o mundo superior, onde os deuses viviam e residiam o sol, a lua, as estrelas, o arco-íris e o raio, além das almas dos justos. A segunda região era o mundo da Terra, habitado pelos homens vivos, plantas e animais. Na terceira região, a região de baixo, moravam as almas dos mortos comuns; cavernas eram consideradas passagens para essa área. A placa de ouro presente em Qoricancha retrata os três mundos e alguns dos deuses da religião inca, dentre os quais se destacam a Pachamama, ou Mãe-Terra, divindade relacionada à fertilidade, à mãe, à terra e ao feminino. Até hoje, a Pachamama é a grande deusa dos povos andinos da cordilheira, na América do Sul, e ela interage diretamente com os homens, a quem cede os pedidos e de quem recebe as oferendas. A divindade representa a terra na sua totalidade e não está em nenhum lugar específico, mas na natureza em geral; ela não é um deus criador, mas provedor e protetor da vida, podendo, contudo, demonstrar vingança contra o homem, causando a ele doenças e desastres naturais, caso seja ofendida. Na placa de ouro, outras divindades, sempre relacionadas ao mundo natural, são representadas, como a água, o arco-íris e a árvore, demonstrando a ligação íntima dos incas com a natureza.

placa sagrada em Qoricancha

placa sagrada em Qoricancha

placa de ouro

placa de ouro

legendas

legendas

os três mundos na cosmo visão inca

os três mundos na cosmo visão inca

Do lado de fora, o muro curvo original da época pré-colombiana é hoje claramente visto, como a base da Igreja de Santo Domingo, que parece incorporada a ele e é, de fato, muito bonita. A edificação atual possui três naves e uma famosa pinacoteca, com obras dos séculos XVII e XVIII.

muro inca original

muro inca original

Qorikancha

Qorikancha

No pátio externo, que antigamente era chamado de Inti Cancha, ou Campo do Sol, há um pequeno museu, cujo ingresso está presente no Boleto Turístico de Cusco e não é incluído na entrada de 10 soles paga ao Convento e Igreja. No City Tour, visita-se só o Templo de Qoricancha que agora é a Igreja, e não o Museu de Sítio Qoricancha. Se houver interesse de visitá-lo, há que se retornar em outra oportunidade e é preciso prestar atenção, pois o acesso ao pequenino museu é escondido, subterrâneo e quase sempre passa despercebido.

Inti Cancha

Inti Cancha

Viva el Peru! gravado na montanha

Viva el Peru! gravado na montanha

Saímos de Qoricancha e entramos em um micro-ônibus que nos levou à segunda parada do City Tour, as ruínas de Saqsaywaman, a dois quilômetros do centro de Cusco e 15 minutos de Qoricancha. Lembro que o ingresso a esse sítio arqueológico está incluso no Boleto Turístico de Cusco, que nos custou 130 soles; se adquirido, porém, separadamente, a entrada só a Saqsaywaman fica 70 soles, comprovando mais uma vez as vantagens da compra do boleto.

Saqsaywaman é um conjunto de ruínas conhecido como a Fortaleza de Cusco, apesar de não ter tido função militar, mas religiosa e cerimonial. A altitude do parque ultrapassa os 3600 metros e a área é enorme para se caminhar, 3492 hectares. Do complexo, que foi construído nos reinados dos incas Yupanqui e Hayna Cápac, nos séculos XV e XVI, vê-se toda a cidade de Cusco, ao pé da colina. Acredita-se que o templo de Saqsaywaman levou 77 anos para ficar pronto e consumiu o trabalho de milhares de homens. De fato, a grandiosidade da construção dá ao lugar o status de maior templo do império inca, mas não o mais importante, que continuava a ser o Templo do Sol de Qoricancha.

Saqsaywaman

Saqsaywaman

Saqsaywaman

Saqsaywaman

Saqsaywaman está composto de vários setores, separados por escadarias e enormes muros formados de pedras colossais, polidas e unidas em linhas irregulares, mas com grande precisão, sem a necessidade de qualquer material similar a argamassa. A maior pedra do complexo pesa entorno de 100 toneladas e precisou de mais de 1500 homens para ser arrastada, por rampas, até o lugar onde se encontra hoje.

Saqsayhuamán

Saqsayhuamán

Saqsayhuamán

Saqsayhuamán

Saqsayhuamán

Saqsayhuamán

a maior pedra

a maior pedra

As ruínas remanescentes evidenciam o padrão construtivo da civilização inca; as muralhas inclinam-se levemente, têm pedras de tamanhos diferentes e cantos de muros arredondados, características que também contribuíram para a resistência das construções contra terremotos.

Saqsayhuamán

Saqsayhuamán

Saqsayhuamán

Saqsayhuamán

pedras

pedras

detalhes

detalhes

detalhes

detalhes

Os terraços representam três elementos: o raio, o trovão e o relâmpago, que anunciavam a chuva e prenunciavam algo sempre bom para a agricultura. Para os incas, além do deus maior, o deus sol, a chuva também era reverenciada, por ser a fonte de vida. Saqsaywaman quer inclusive dizer “falcão saciado” ou “falcão satisfeito”, um símbolo de agradecimento aos céus pela chuva concedida.

Saqsayhuamán

Saqsayhuamán

Saqsayhuamán

Saqsayhuamán

Na época do apogeu da construção, a ideia dos criadores do templo era conformá-lo como uma cabeça de um puma, enquanto Cusco formaria o corpo do animal. A intenção, entretanto, nunca foi concluída já que os espanhóis chegaram antes do projeto ser terminado e destruíram o templo. Para eles, Saqsaywaman não tinha o menor interesse a não ser servir de pedreira para as construções coloniais. Entre 1536 e 1570, o complexo foi arruinado, convertendo-se em material lítico para a edificação da Catedral de Cusco, de outros templos católicos e das casas dos espanhóis. Somente as rochas maiores e de difícil remoção permaneceram no lugar onde estão até hoje. Quando os dominadores alcançaram a capital do império inca, havia vinte mil homens trabalhando em Saqsaywaman, na tarefa de transformá-lo no maior templo dos incas e, dessa maneira, não faltou mesmo material construtivo para que os espanhóis rapidamente mudassem a cara de Cusco, dando-lhe um novo perfil europeu.

Até hoje se realiza a festa do sol, o Inti Raymi, em Saqsaywaman, todo o 24 de junho, e para lembrar o passado são feitas manifestações teatrais em Quéchua. Os amplos campos verdes do complexo também servem aos moradores de Cusco como área de relaxamento e exercícios físicos.

Naquela tarde, começara a chover e na entrada das ruínas o aguaceiro estava forte. No entanto, a chuva não era comum para época do ano e, segundo nosso guia, era devida ao pequeno tremor de terra sentido no dia anterior. Felizmente, ela não demorou muito a passar, deixando somente um horizonte nublado.

Depois das explicações do guia, fomos deixados livres por vinte minutos para que andássemos pelas escadas, colinas e muros de Saqsaywaman. Nós caminhamos pelas enormes pedras, pela praça principal, pelos três terraços, vimos Cusco do alto no mirante e tiramos várias fotos. É fácil entender o motivo pelo qual Saqsaywaman foi uma construção chamada de fortaleza na interpretação dos cronistas espanhóis, dado seu grande número de salas, corredores labirínticos e posição estratégica, no alto da montanha. Diz-se também que o descendente do imperador inca que vivia em Cusco na época da invasão espanhola refugiou-se no enorme templo no final de seu reinado, em 1536, na guerra entre os incas e os estrangeiros.

vista de Cusco

vista de Cusco

vista

vista

Plaza de Armas

Plaza de Armas

Sem demora, fomos ao estacionamento e partimos para o terceiro sítio arqueológico do City Tour, as ruínas de Q’enqo, que ficam a três quilômetros do centro da cidade. Q’enqo, que significa “labirinto” em Quéchua, foi um centro religioso dedicado a Pachamama, no qual se realizavam cerimônias de culto à fertilidade e em honra ao sol, às estrelas e à lua. O local se utilizou de rochas gigantescas para a formação de corredores labirínticos e passagens subterrâneas que parecessem intimamente conectados com a natureza. Há partes naturais, que se aproveitaram da disposição das pedras que ali já se encontravam e partes artificiais, que completaram a edificação.

Q'enqo

Q’enqo

Q'enqo

Q’enqo

labirintos em Q'enqo

labirintos em Q’enqo

No seu interior, um espaço cavernoso para rituais simbolizava o ventre da Pachamama, a Mãe-Terra; as pessoas, de maneira metafórica, adentravam o ventre da Mãe para depois “renascerem” para a outra vida, ao sair do labirinto. No “ventre”, há um fosso profundo no qual ossos de animais foram encontrados, indicando que à Pachamama eram oferecidos sacrifícios para o seu regozijo. No mesmo local, essa caverna semicircular, uma mesa de pedra teria sido usada na realização dos rituais de sacrifício. O ritual era um processo de purificação e até hoje, todos os que entram no labirinto e passam pelo ventre da Madre Terra devem agradecer o presente da vida e também fazer um pedido.

o ventre

o ventre

o ventre

o ventre

mesa de sacrifícios (reprodução de foto da Internet)

mesa de sacrifícios (reprodução de foto da Internet)

Do lado de fora, um local chamado anfiteatro continha uma mesa para sacrifícios e uma arquibancada de pedras ao redor, reservada a autoridades incas que acompanhavam os ritos religiosos.

Restos de cerâmica foram encontrados no conjunto arqueológico e sabe-se que um monólito talhado na rocha, de seis metros aproximadamente, foi desfigurado a golpes de martelo pelos espanhóis extirpadores de idolatrias. A intenção era apagar imagens de uma serpente, uma cabeça de felino e uma ave, elementos de conotação religiosa inca. Da mesma forma, os dominadores destruíram um símbolo de puma que havia ali, a fim de tornar o lugar adequado à sua crença católica. Supõe-se que algumas esculturas cilíndricas tiveram a ver com observações astronômicas e essas ainda estão bem visíveis.

Q'enqo (reprodução de foto da Internet)

Q’enqo (reprodução de foto da Internet)

Q’enqo é um passeio rápido e não tardamos ali. Em seguida, o conjunto de Pukapukara, quarto lugar do City Tour e a sete quilômetros de Cusco, é outro exemplo da arquitetura inca. Pukapukara era um centro político e administrativo, um posto de controle de pessoas e de mercadorias. Contadores e administradores trabalhavam com sistemas matemáticos denominados quipus, como aqueles que nós já havíamos visto em Pachacamac, perto da capital Lima. O local funcionava também como um quartel, ou forte militar, e “tambo”, isto é, alojamento com depósito de alimentos. Quando o imperador inca visitava os banhos de Tambomachay, toda sua exagerada comitiva ficavam em Pukapukara. Seu nome significa “forte vermelho” e provém do Quéchua “Puka” (vermelho) e “Pukara” (fortaleza), devido à cor avermelhada que as pedras ganham conforme a incidência da luz do sol. O complexo foi construído sobre um contraforte cercado por uma muralha e está formado por uma pequena praça que continha alguns recintos, ruelas e aquedutos. Como elementos arquitetônicos ressaltantes, destacam-se os tradicionais muros e um portão de batente duplo na entrada do monumento. Nele, todos que se dirigiam a Tambomachay também deveriam prestar conta aos administradores.

sol batendo em Pukapukara

sol batendo em Pukapukara

Pukapukara

Pukapukara

portão de batente duplo

portão de batente duplo

O último lugar de visita do dia de City Tour foi Tambomachay ou o Templo das Águas, que fica a apenas um quilômetro de Pukapukara. A designação do templo, erguido por volta de 1500 d.C., significa “lugar de descanso” e nele o chefe do império deixava de lado suas obrigações de soberano inca para simplesmente relaxar, vez ou outra. Conhecido popularmente como Baños del Inca, Tambomachay não teve somente motivação mundana, mas também foi construído para exaltação da água, no sentido religioso. O templo está a 3765 metros acima do nível do mar e possui aquedutos com um extraordinário sistema hidráulico, além de várias fontes de água dedicadas ao culto do precioso e venerado líquido, feitas de pedra calcária da região. Múmias importantes eram até trazidas de Qorikancha para “participar” das cerimônias e dos rituais religiosos. O local também foi uma via de passagem para Qapaq Nan até o Antisuyo, constituindo um importante lugar de comunicação com os demais povoados de Tawantinsuyo. Diz-se que ao tomar um gole da água de Tambomachay fazendo um pedido ao mesmo tempo, não há como não ser atendido, além da água ser considerada a fonte da eterna juventude. Hoje, porém, é impossível chegar perto o bastante das fontes a ponto de tocar as pequenas cascatas d’água, por questão de preservação do patrimônio.

Tambomachay

Tambomachay

Tambomachay

Tambomachay

Tambomachay

Tambomachay

No final, o grupo ainda visitou uma loja mais sofisticada de artesanatos e vestuário da região. Ali, tivemos uma breve palestra sobre as diferenças entre lãs retiradas de diferentes animais e basicamente tivemos a certeza de sermos sempre enganados todas as vezes que compramos peças em lã de alpaca por um preço muito baixo. Segundo o vendedor, que também queria “empurrar seu peixe”, a lã de alpaca é mais cara que a de lhama e, muito provavelmente, os cobertores que eu comprara em Otavalo, no Equador, como sendo de alpaca, deveriam ser de lhama… Ainda, conforme suas explicações, a maioria dos artesãos de rua vendem “gato por lebre” ou mais dentro do contexto “lhama por alpaca”, pois trabalham com preços incompatíveis ao material. Aprendemos também a distinguir as fibras pela textura e temperatura. A lã de vicunha, por exemplo, que é caríssima, é bem fria e macia ao toque. Andamos pela loja e vimos belos casacos, toucas, luvas e cachecóis que não compramos, por serem bem salgadinhos.

Enfim, após um dia exaustivo de tours por Cusco, no Centro Histórico e nas imediações da cidade, voltamos com o micro-ônibus ao centro e fomos deixados perto da Praça de Armas. Retornamos a pé ao apartamento do Willy e eu dormi profundamente como uma criança sem medos.

centro histórico à noite

centro histórico à noite

centro histórico à noite

centro histórico à noite

centro histórico à noite

centro histórico à noite

centro histórico à noite

centro histórico à noite

centro histórico à noite

centro histórico à noite

No dia 26 de agosto, nós visitaríamos o Vale Sagrado dos Incas, conjuntos arqueológicos um pouco mais afastados de Cusco.

Vale Sagrado dos Incas:

Às 8h45min, nós estávamos novamente na Praça de Armas à espera do guia do dia. O tour saiu às nove horas e a primeira parada foi em um mercado de artesanato, o Inkaq Samanan, na província de San Sebastián. Lembramos que as terças-feiras, quintas e domingos são os melhores dias para o Vale Sagrado dos Incas, pois são nessas ocasiões que funcionam a maioria dos mercados artesanais.

Vale Sagrado dos Incas

Vale Sagrado dos Incas

artesanatos

artesanatos

Logo depois, passamos pelo Mirador del Valle Sagrado e pudemos observar a imensidão do vale e das montanhas.

Vale Sagrado dos Incas

Vale Sagrado dos Incas

Vale Sagrado dos Incas

Vale Sagrado dos Incas

Às 10h45min precisamente, chegamos a Pisac, um complexo arqueológico no topo do monte. Como é sabido, os incas, assim como todos os povos andinos, reverenciavam as montanhas, consideradas lugares sagrados; templos e cidades foram construídos no alto, como se a aproximação com o mundo dos deuses elevasse suas vidas terrenas. Pisac, que é o nome de uma ave típica, está a mais de 3300 metros de altitude, a 36 km de Cusco, e foi edificado com propósitos religiosos e econômicos. Na verdade, Pisac foi uma cidade que reunia vários bairros, como Intiwatana, P’isaqa, Tianayoc, K’alla Qasa; as localidades eram unidas por túneis, plataformas e ruelas. Hoje, na praça principal desse pitoresco povoado, se realiza uma feira dominical típica e, em seu templo, a tradicional missa cantada em Quéchua onde se destacam os Varayocs ou prefeitos das diferentes comunidades indígenas do lugar, que baixam das montanhas para participar da missa e da feira nativa, realizando suas transações comerciais baseadas em escambo. Diariamente há uma feira artesanal com tecidos, cobertores, e “artesanias” em geral.

A parte de Pisac que nós visitamos, e para onde vão todos os tours, são os terraços agrícolas, que impressionam mais o olhar. Edificados com perfeitos muros de pedra, os terraços parecem gigantescas arquibancadas, elevando-se na paisagem. Em cada degrau, produtos eram plantados, como milho e batata. O formato das plataformas em degraus com 95% de inclinação também servia a finalidades de proteção contra inimigos, como barreiras, e irrigação, ao facilitar o curso da água. Ainda hoje, plantam-se “papas” em Pisac, que dá muito bem em altas altitudes.

terraços agrícolas em Pisac

terraços agrícolas em Pisac

Pisaq

Pisaq

Pisaq

Pisaq

Pisaq

Pisaq

Especula-se que para transportar as pedras às montanhas, os incas tivessem usado sistemas de rolos de madeira, rampas e a força de milhares de homens.

Atrás dos terraços, há um grande cemitério, o Tankana Marka, maior necrópole do império inca. Se o guia não nos aponta o local, ele passa despercebido, já que, na verdade, são milhares de furos encravados nas montanhas; não é uma construção que se propõe sobressair na paisagem evidenciando-se como obra humana, de linhas retas, simétricas ou não naturais, mas, pelo contrário, o cemitério visava perder-se na natureza, confundindo-se com os traços da montanha. Nele, eram colocadas as múmias dos agricultores e homens comuns, já que aos nobres era reservado um espaço no Templo do Sol de Qoricancha. Infelizmente, muitas múmias foram saqueadas pelos espanhóis em busca de ouro e outros metais preciosos.

cemitério

cemitério

cemitério

cemitério

O restante de Pisac era formado de casas mais simples, de pedra ou adobe.

casas

casas

casas

casas

casas

casas

Pisac

Pisac

menino

menino

menino local

menino local

Nós saímos de Pisac por volta de meio-dia e meia e fomos a Urubamba para almoçar. Urubamba é um povoado atual, pequeno e sem graça. O ônibus parou em um bar modesto, para que provássemos as tradicionais empanadas da região, um tipo de pastel assado; gostoso, mas nada de mais. Em seguida, nos levaram a um restaurante tipo Buffet, caríssimo! Preferimos ficar de fora e almoçar os lanches que trouxéramos da cidade. Na volta do almoço, um casal nos confidenciou que a comida nem era boa, apesar do lugar ser bem bonitinho.

Depois de comermos, nossa próxima parada foi o magnífico conjunto arqueológico de Ollantaytambo, erguido no final do século XV, a 78 km de Cusco. O nome do local foi uma homenagem a um general inca, Ollanta, que se casou com a filha de Pachacútec; o nome, então, realça a função militar primordial do complexo. Ollantaytambo foi construído sobre duas montanhas, claro, e caracteriza-se pelas enormes pedras de até 60 toneladas trazidas de outros montes da área e talhadas no local que permaneceriam para todo o sempre. Em posição estratégica, Ollantaytambo cresce imponentemente na paisagem, dominando o vale, e, de baixo, vemos todos os seus terraços e plataformas que aproveitam a inclinação da montanha e os infinitos degraus que nos levam até o alto, onde está a fortaleza de Araqama Ayllu. Há que se ter determinação e fôlego para subir as escadarias do complexo.

Ollantaytambo

Ollantaytambo

Ollantaytambo

Ollantaytambo

haja perna!

haja perna!

Ollantaytambo

Ollantaytambo

Ollantaytambo teve, além de propósito militar, uma intenção religiosa, administrativa e agrícola, como não poderia deixar de ser.

Em baixo, o povoado de Ollantaytambo é a única cidade na América que manteve a maioria das características primariamente pré-colombinas. Ainda é um povoado inca, na imagem de sua planificação urbana e na construção das casas. Lojas, ruas retas e estreitas, praças e canais de água ainda resguardam os traços e estilo arquitetônico claramente pré-hispânicos. As casas têm fundações incas originais, que foram conservadas e aproveitadas pelos espanhóis, por suas características únicas antissísmicas (inclinação adequada e pedras pequenas em meio a grandes); somente os segundos andares correspondem à arquitetura colonial dos invasores. Ainda hoje, as moradias são habitadas por nativos indígenas, o que faz o povoado adquirir um ar pitoresco e interessante.

Ollantaytambo

Ollantaytambo

pracinha em Ollanaytambo

pracinha em Ollanaytambo

O rio Patakancha divide o povoado em duas partes, uma de habitações e outra de caráter cerimonial onde se encontra a Plaza Manya Ranqui ou Praça das Solicitações.

Nós subíamos pouco a pouco os degraus das escadas e parávamos em plataformas diversas para ouvir as explicações do guia, que nos mantinha unidos abanando uma bandeira do Peru. Vimos o formato de lhama da montanha da frente, assim como a Cara do Inca, em outro monte.

lhama

lhama

a Cara do Inca

a Cara do Inca

As montanhas eram indicadores naturais que regiam o tempo, funcionando como calendários, a partir das observações de incidência de luz e sombra sobre suas superfícies, isto é, dependendo de onde o feixe de luz batia, os incas sabiam quais eram as estações do ano e o período dos principais eventos naturais. Soubemos ainda que, pela altura do local, quase 3000 metros, Ollantaytambo servia de refrigerador natural e, portanto, de depósito de alimentos; a temperatura amena foi otimizada também pela construção de eficientes sistemas de ventilação.

subindo

subindo

montanhas

montanhas

montanhas

montanhas

Subimos mais e observamos o Templo do Sol, no topo do conjunto construtivo. O templo é inacabado, pois teve a construção interrompida pela chegada dos espanhóis; ainda assim, podemos ver os seis monólitos que o caracterizam e dão a ele uma imponência de forte. Interessante perceber que o símbolo da cosmo visão andina está no centro do muro, indicando a natureza religiosa da edificação.

monólitos em Ollantaytambo (reprodução de foto da Internet)

monólitos em Ollantaytambo (reprodução de foto da Internet)

templo inacabado

templo inacabado

Chakana no centro

Chakana no centro

O guia nos contou ainda sobre como o líder inca que tentou resistir aos espanhóis se abrigou no forte para traçar possíveis estratégias de luta. Nós contornamos a montanha a descemos pela parte de trás até as salas ao redor de Ollantaytambo, que eram destinadas aos sacerdotes.

Ollantaytambo

Ollantaytambo

Ollantaytambo

Ollantaytambo

terraços

terraços

terraços

terraços

Ollantaytambo

Ollantaytambo

Ollantaytambo

Ollantaytambo

terraços

terraços

salas sacerdotais

salas sacerdotais

Francamente, eu achei Ollantaytambo uma das melhores e mais bonitas ruínas incas do Vale Sagrado, equiparável em grandiosidade até mesmo a Macchu Picchu. Vale muito a pena visitá-las. Bom lembrar que Ollantaytambo leva tempo e é necessário perguntar ao vendedor do pacote turístico quantas horas estão reservadas ao complexo, pois há agências que ficam 10 minutos no local, frustrando todas as expectativas do grupo de visitantes. Nós ficamos mais de uma hora e o guia era muito bom.

Ollantaytambo é dez!

Ollantaytambo é dez!

artesanatos

artesanatos

Enfim, passeio concluído, seguimos para Chinchero, a 30 km de Cusco. Antes, porém, de alcançarmos o centrinho do vilarejo, paramos em uma oficina têxtil, para observar o trabalho das artesãs típicas da região na confecção de roupas; a demonstração de como elas ainda tosam as lhamas e alpacas, lavam sua lã e tingem o material é bastante interessante. Elas nos mostraram o parasita vermelho dos cactos, denominado cochinilla; do animal, que quando amassado sobre as mãos verte um líquido rubro, são extraídos corantes usados para tingir tecidos e fibras. Misturado a outras substâncias como sal e limão, o líquido da cochinilla adquire diferentes tons de rubro (em cosméticos, o parasita também é usado e soubemos que os batons mais caros têm na cochinilla a origem da cor vermelha, que supostamente fixa mais). Outras cores, como azul, verde e amarelo são obtidas também naturalmente através de outras plantas e raízes. O que gostei mais foi do “xampu Inca”, substância espumante extraída de uma raiz dos Andes usada para lavar as lãs e, segundo as mulheres, o segredo para o cabelo negro das descendentes indígenas. De fato, não vi nenhuma, por mais velha que fosse, exibindo fios brancos. As mulheres nos servem chá de coca e são muito simpáticas, mas não cobram nada pela demonstração, já que esperam vender seus produtos no final da palestra; quem quiser, pode também deixar uma gorjetinha. Nós não fizemos nenhum dos dois por economia mochileira mesmo… Percebemos que os nativos até hoje cultivam fortemente suas tradições, na culinária, língua, vestuário e celebrações. É bonito de se ver.

oficina têxtil

oficina têxtil

tingindo fibras com corantes naturais

tingindo fibras com corantes naturais

explicações

explicações

para obter os corantes

para obter os corantes

Quando chegamos à praça principal de Chinchero, já era fim de tarde e logo o preto da noite caiu sobre nosso grupo. De qualquer modo, o vilarejo não necessita de muita luz, já que a visita é somente à oficina descrita acima, ao mercado de artesanatos e à igreja local, a Igreja da Virgem da Natividade.

Igreja Virgem da Natividade

Igreja Virgem da Natividade

Chinchero

Chinchero

Chinchero

Chinchero

Durante a tarde, depois de Ollantaytambo, nós tínhamos tido claridade o suficiente para nos maravilhar com as lindas paisagens da Cordilheira de Vilcanota e os nevados Chicón e Wakay Wilka, no caminho de Chinchero.

montanhas

montanhas

O colorido e tradicional mercado dominical, originalmente dedicado ao escambo entre os locais, foi bonito, mas não compramos nada, apesar dos preços decentes dos tecidos em estilo pré-colombiano. Como já era mais tarde, só algumas barraquinhas persistiam na tentativa de vender algo aos turistas, mas soubemos que durante o dia, o mercado é lotado!

mercado

mercado

lojinhas

lojinhas

As construções, assim como em Ollantaytambo, são coloniais espanholas sobre bases incas. O contraste entre as fundações incaicas e as paredes coloridas em estilo colonial não afeta a harmonia final que o conjunto de construções tomou; parece até que a mistura foi assim pensada desde o início.

Chinchero

Chinchero

Chinchero

Chinchero

A pequena igreja do local é muito singela por fora, mas ostenta um interior ricamente adornado com pinturas e esculturas. Anteriormente uma huaca, isto é, um lugar sagrado e cerimonial para os incas, converteu-se no templo católico de estilo barroco no início do século XVI. A base ainda é de muros incas e as pinturas internas carregam elementos cristãos bem como símbolos incas, como beija-flores, anjos talhando pedras e saias indígenas trajando o corpo de Cristo. As paredes são todas pintadas, dos séculos XVI e XVII. Para espanhóis, os indígenas cultuavam o satã e vestígios da cultura anterior seriam proibidos; assim, esses detalhes que demonstram a provocação incaica em relação ao estrangeiro são realmente intrigantes. Na região, a fim de doutrinar o povo conquistado segundo a nova religião imposta, os espanhóis começaram a dizer que ter o arco-íris, por exemplo, como objeto de adoração e veneração fazia os dentes caírem; até hoje, a superstição persiste e muitos peruanos nunca olham um arco-íris diretamente.

entrada da igrejinha

entrada da igrejinha

Nós somente visitamos o povoado e a igreja, pois já era noite. Entretanto, é possível ver ainda os restos do palácio de Túpac Inka Yupanqui e de sua fazenda real, que foi um centro agrícola, e sua impecável plataforma. Os terraços são semelhantes aos que vimos em Pisac e Ollantaytambo, mas bem menores. Há ainda duas bonitas lagoas nas proximidades, a Piuray e a Huaypo.

Chinchero não era o nome original da localidade, que se perdeu depois da conquista espanhola. Obviamente, os dominadores alteraram nomes incas de templos, ruas e prédios públicos como parte do processo de colonização e ali não foi diferente.

Há mais duas atrações arqueológicas que não fazem parte do Vale Sagrado, mas que são igualmente notórias na região de Cusco e as descreverei brevemente a seguir. São elas Tipón, a 23 km de Cusco, e Pikillaqta, a 30 km de distância da cidade. Nós não as visitamos, mas ouvimos alguns elogios.

Tipón foi construído pelo inca Wiracocha e era um jardim real formado por terraços agrícolas; são amplos degraus e canais de água lavrados em pedra. É formado por doze terraços rodeados por muros de pedras perfeitamente polidas e enormes plataformas que diminuem de tamanho conforme se vá subindo. Há quedas de água ornamentais e chegou a ser considerado o mais completo sistema hidráulico conhecido, feito pelos incas. O local também foi dedicado ao culto religioso e experimentação agrícola e parece que também fez parte da fazenda real de Yawarhuaca. Ao redor da construção, há belas paisagens e, em uma de suas ladeiras, se encontra um cemitério chamado Pitopuqyo.

Tipón (reprodução de foto da Internet)

Tipón (reprodução de foto da Internet)

Pikillaqta talvez seja o conjunto arqueológico pré-inca mais antigo que se assemelhe a uma guarnição militar. Foi construído com pedras e argamassa de barro; as suas ruas são retas, altas e compridas e as edificações teriam de dois a três pisos, sendo que algumas de suas muralhas chegaram a ter doze metros de altura. O complexo está aos pés de um monte, de frente à lagoa de Wacarpay e é limitado pela margem esquerda do rio Vilcanota mais o povoado de Lucre. Foi edificado durante o apogeu da cultura wari e tem quase dois quilômetros de extensão.

Pikillaqta (reprodução de foto da Internet)

Pikillaqta (reprodução de foto da Internet)

Bem, finalmente nós voltamos a Cusco à noite e dormimos pesado! Em 27 de agosto, o tour se iniciaria novamente às nove da manhã, mas seria mais curto, finalizando às três da tarde. Mais uma vez, esperamos pelo guia na Praça de Armas e ele apareceu pontualmente.

Maras, Moray e Salineras:

Partimos para Moray, a 67 km de Cusco e a 3500 metros de altitude. Somente antes, passamos novamente por Chinchero, que também fazia parte do tour. Isso ocorre porque alguns viajantes compram o tour ao Vale Sagrado dos Incas e vão somente até Ollantaytambo, para já partir dali para Macchu Picchu (Águas Calientes). Como eles perdem o passeio a Chinchero, a atração é incluída ao passeio a Moray, como alternativa para quem não o fez. Detalhe é que somente se vai à oficina ver o trabalho artesanal das mulheres e não se passa na igreja ou no sítio arqueológico. Nós já tínhamos visitado Chinchero no dia anterior e, então, a demonstração das indígenas foi um repeteco.

Chinchero

Chinchero

Chinchero

Chinchero

Chinchero

Chinchero

Nós passamos ainda por Maras, que é a cidadezinha a caminho da atração Moray e ela não tem nada de mais, a não ser casinhas de barro e ruas esburacadas. Moray, por outro lado, é um grupo arqueológico único em seu gênero. Seu nome provém do Quéchua “Aymoray”, que tem a ver com a colheita de milho e com o mês de maio. O complexo compreende um enorme conjunto de plataformas circulares com quatro galerias ligeiramente elípticas chamadas de muyus; esses terraços eram como grandes escadarias que aproveitavam a inclinação natural do terreno; construídos com muros de pedras, eram preenchidos com pedras, cascalhos, argila e terras para cultivo. Por suas características climatológicas, Moray foi considerado na época inca como um centro de experimentação agrícola, um laboratório, no qual se desenvolveram muitas variedades de milho, batata e a produção de outras sementes adaptadas a diversos pisos ecológicos, na intenção de obter produtos diversos de alta qualidade nutritiva, já que cada plataforma mantinha um microclima diferente e, portanto, suscetível à várias plantações. De uma para outra, a temperatura poderia mudar até um grau, de modo que havia várias situações distintas para a plantação de muitas espécies.

terraços de Moray

terraços de Moray

Moray

Moray

Moray

Moray

Moray

Moray

Os estudiosos incas analisavam os produtos permanentemente para aperfeiçoar sua produção agrícola, investigando as plantas, os tipo de terra, as diferentes altitudes e vários outros fatores, a fim de aclimatá-los para obter a melhor qualidade dos alimentos e saber quais e quando eram as melhores condições para se plantar. A pesquisa rendeu, ainda na época inca, o bom resultado de 350 tipos de batata e número similar de variedades de milho. Foram inclusive encontradas sementes fossilizadas. Hoje, o Peru conta com o absurdo número de mais de 4000 tipos de batata e 5000 espécies de milho. Minha nossa!

Em Moray, o trabalho pesado era delegado aos campesinos. Há ali a base de duas casas; especula-se que uma teria sido uma cozinha para preparar a comida dos estudiosos e outro um aposento de descanso.

Há sete anos, até 2005, o conjunto arqueológico de Moray estava destruído e cheio de mato; por não ser um povoado inca, mas um centro de experimentação, não havia muito interesse na restauração do complexo, até recentemente. Ele está afastado dos povoados, pois provavelmente os antepassados aproveitaram um buraco deixado por um meteorito para a confecção das plataformas. Hoje, o local está 95% restaurado e, para a alegria dos que nele investiram, Moray passou a ser passagem obrigatória dos visitantes do país, especialmente dos adeptos a roteiros místicos.

Honestamente, eu não aguento essa gente! Sabe-se que o sítio arqueológico não tinha nenhum cunho religioso; porém, simplesmente devido ao seu formato belíssimo, de terraços elípticos e circulares perfeitos, o povo imbuído do espírito místico fica ali bem no centro, rezando ou fazendo sabe-se lá o que. Inclusive, para se chegar ao centro de Moray, no seu derradeiro círculo, há que se descer 150 metros e, lógico, subir os mesmos 150 para voltar. Os terraços foram feitos para, além de criar diferentes microclimas, facilitar a execução de aquedutos, que promoveram a utilização de menos água e consequente economia. Michael desceu até o centro, mas eu apenas alcancei a metade, pois subir até a escadinha de um beliche já estava me cansando.

místicos...

místicos…

descendo

descendo

subindo

subindo

Em Moray, encontramos uma brasileira em viagem solo com outra agência que estava sofrendo de soroche, o mal de altitude. De fato, ele não deve ser subestimado pois cansa mesmo. Ela mal podia andar e reclamou de dor de cabeça. Deu pena…

Saímos de Moray por volta de meio-dia e fomos às Salinas, minas de sal só trabalhadas em época de seca. O sal vem da água das montanhas, desde tempos remotos. Os nativos já usavam sal sem iodo e mais amarronzado. Na época de chuvas, abandona-se o trabalho nas salinas. O vale visto do alto, na chegada às salinas, é lindo e já se pode ver os milhares de tanques brancos de sal encravados na montanha.

vale

vale

Salinas

Salinas

Nós descemos até os tanques, passando por lojinhas que vendiam produtos ligados ao sal, e tocamos a água de uma pequena fonte vinda da montanha, que era mesmo bem salgada. Ficamos alguns minutos por ali e logo subimos de volta.

Salinas

Salinas

Salinas

Salinas

Salinas

Salinas

Retornamos a Cusco cedo e aproveitamos para rodar mais um pouco pelo Centro Histórico e passeamos no Mercado de São Pedro. O céu estava muito azul e andar pela cidade foi uma delícia! Por volta de seis da tarde, estávamos no apartamento e descansamos, já que no dia seguinte, partiríamos muito cedo para o ápice da viagem ao Peru: Macchu Picchu.

Eu estava simplesmente amando o Peru. Foi, sem dúvida, o país que eu mais gostei no nosso tour pela América do Sul. A Venezuela tinha me oferecido muita natureza e paisagens das quais eu jamais esquecerei, como o Monte Roraima e a Salto Ángel; a Colômbia e o Equador tinham mesclado mais praias, montanhas e também história; mas o Peru era pura cultura! Eu gosto de natureza e até aprecio trilhas ecológicas, mas o que faz mesmo minha cabeça é conhecer a história de civilizações antigas, compreendendo cada vez mais tudo o que nos fez chegar a ser o que somos hoje. Isso me fascina e o Peru é um colírio para os olhos, nesse sentido.

Macchu Picchu:

Bem, dia 28 de agosto, levantei às 5h45min da manhã animada para a ida à cidade mais famosa do império inca. Fomos esperar pelo micro-ônibus na praça do mercado San Pedro, que só chegou por volta das sete e meia; Willy estava conosco para assegurar que a van nos reconheceria. Uma hora depois, o carro ainda rodava por Cusco pegando passageiros. A dado momento, um grupo de ingleses subiu para o ônibus e espalhou um fortíssimo odor de cachaça no ar, das “mardita” mesmo, denunciando uma bebedeira na noite anterior. Confesso que a primeira coisa que saltou à minha mente foi: “Gringos… Típico!”. Eles chegaram “altos” em todos os sentidos, na estatura, volume das vozes e bebedeira. Havia umas 15 pessoas na van e reparei que a entrada do eufórico grupo importunou a todos. Enfim, saímos lépidos e fagueiros para a viagem de quase 200 quilômetros.

Paro um pouco o relato para informar sobre todas as maneiras de se ir de Cusco a Macchu Picchu, a que passarei a chamar de MAPI, para facilitar (é assim que todos a chamam no Peru). Da cidade de Cusco a MAPI, há alguns modos de ir, compatíveis a todos os tipos de bolsos, personalidades e tempo de férias. As opções são:

Como chegar a MAPI, a partir de Cusco? (os caminhos mais famosos)

Duração

Inka Trail ou Caminho Inca (Trilha Inca Clássica) – de Cusco (km 82 da ferrovia de Cusco – povoado de Piskacucho) até MAPI 4 dias/ 3 noites – acampamentos
Trilha Salkantay – de Cusco a Águas Calientes 5 dias/ 4 noites – acampamentos
Trem de Ollantaytambo a Águas Calientes (não há mais trem direto de Cusco a Águas Calientes, nem para os peruanos (antigamente tinha). Hoje, deve-se ir de Cusco até Ollantaytambo de ônibus, táxi ou trem) Cerca de 100 km – 3 horas e meia a quatro horas de viagem
Ônibus de Cusco a Hidroelétrica (perto de Águas Calientes) 8 horas de viagem

Águas Calientes é um vilarejo dormitório que apenas serve de base de apoio na ida a MAPI; também conhecida como Macchu Picchu Pueblo, não tem nada a oferecer além de hotéis, restaurantes e lojinhas de souvenires. É bem pequena e passear por ela não leva mais que uma ou duas horas a pé. Águas Calientes está a 10 km de MAPI, nas margens do rio Urubamba (ou Vilcanolta), a 2000 metros acima do nível do mar.

Então, para os espíritos aventureiros, que querem ter uma verdadeira experiência inca, as trilhas a pé são as melhores opções. A Trilha Inca, conhecida como a rota de trekking mais famosa do mundo, é a mais cara, cerca de 400 dólares, e deve ser reservada com meses de antecedência, por volta de seis, através de agências exclusivamente. Caminhadas independentes não são mais permitidas e limita-se o número de mochileiros e trabalhadores a 500 por dia apenas, sendo surpreendente o tamanho da fila de espera. Como Michael não tinha certeza de exatamente quando nós estaríamos em Cusco, já que estávamos mochilando há meses, ele não poderia reservar a Trilha Inca, o que era seu desejo original. Depois do perrengue que eu passei nos cinco dias de trilhas e acampamento no Monte Roraima, na Venezuela, eu até que dei graças aos céus de não termos feito nenhuma reserva mesmo, pois a trilha é bastante difícil e demanda muito condicionamento físico dos aventureiros, além de claro, certa dose de tolerância à falta de banho, durante alguns dias (segundo ouvi, há banheiros nos acampamentos, mas são tão sujos e frios que é capaz do banho ser pior). A Trilha Inca é o trecho de uma antiga estrada de pedra que passa pela Cordilheira dos Andes e foi usada pelos incas, na época do império para chegar a MAPI; ela tem 42 km, uma altura média de 3000 metros (chegando até o máximo de 4200 metros na montanha Warmiwañusqa) e muitas ruínas no caminho, assim como uma natureza verdejante e paisagens lindíssimas de se admirar. A maior parte do percurso é mesmo autêntica, de estradas originais e, por isso, viajantes de todo o mundo almejam percorrê-lo. A única coisa que eu realmente gostaria de ver nesse caminho é uma “ponte do rio que cai” restaurada e enorme, usada ainda hoje, assim como nos tempos incaicos. Bem, devo confessar que também deve ser algo de muito especial caminhar durante três dias e, ao final do percurso, na manhã do quarto dia, dar de cara com MAPI, pela Porta do Sol!

Trilha Inca Clássica

Trilha Inca Clássica

A trilha descrita acima é conhecida como Caminho Clássico e há uma alternativa a esse trekking dentro da mesma trilha inca, chamado de Trilha Inca Curta, que é feito em dois dias e uma noite. Na trilha curta, a caminhada começa no Km 104 da ferrovia de Cusco, tem 15 km de distância e o nível de dificuldade diminui, já que a altura máxima atingida é pouco mais de 2300 e o único pernoite não é em acampamento, mas em um hotel de Águas Calientes. Porém, a mais significativa diferença entre os dois trechos é que na trilha curta, não se veem os conjuntos arqueológicos de Puyupatamarca, Sayacmarka e Runkurakay. Na trilha curta, também não se avista MAPI diretamente ao final do trajeto, pois se chega primeiro ao povoado de Águas Calientes.

Tanto o Caminho Clássico quanto a trilha inca curta geralmente oferecem aos viajantes pacotes completos que incluem transporte até o início da trilha (de trem ou van), carregadores (para barracas e comida), cozinheiro, ingressos, guia durante os trajetos e em MAPI e passagem de trem de volta a Cusco. Os itens oferecidos, assim como o tamanho do grupo, que pode partir de duas pessoas até 16 vai somente depender da quantidade de bufunfa paga. Tudo pode ficar mais barato se o próprio equipamento for carregado e se o grupo for maior; lembramos, porém, que levar no lombo o peso de comida e barraca, além de montá-la depois do dia inteiro de caminhada a altas altitudes, não é para qualquer um. Até aquele que vai leve, sofre. Apesar de não haver a necessidade de escalar rochas, subir por cabos de aço ou atravessar rios, como nas trilhas que eu fizera anteriormente, a Trilha Inca Clássica ainda desafia pela altura e sobe desce. Lembro-me da Katie, australiana que passara um dia comigo em Galápagos, discorrer sobre todas as dificuldades desse percurso e a média de oito horas de caminhada diária, nos três primeiros dias. Assim, é conveniente pegar uma noite extra em Águas Calientes para descanso depois dos dias de caminhada e visita a MAPI.

Destacamos que a Trilha Inca é fechada durante todos os meses de fevereiro, devido às chuvas que atingem a região andina nessa época e também para que a estrada se recupere do fluxo intenso de viajantes. Além dos intrépidos mochileiros que cruzam a famosa trilha, guias também chegam a fazer corridas no caminho inca; o recorde de percurso dos 42 km é até hoje de três horas e quarenta e cinco minutos! Haja fôlego!

A trilha Salkantay é uma alternativa ao Caminho Inca (clássico ou curto), para aqueles que não fizeram reserva antecipada; ela pode ser comprada dias antes, é mais barata e, dizem, mais fácil, apesar de maior. Contudo, não tem ruínas pelo trajeto, mas somente paisagens. Dizem, porém, que as paisagens são maravilhosas e contemplativas, pontuadas de montes nevados e montanhas colossais. Chega-se inclusive a uma altitude maior que os 4200 metros da Trilha Inca, alcança-se os 4600 metros. O senão é que é possível nevar em alguns pontos, fazendo um frio de rachar. O final da trilha de Salkantay é Águas Calientes e não MAPI. Apesar de não necessitar de reservas antecipadas, Salkantay possui menos viajantes, pelo fato de não ser tão famosa quanto a Trilha Inca.

Trilha Alternativa Salkantay

Trilha Alternativa Salkantay

Há ainda mais uns dois caminhos de trilhas alternativas que passam por outras montanhas da cordilheira. Não os descreverei nesse relato, pois eles não são tão conhecidos e somente quem já fez a Trilha Inca, ou quer um contato mais íntimo com a natureza ou viaja no mês de fevereiro é quem escolhe algum deles. Embora a montanha de Choquequirao, uma dessas trilhas alternativas, pareça muito interessante…

Choquerirao

Choquerirao

O trem (pelas empresas Peru Rail ou Inca Rail) é a opção dos turistas mais velhos e endinheirados. Como eu disse, ele sai de Ollantaytambo e vai diretamente para a estação de trem, em Águas Calientes. É limpo, muito confortável e, obviamente, dispensa dias de viagem pelas montanhas. Para ir até Ollantaytambo, o visitante deve pegar um busão, táxi ou até mesmo o trem, que parte da estação na Praça São Pedro de Cusco, ao lado da igreja e do mercado (mas o trem não vai direto a Águas Calientes. Deve-se descer em Ollantaytambo e pegar outro trem). A princípio, Michael e eu queríamos fazer isso, mas fomos dissuadidos por Willy, que afirmou não valer a pena. Segundo ele, a viagem é, de fato, confortável e rápida, aconselhável mesmo àqueles que queiram mais bem-estar, mas é muito cara e a paisagem vista dos trilhos do trem não é lá muito especial, rio de um lado, montanhas de outro, sem ruínas, sem contar que na maioria das vezes, se vai durante a noite. Descobrimos que há um vagão para mochileiros no trem, o Expedition da Peru Rail, mas mesmo assim, a passagem é mais cara do que o ônibus. Do carro de trem para mochileiros até os vagões mais chiques com refeições a bordo e outros mimos, os preços costumam variar de 60 a mais de 300 dólares!

Lembramos que é necessário prestar muita atenção ao “sanduiche”: “tour ao Vale Sagrado – conexão de trem em Ollantaytambo para MAPI”; vi muitos casos nos quais os visitantes perderam as passagens de trem para MAPI, por não chegarem a tempo a Ollantaytambo, depois do tour pelo Vale Sagrado. Se a ideia é visitar o Vale e parar em Ollantaytambo para já pegar o trem a MAPI, deve-se ter a certeza de que o tour cumprirá os horários previstos. Eu não gostei da ideia, pois perderia a visita a Chinchero… Eu não sei se no futuro, alguma linha direta de trem de Cusco a Águas Calientes será ativada novamente (uma vez que ela já existiu), mas até 2012, as coisas estavam como eu descrevi acima. A certeza que tenho é que o trem jamais chegará direto a Macchu Picchu, como maneira de preservação histórica; a estação férrea fica só em Águas Calientes. Pelo mesmo motivo de conservação do patrimônio, passeios de helicópteros sobre o santuário estão proibidos desde 2010.

Dessa maneira, nós deixamos o trem de lado e fechamos a opção mais barata de todas: ir de ônibus. Barata ela foi mesmo, mas confortável, bem…

Então, de volta ao busão. Era de manhã, estávamos em Cusco, pegando passageiros pela cidade para o início da viagem a MAPI. Estava frio e eu queria logo sair dali, mas parece que somente nós cumpríamos horário! Todo mundo atrasava nos passeios e tocava guia e motorista no celular, dando voltas no quarteirão, já que não dava pra ficar estacionado nas estreitas ruas de Cusco, até que todos estivessem prontos em seus respectivos hotéis. Falta de respeito isso… Enfim, partimos. Eram quase nove da manhã. A certo ponto do caminho, eu juro que desejei ter escolhido o trem, sinceramente, mas aí a coisa já tinha sido feita…

Se, conforme nosso agente de viagens Willy afirmara, a viagem de trem era sem graça, a de busão botava “graça” nisso! Ele partiu de Cusco e logo tomou a direção do Vale Sagrado; até ali, a estrada era asfaltada, tinha curvas, mas algo perfeitamente aceitável; tempos depois, passamos por Ollantaytambo, onde estivéramos dia anterior. O micro ônibus contornou as ruínas e continuou pela via de trás do complexo. O que se seguiu nas próximas horas foi a viagem de van mais alucinante da minha vida! Começamos a subir as montanhas na estrada mais sinuosa pela qual eu já passei! Sem nenhum exagero, não havia partes retas, só curvas! Eu não tenho ideia de como isso é possível, não consigo entender como ir do ponto A ao B sem andar nem um pouquinho em linha reta! Era uma curva atrás da outra, ninguém relaxava. As placas de trânsito só indicavam aquelas flechas retorcidas e serpenteantes. Apesar de asfaltada, o traço da estrada não ajudava em nada nossos estômagos acostumados à calmaria; e, imaginem, se nós já estávamos enjoando, o que dizer dos ingleses bêbados! Um deles não se segurou e começou a gemer alto, sem parar de repetir “Meu Deus, o que é isso? The worst trip ever!” e gemia, gemia, se contorcia no assento e toda manguaça dentro dele já deveria estar revoltadíssima…

estradinha sinuosa!

estradinha sinuosa!

abismo

abismo

Em várias ocasiões, além do enjoo, eu senti um medo genuíno; a estrada é estreita e de mão dupla, os carros passavam do outro lado lambendo o micro ônibus! Logo depois de iniciarmos esse inferno, uma neblina filha da puta desceu sobre as montanhas e não dava para enxergar a um palmo de distância! O para-brisa estava completamente embaçado; uma francesa e eu trocamos olhares solidários e caras de pavor, já que o entendimento era claro: se nós não víamos nada, o motorista também não! Segui resignadamente confiante no olhar de raios-X do homem ao volante, que poderia ser traduzido como anos de experiência no mesmo trecho, e tentei me acalmar. Enfim, umas três a quatro horas depois nessa estrada, neblina, chuvas e muitas curvas, o inglês em piores condições colocou a cereja no topo do bolo e vomitou dentro da van! Foi uma maravilha, ninguém sabia se tentava ajudá-lo ou se devia jogá-lo pra fora do carro, juntamente com os amigos, que ali já estavam bem quietinhos. O pior era que o ônibus não podia parar, não havia acostamento de um lado, já que a estrada é colada à montanha, e do outro lado, é só o abismo. Na primeira oportunidade, o motorista parou em uma clareira da estrada para que o porco descesse, tomasse um ar e nós pudéssemos abrir um pouco as janelas. Uns dez minutos depois, partimos novamente. Por volta de uma hora da tarde, o tempo firmara; o ônibus já tinha subido e descido as montanhas e nós já tínhamos enfrentado frio, neblina e vômito! À tarde, o céu abriu e fez calor. Uma loucura!

Todos achamos que o pior já tinha passado, mas foi só uma doce ilusão. A provação ainda estava por vir: a estrada de terra, nas mesmas condições tortuosas da anterior. Foi horrível! Um momento de alívio foi quando paramos para almoçar num povoado chamado Santa Teresa. O almoço estava incluído e a comida até que foi boa. Simples, mas decente. Desse vilarejo, continuamos seguindo por uma estrada péssima, de terra e tão sinuosa quando a outra. Subimos novamente, descemos, subimos, cruzamos rios em ridículas pontes minúsculas de madeira, por várias vezes, e finalmente chegamos à Hidroelétrica quase cinco horas da tarde! A Hidroelétrica é isso mesmo, uma empresa, não é um povoado. Não sei por qual motivo nós devemos parar lá e não fomos diretamente a Águas Calientes, pois desse ponto, nós ainda tivemos que caminhar 10 km até o destino final, apesar de haver linha de trem da Hidroelétrica até Águas Calientes.

Enfim, principiamos a caminhada. Muitas barraquinhas estavam ali, vendendo lanternas, mas eu achei que não precisaria de uma – engano! O céu ainda estava claro e o caminho é longo, mas não é difícil. Logo no começo, apenas, temos que subir um morrinho de onde paramos até a estrada no alto da montanha. Dali, seguimos por 10 km, sempre ao lado dos trilhos do trem, até Águas Calientes. No início e até por volta de umas 16h40min, todo o grupo de umas 20 pessoas estava junto, além do guia, mas não tardou muito para que começássemos a nos separar.

O caminho é fresco, entre montes de florestas densas e verdes, o rio e plantas orvalhadas, diferente um pouco da estrada que tomamos mais perto de Cusco, onde havia montanhas secas e pedregosas. Não estava chovendo, fazia calor e sol. Os gringos não se cansavam de tirar fotos de bromélias e plantas alaranjadas que eu tenho no jardim de casa; a paisagem estava, de fato, bem familiar. O percurso é sempre ao lado da linha do trem; às vezes, andávamos sobre os trilhos, por falta de espaço, e na maior parte do tempo, caminhávamos ao lado deles.

caminhos verdes

caminhos verdes

entre a Hidroelétrica e Águas Calientes

entre a Hidroelétrica e Águas Calientes

sempre ao lado da linha do trem

sempre ao lado da linha do trem

O rio com pedras enormes rende boas paisagens e as montanhas enormes, pontudas e úmidas atrás dele completam o cenário. Eu tentava caminhar rapidamente, para não perder o grupo, mas logo me vi sozinha, quando parei um minuto para tomar água. Depois disso, não acompanhei mais ninguém. Continuei seguindo a linha férrea e o trajeto começou a afunilar; do meu lado esquerdo, fiquei praticamente tocando a montanha e, do meu lado direito, estava quase em cima dos trilhos; depois deles, do lado direito, já vinha o rio e logo as montanhas; de repente, anoiteceu e o breu do céu trouxe a mais completa escuridão! Não havia postes de luz e o brilho da lua estava fraco, só permitindo que eu distinguisse poucas sombras das linhas que divisavam as montanhas e o céu; com as informações já retidas no cérebro e puro instinto, segui caminhando na mais completa cegueira, tentando me manter ao lado dos trilhos do trem; de vez em quando, conseguia notar a presença de uma pessoa a minha frente, por causa do brilho da roupa e, assim, aquilo passou a ser meu ponto de referência, o qual eu apressava o passo para não perder. A lanterna realmente fez muita falta! O silêncio só não era aterrador pelo som da minha respiração que cortava o ar.

Eu olhava para frente e via a silhueta distante da pessoa que eu seguia e olhava para trás e também conseguia sentir algumas sombras. Eu sabia que um casal de brasileiros (o homem era meio fora de forma) e um grupo menor me seguia, mas não parei para esperá-los. Estava ansiosa para ver alguma luz e, finalmente, enxerguei postes do meu lado esquerdo e passei a ver luzes de casas. Era Água Calientes! Juntei-me ao grupo novamente e continuamos até o povoado. O casal que me alcançou veio falar comigo, agradecendo o brilho da sacola de plástico branca que eu segurava; segundo eles, esse era o único ponto de referência que eles possuíam no breu da noite. Eu até achei engraçado, nem sabia que involuntariamente estava guiando alguém.

Nesse momento, várias pessoas carregavam lanternas e foi, de fato, um alívio. Mais uns 15 minutos a pé, começamos a ver os hotéis do povoado. Logo na entrada, inclusive, um prédio de uns três andares impressiona com o charme da decoração. Varandas bonitinhas davam à edificação uma graça especial. Depois, restaurantes, mais hotéis e pousadas, lojas e mercadinhos sempre margeando o rio. Eram umas sete da noite e nos reunimos em um restaurante para jantar (incluso no pacote) e receber os vouchers e instruções para a aventura do dia seguinte. Pegamos os ingressos para MAPI e os tickets do ônibus de subida e descida.

chegando a Águas Calientes

chegando a Águas Calientes

Um pequeno problema, nesse momento, se fez presente e não sei por que nós não tínhamos reserva em hotéis. Porém, o guia ligou para o Willy e tudo foi logo resolvido. Fomos instalados em um quarto simples de um hotel na beira do rio. Pobrezinho, mas satisfatório; a ducha, pelo menos, era quente e maravilhosa.

No dia 29, nós queríamos acordar cedo para pegar um dos primeiros ônibus da manhã. MAPI abre às seis horas e todos disputam lugares para chegar o mais cedo possível. Há duas maneiras de ir a MAPI, partindo de Águas Calientes. Uma é de ônibus; eles saem a partir das cinco da manhã, sempre de 15 em 15 minutos; outra é a pé. Nesse caso, deve-se acordar às quatro da matina e galgar os 1080 degraus, no meio do mato, para alcançar o Santuário! É… Essa possibilidade bem que passou pela minha cabeça, sim… Passar frio e chegar molhado do orvalho a MAPI, depois de subir mais de 1000 degraus… O valor de 17 dólares para subir e descer de ônibus já estavam incluídos no nosso pagamento e eu os paguei com muito gosto!

Como MAPI fecha às cinco da tarde, nós até que poderíamos dormir um pouco mais e passar mais tempo lá em cima, já que dormiríamos mais uma noite em Águas Calientes. Porém, como não sabíamos bem o que esperar ou quanto tempo seria necessário para conhecermos a cidade inca, decidimos ir também bem cedo. Além do mais, nosso guia estaria lá às seis, já que muitas pessoas do grupo partiriam de volta a Cusco no mesmo dia, à tarde. Elas pegariam o trem novamente à Hidroelétrica às 14h00min. Não entendi por que nós caminhamos da Hidroelétrica até Águas Calientes na ida e, na volta, poderíamos pegar o trem no mesmo percurso e da Hidroelétrica partir de novo de van até Cusco… Enfim, nem perguntei…

Ainda estava escuro e uma fila enorme já se colocava na rua, à espera dos ônibus. Nós nos posicionamos e aguardamos também; um atrás do outro, eles lotam a partem. 4000 pessoas são admitidas por dia em MAPI e parece que esse número é sempre cumprido, embora as autoridades peruanas venham tentando limitar o fluxo de turistas desenfreado para conter a degradação do sítio!

O primeiro carro saiu às cinco e meia da manhã e nós fomos logo em seguida. Já começava a clarear o dia e vimos as montanhas de um verde denso nos cobrirem, na estrada. A pequena viagem de subida, na rodovia Hiram Bingham, leva uns 30 minutos e também é bem sinuosa. No dia anterior, à noite, sacolinhas com nosso café da manhã foram distribuídas, para que comêssemos logo cedo, durante o trajeto de subida. Tinha pão, bolo, banana e suco. A estrada Hiram Bingham nasce em Águas Calientes e sobe a MAPI apenas, não estando vinculada a nenhuma outra rodovia do Peru.

fila a Machu Picchu seis e meia da manhã!

fila a Machu Picchu seis e meia da manhã!

Às seis e meia, nos juntamos ao grupo e ao guia para, finalmente, conhecer MAPI. A visita guiada durou até as nove da manhã e, depois disso, fomos deixados livres para explorar a cidade como quiséssemos. MAPI é realmente impressionante!

Para entender MAPI, é preciso compreender um pouco mais da história do povo inca. A civilização inca é relativamente recente. Surgiu por volta do século XII e pereceu no início do século XVI, depois da chegada dos espanhóis à América. Na época de seu apogeu, no século XV, os incas estenderam seu império pelo território equivalente hoje a cinco países da América do Sul, ocupando quase toda a extensão da Cordilheira dos Andes. Em cerca de 100 anos, os incas construíram o maior império da América pré-colombiana e um dos mais poderosos da história. Foram milhares de povos conquistados e um rígido controle imposto a todos eles, através da desarticulação de populações inteiras, a fim de impedir qualquer formação de poderes locais. Os incas infligiram sua cultura, religião e padrões administrativos por onde passavam e sua influência alterou a história dos povos pré-hispânicos para sempre.

Tahuantinsuyu - o império inca

Tahuantinsuyu – o império inca

Império Inca

Império Inca

O poder era centralizado em Cusco e o império teocrático era regido pelo Inca, que era considerado um próprio deus. A religião politeísta albergava diversas divindades, baseadas todas na natureza, dentre as quais se destacava o deus sol. Os incas eram chamados de “filhos do sol” e erigiram templos dedicados ao astro rei em todas as cidades do Tahuantinsuyu ou do Império.

A base de sua economia era a agricultura e 15 milhões de incas viviam de plantar e colher. Manifestações da natureza, como erupções, terremotos ou secas, eram geralmente encaradas como ira dos deuses que somente seria saciada através de sacrifícios humanos, enquanto os sacrifícios de animais eram normalmente deixados para pedidos menos importantes. Como agricultores, os estudiosos do império foram capazes de criar diferentes qualidades alimentos, aumentar sua produção e melhorar seu cultivo, como pudemos ver no laboratório agrícola de Moray. Eles ainda inventaram um sistema de congelamento e secagem, a fim de aumentar a vida e versatilidade dos produtos; as batatas, por exemplo, eram colocadas para congelarem no frio da noite e secas durante o dia e quando a água evaporava, as suas polpas desidratadas chamadas de chuño eram fáceis de armazenar e conservar durantes longas temporadas, às vezes até por anos. No ano de 1500, havia mais áreas cultivadas nas montanhas, nos eficientes terraços incas, do que até hoje em dia. Quando os espanhóis viram o modo de agricultura inca nas plataformas (andenes em espanhol), deram o nome de Andes às montanhas cheias de vida.

Além da agricultura, os incas criavam lhamas e vários outros animais, eram bons artesãos e magníficos arquitetos e construtores. Mais de trinta espécies de alpacas e lhamas foram classificadas e usadas para carregamento de cargas e por sua carne e lã, que servia à população; porém, a lã macia e fina da vicunha, outro animal bastante popular, era destinada somente à nobreza.

O sistema contábil da sociedade era feito através dos quipus, que registravam os números com um complexo acordo de fios, cordas e nós e era muito eficiente.

A civilização inca, contudo, não deixou escrita e, portanto, muito do que se sabe sobre ela são especulações, hipóteses e conclusões alcançadas a partir do relato dos espanhóis e das observações da arquitetura e do legado físico deixado pela importante sociedade; e, sem dúvida nenhuma, uma das maiores heranças da cultura inca foi Macchu Picchu.

Sabe-se que, além do sol, da lua, dos animais, da chuva e de tantas outras divindades, os incas veneravam as montanhas e todos os lugares altos eram considerados sagrados e canais mais diretos com o mundo superior, o “mundo de cima”. Dessa forma, as cidades incas eram sempre erigidas nas alturas e os Andes passaram a ser os locais ideais para esses propósitos. Os incas foram, assim, os primeiros verdadeiros montanhistas! Seu preparo físico era invejável e o ar rarefeito das alturas não diminuía sua força e vigor; eles eram acostumados a ele e capazes de caminhar quilômetros a fio antes de vencer seis mil metros de alguma montanha, com sapatos rudes e em dificílimas condições.

MAPI se encontra a uma altura de 2453 metros, em meio à selva semi tropical. Quando entramos na cidade sagrada, passamos por um acesso lateral que nos dá o começo do aglomeramento de casas à nossa esquerda e o despenhadeiro, assim como as diversas montanhas verdes e de picos pronunciados do lado direito. Naquela manhã fria, enquanto o simpático guia se apresentava e iniciava suas explicações, uma grossa neblina ainda pesava sobre todos, mas era possível ver os contornos dos altos cumes montanhosos, bem como as linhas dos muros das habitações. À medida que nos aproximávamos da cidade, a tradicional imagem de cartão-postal da “Cidade Perdida dos Incas” se revelava grandiosa.

entrando em MAPI

entrando em MAPI

começo das ruínas

começo das ruínas

entrando

entrando

casinhas

casinhas

Waynapicchu ou Huaynapicchu, que está ao norte do complexo, é a montanha mais vista de todas as fotografias mais célebres do conjunto arqueológico; ela cresce agressiva e aguçada sobre as casas do conjunto, como se olhasse por elas. Waynapicchu, cuja designação significa “montanha nova” em Quéchua, pode ser escalada e dizem que a vista dela é maravilhosa. Porém, são autorizadas apenas 200 pessoas por turno para a subida e esse ascenso de pouco mais de uma hora não deve ser subestimado; como ela é bastante aclivada e íngreme, um passo em falso nos seus diminutos e ardilosos degraus é o bastante para uma queda funesta. Segundo o guia, a média de mortes na montanha é de uma por ano e naquele 2012 uma argentina já tinha sido a desafortunada. Se ainda assim, o desejo for vencer a Montanha Nova, há que se fazerem reservas em agências de viagem, diferente de antigamente, quando era só acordar cedo para estar entre as primeiras 200 pessoas que chegassem. Até que é bonito de se ver os flashes das máquinas fotográficas que piscam no topo da montanha, aos 2750 metros de altitude.

Waynapicchu

Waynapicchu

controle de acesso

controle de acesso

cuidado ao subir!

cuidado ao subir!

pessoas subindo a Waynapicchu

pessoas subindo a Waynapicchu

Aos pés de Huaynapicchu, está a concentração de casas e edifícios do complexo e os terraços gramados, assim como as ruas e escadarias de acesso de um ponto a outro estão em ótimo estado de conservação. Lhamas passeiam soltas pelos jardins e terraços, dando um toque de história viva à atmosfera do local. As casas têm os tradicionais muros de pedras levantados até os contornos dos telhados; conforme explicações do guia, acredita-se que os telhados originais, assim como é costume fazer até hoje na região, eram feitos de uma trama de cana que não deixava a água passar; essa mesma tecnologia ancestral foi usada como base dos nossos tecidos inteligentes impermeáveis. Interessante… A cada cinco anos, a palha era trocada para assegurar a qualidade impenetrável da construção. Devido ao alto índice pluviométrico da área e o tipo de palha utilizada nos telhados, se calcula que o ângulo das águas atingisse até 63°, duplicando muitas vezes a altura dos edifícios.

As plantas das habitações são retangulares e um edifício de muros arredondados se destaca no alto, o Templo do Sol ou Torreón, que também servia como mirante astronômico, demonstrando os solstícios, através da incidência dos raios solares pelas janelas do prédio. Havia ali um relógio solar e, acredita-se, uma tumba supostamente do líder Pachacútec.

Templo do Sol

Templo do Sol

Templo do Sol

Templo do Sol

tumba

tumba

provável tumba

provável tumba

as curvas do templo do Sol

as curvas do templo do Sol

O setor de casas (colcas) e edifícios de MAPI é chamado de Sector Urbano. Há 250 casas em estilo “pircado”, ou seja, estilo mais simples, cujos muros eram feitos de pedra e barro ou terra usados como isolante e também como argamassa. Essas casas deveriam ser revestidas de argila e pintadas provavelmente de amarelo. Hoje, devido à desintegração dos telhados e chuvas frequentes na região, somente os muros de pedras se conservaram aparentes.

casas

casas

muros em estilo pircado

muros em estilo pircado

muros em estilo pircado

muros em estilo pircado

casas

casas

provável aparência de MAPI no apogeu

provável aparência de MAPI no apogeu

Obviamente, há os edifícios mais nobres, como templos religiosos e prédios administrativos. Neles, usou-se o chamado estilo “Inca Imperial”, de feitio machambrado, isto é, do tradicional encaixe perfeito entre as pedras de granito, sem uso de argamassa ou usando apenas um material muito fino, em muros com cinco a oito graus de inclinação. A prova da correção e maestria do jeito inca de construir e de unir pedras foi justamente o caráter antissísmico dos prédios, que sobreviveram aos devastadores terremotos de 1650 e 1950. As pedras podiam ter faces almofadadas ou lisas.

Soubemos que as pedras usadas em MAPI provêm da própria região; as maiores eram frequentemente cortadas em pedaços menores para facilitar o transporte e o processo era assim: encontrava-se uma imperfeição ou alguma fissura na superfície do material e ali era aplicada pressão de água para ajudar no corte. Em seguida, elas eram polidas levemente e carregadas para os lugares onde seriam usadas e ficariam para todo o sempre. Provavelmente, o carregamento era feito por um sistema de arraste com toras de madeira e, inclusive, pedaços de madeira foram mesmo encontrados nas pedras. No lugar onde os prédios seriam construídos, as pedras eram, então, finalizadas, isto é, tinham as arestas polidas (com pedras de maior dureza) e eram niveladas com água para o encaixe. Desse modo, ao carregar pedras inacabadas, eles facilitavam o transporte e evitavam que uma pedra pronta e acabada quebrasse antes de chegar ao seu lugar de destino final, perdendo o trabalho mais difícil, já que acidentes eram inevitáveis durante a condução. Em La Cantera, espaço em MAPI destinado ao armazenamento de pedras a serem utilizadas, há muitas rochas fragmentadas que estariam “na fila” para serem trabalhadas. Acredita-se que os blocos de rocha eram lapidados com cinzéis e martelos, em hábeis técnicas de furar, arredondar e nivelar; e os cálculos eram feitos nos quipus.

fissura em uma pedra pronta para ser trabalhada

fissura em uma pedra pronta para ser trabalhada

La Cantera - montanha Machupicchu atrás

La Cantera – montanha Machupicchu atrás

ferramentas

ferramentas

quipus

quipus

Nas casas, veem-se ainda saliências arredondadas de pedras, que deveriam servir de apoio às polias e cordas que posicionavam os telhados nos lugares corretos. O trabalho era sempre comunitário. As portas eram feitas de toras de madeira, mas eram poucas, destinadas aos edifícios sagrados.

saliências para apoio dos telhados

saliências para apoio dos telhados

amarração dos telhados

amarração dos telhados

inclinação do telhado

inclinação do telhado

Além do Setor Urbano, há também o Sector Agrícola, onde se encontravam os terraços de cultivo de batata, milho e quinua. A água vinha das montanhas e era canalizada através de mais de cem túneis hidráulicos subterrâneos e drenos. Entre os setores, há um grande muro de separação e o principal canal de água de MAPI. Segundo os estudiosos, em uma região de falhas geológicas e constantes terremotos, o sistema de drenagem de MAPI também contribuía muito para evitar erosões, deslizamentos e estabilizar a cidade.

terraços agrícolas

terraços agrícolas

terraços

terraços

terraços

terraços

terraços

terraços

O último setor era o Cerimonial (que muitos consideram fazer parte do Setor Urbano), no qual se concentravam alguns templos e prédios sagrados. No Templo de las Tres Ventanas, construção em estilo inca semi imperial, uma pedra polida que está sobre o chão, ao refletir sua sombra na terra, completa o desenho do tradicional símbolo andino de modo perfeito. Dependendo, então, da posição do sol, a pedra que está pela metade espelha o restante da figura no chão, rematando o desenho; no centro da figura, chamada de Chakana, um círculo representa Cusco, o centro do mundo; os degraus das arestas simbolizam a mitologia inca e sua trilogia dos três mundos: o mundo de cima, o mundo da Terra e o mundo de baixo. Ali estão também reproduzidos o puma e sua força e vitalidade, assim como a visão do condor e a sabedoria da serpente. O teto do Templo das Três Janelas era removível, justamente para deixar passar a luz do sol, a fim de que se visse o símbolo completo. Para os incas, todas as construções eram pensadas e executadas levando em consideração o deus sol e sua livre passagem nos aposentos, provocando sombras e luzes pré-determinadas e sagradas. Se hoje, a motivação dos arquitetos para posicionar uma casa sobre um terreno também é o nascer e por do sol, por motivos puramente climáticos e de conservação de energia, para os incas o pretexto era mais nobre e religioso.

o Templo das Três Janelas

o Templo das Três Janelas

metade da Chakana

metade da Chakana

sombra

sombra

Chakana (reprodução de imagem da Internet)

Chakana (reprodução de imagem da Internet)

Cores (reprodução de imagem da Internet)

Cores (reprodução de imagem da Internet)

teto removível

teto removível

encaixes para teto removível

encaixes para teto removível

O Quarto Sacro traz o estilo inca imperial e tinha uma mesa de cerimônias na qual as folhas de coca eram preparadas para serem levadas ao Templo Principal. Funcionava, então, como uma espécie de sacristia. Interessante notar o eficiente sistema acústico das janelas.

quarto sacro

quarto sacro

O Templo Principal, no alto, “enxerga” a montanha Machupicchu, que fica a sudoeste do complexo, quase em frente a Waynapicchu. Machupicchu significa “montanha velha” e exibe um verde denso da mata fechada. MAPI se estende entre as duas montanhas de Waynapicchu e Machupicchu, tendo ao redor os outros picos pronunciados da Cordilheira andina do Vale de Urubamba.

Templo Principal

Templo Principal

montanha Machupicchu

montanha Machupicchu

vale de Urubamba

vale de Urubamba

muros de contensão

muros de contensão

No Templo Principal, que foi edificado em estilo imperial, há nichos e janelas tradicionalmente trapezoidais nos quais os ídolos politeístas eram colocados, assim como oferendas.

Nós passamos por uma interessante pedra lapidada como a maquete da montanha Waynapicchu e outra rocha polida que servia como observador astronômico e calendário solar, a Intihuatana. Sabe-se que os incas conheciam os equinócios e solstícios, mas não separavam o ano em estações; mesmo assim, se guiavam perfeitamente nas suas observações astronômicas e calendários agrícolas. Nosso guia, afirmando que a pedra emanava energias positivas, nos fez quase tocá-la com as pontas dos dedos (a pedra não pode ser tocada por motivos de segurança e preservação). Bem, ali estão também os místicos… Fazendo seus rituais e captando todas as forças cósmicas do universo. Eu como tenho interesse pela História nua e crua e sou muito cética, só passava olhando de lado… A área da Intihuatana está no topo de uma pequena colina cujos lados foram todos lapidados em terraços formando uma única grande pirâmide de base poligonal e conferindo mais importância ao objeto.

maquete

maquete

Intihuatana

Intihuatana

vista da área da pedra sagrada

vista da área da pedra sagrada

vista

vista

Ali, encontramos a mesma brasileira que conhecêramos em Moray. Ela melhorara do soroche e, muito emocionada, nos perguntou se estávamos sentindo a “energia” do lugar. Eu sorri, querendo francamente responder que se eu estava sentindo algo físico naquele momento, era calor e fome. Certamente, quando os incas construíram MAPI, eles esperavam esse tipo de reação de uma cultura estranha, descendente direta ou indireta dos invasores que destruíram a cidade… Com certeza…

Enfim, seguimos o passeio. Eu me fascinava sim, pela arquitetura, pela perfeita organização e disposição das casas, separadas pelas escadarias e terraços, pela história e por tudo que representa esse magnífico complexo arqueológico. Interessante que os incas foram muito minimalistas; esse minimalismo, caracterizado pela simplicidade das edificações, é inegável. Os incas não deixaram nada ricamente talhado em pedras, nenhuma pintura em paredes ou templos enredados, cheios de detalhes, como podemos perceber em igrejas da Idade Média ou Templos Hindus de 2000 anos. Pelo contrário, as edificações são simplesmente feitas de pedras lisas, que se acredita eram cobertas apenas por uma camada de argila e pintadas de amarelo ou vermelho. Assim, eu sempre me questionava sobre o porquê de, dentre todas as culturas pré-colombianas, os incas serem os mais conhecidos. Pude então perceber que o motivo era, além do poder que eles certamente exerceram sobre quase toda a América do Sul, a localização das suas cidades e, em especial, de MAPI, finalizada por volta de 1470, depois de cinquenta anos de trabalhos. Quem sobe montanha sabe o quão difícil é levar o próprio corpo para cima, lutando contra a exaustão, o ar rarefeito e as condições de tempo, muitas vezes adversas. A força e admiração da civilização inca vem do seu empenho em levar pedras de toneladas de peso para perto do céu, a fim de se aproximarem do divino. Eles conseguiram! O encaixe perfeito das pedras, que dava às construções um caráter perene contra forças tão destrutíveis como terremotos, também é algo notável e digno de aplausos, assim como os formidáveis terraços agrícolas e terraços que serviam de muros de contenção.

pedras em encaixes perfeitos

pedras em encaixes perfeitos

pedras

pedras

pedras

pedras

muros no abismo

muros no abismo

Pela localização e pela obra humana, não é surpresa MAPI ser considerada Patrimônio Histórico de Humanidade, pela UNESCO e eleita, em 2007, como uma das Sete Maravilhas do Mundo Moderno.

MAPI

MAPI

MAPI

MAPI

Passamos, em seguida, pelo Templo del Cóndor, no qual as formas do animal podem ser vistas, pela sombra exata do sol, bem como as representações da lua, estrelas, sol, água e outras divindades.

o Templo do Condor

o Templo do Condor

o Templo do Condor

o Templo do Condor

Nesse momento, o céu abrira e o calor realmente dificultava o sobe e desce nas escadarias. Continuamos com a visita guiada e pelas nove da manhã, fomos deixados livres para explorar MAPI por conta própria.

Decidimos ir, então, até o mirante onde há o recinto do Guardião, cuja vista é a mais famosa de MAPI. O recinto é uma casa que funcionava como guarita e a vista de lá é mesmo fabulosa. Pela localização das ruínas, encravadas no remoto e lacerante Vale do rio Urubamba, percebemos a motivação para sua construção: objetivo secreto de assegurar a segurança do governante inca e seu séquito em caso de ataque a Cusco; essa seria a teoria mais aceita e faz sentido. Outros acreditam ainda que MAPI foi feita para supervisionar a economia das regiões conquistadas pelos incas. De um modo ou de outro, a razão para a edificação de MAPI ainda carrega enigmas e mistérios.

MAPI

MAPI

MAPI

MAPI

MAPI

MAPI

Em seguida, resolvemos conhecer a Ponte Inca, depois de uma caminhada de uns vinte minutos contornando a parte de trás do complexo. Confesso que a ponte é meio sem gracinha e o que a deixa mais notável é sua localização, num penhasco ligando os diferentes lados da montanha. Imagino quantos homens ali morreram atravessando a estreitíssima e diminuta construção.

a caminho da Ponte Inca

a caminho da Ponte Inca

ponte inca

ponte inca

ponte inca

ponte inca

Voltamos e exploramos mais todo o conjunto. Comemos escondido nossos lanches, já que é proibido levar comida para MAPI e finalizamos nosso passeio. As regras que regem o funcionamento atual do complexo são bem compreensíveis, como a proibição de escrever sobre as pedras ou a restrição de bastão de caminhadas ou bengalas apenas para os mais incapacitados fisicamente. A primeira nem exige explicações e a segunda visa evitar marcas das pontas dos bastões nos calçamentos da cidade sagrada, ou seja, é bem plausível. Agora, o veto ao acesso de comida visa simplesmente promover o único restaurante caríssimo que existe na entrada do complexo. Dessa maneira, todo mundo leva uns lanchinhos nas mochilas e os devoram em ocasiões oportunas. Turistas chiques comem muito bem e costumam se hospedar no Macchu Picchu Sanctuary Lodge, único hotel cinco estrelas bem na frente da entrada da cidade sagrada (onde está o restaurante)… Para poucos.

passeando

passeando

lhamas ladras

lhamas ladras

passeando

passeando

passeando

passeando

Rocha Sagrada - indica o extremo norte de MAPI

Rocha Sagrada – indica o extremo norte de MAPI

fonte em uma casa

fonte em uma casa

passeando

passeando

passeando

passeando

passeando

passeando

passeando

passeando

mapa de MAPI

mapa de MAPI

MAPI

MAPI

Eu ainda me lembrava das explicações do guia, dadas logo pela manhã, sobre o Santuário e de como ele fora esquecido por séculos, até ser redescoberto em 1911. MAPI quase não teve tempo de ser utilizada, já que foi finalizada por volta de 1470 e dominada pelos espanhóis nos anos 30 do século XVI. Depois da morte do último imperador inca, em 1533, MAPI foi completamente saqueada pelos espanhóis e abandonada por seus quase 1000 habitantes, órfãos de um governante. Sem maior interesse por parte dos dominadores, devido à sua difícil localização, a cidade permaneceu escondida por quase 400 anos. É sabido que os habitantes de Cusco já conheciam MAPI antes de 1911, mas não tinham nenhum motivo para divulgá-la para o restante do mundo. Foi somente o professor, antropólogo e historiador norte-americano Hiram Bingham, ligado à Universidade de Yale, que apresentou MAPI à comunidade científica e ao mundo, em 24 de julho de 1911. Na verdade, ele estudava a corrente libertadora de Simon Bolívar nos países da América do Sul e acabou voltando seu interesse à civilização inca depois de realizar algumas investigações na região de Cusco e conhecer rumores de uma cidade nas alturas. Ele analisava também os indícios de Vilcabamba, legendária capital dos descendentes dos incas, entre 1536 e 1572, e tida como foco de resistência mais importante contra a invasão espanhola, depois da morte de Atahualpa (nela, ainda governaram quatro líderes incas).

Liderando, a partir disso, quatro expedições rumo ao local indicado, já na primeira ele encontrou MAPI, ao adentrar o Vale de Urubamba, pelo lado do cânion, e receber relatos afirmativos do camponês Melchor Arteaga sobre a abundância de ruínas no topo da montanha Machupicchu. A expedição subiu o difícil caminho a pé, através dos picos de mata fechada e deu de cara com a aglomeração de casas tomada por vegetação e infestada de cobras. Extasiado, Bingham escreveu no seu caderno de notas: “Would anyone believe what I have just found?” (“Alguém acreditará no que acabei de encontrar?”) e nomeou MAPI de “Lost City of the Incas” (A Cidade Perdida dos Incas).

Duas famílias se encontravam residindo em MAPI, na parte baixa da cidade, completamente alheios do valor histórico do complexo. Um dos meninos de uma das famílias leva, então, Bingham às ruínas e ele não acredita no que vê!

Em seguida à redescoberta, o professor iniciou os trabalhos de limpeza e restauração a partir de 1912, patrocinados pela National Geographic Society. Mapas foram feitos e a história passou a ser contada novamente. Hoje, 30% de MAPI contam com construções absolutamente originais, e o restante é restauração. Isso é perceptível pelo encaixe entre as pedras. As edificações tradicionalmente incas têm pedras maiores e espaços menores entre cada rocha.

Embora saqueada, Bingham ainda encontrou no conjunto arqueológico, através de escavações, mais de 700 objetos, entre cerâmicas e utensílios e joias de metal, como facas, braceletes, brincos e broches de roupas em bronze, cobre e prata. Nada em ouro foi recuperado, entretanto. Ainda assim, era patente que a cidade refletia o esplendor do império inca, dada seu tipo de arquitetura. Foi o estudioso também que reconheceu trechos do Caminho Inca, assim como as ruínas ao longo de seu trajeto.

O resultado da expedição bem-sucedida foi uma edição especial da National Geographic com 186 páginas e centenas de fotografias, publicada em 1913.

O professor Bingham é considerado, no entanto, como descobridor científico de MAPI, pois, além dos locais e camponeses já conhecerem a cidade, também se sabe de outras pessoas que passaram por lá antes dele, como o naturalista italiano Antonio Raimondi (que estudou a fundo o sítio arqueológico de Chavín, no norte do Peru). Raimondi não se apercebeu de MAPI e chegou a comentar, ao passar pelos pés da montanha, em 1865, ao longo de suas viagens de exploração pelo país, que a região era escassamente povoada e não havia nada de relevante por ali.

Na mesma época, estima-se que outros cidadãos, sem qualquer olhar pela perspectiva arqueológica e histórica, já estavam se aproveitando do que restara de MAPI. O historiador Paolo Greer revela, por exemplo, que o empresário alemão Augusto Berns não somente já havia descoberto MAPI quarenta anos antes da data conhecida (1911), em 1867, como também havia fundado uma empresa mineradora (a “Compañía Anónima Explotadora de las Huacas del Inca) para vender tudo o que encontrava a colecionadores europeus e norte-americanos. Essa investigação, divulgada em 2008, ainda está sendo levantada, mas Greer afirma que até que o governo peruano de José Balta levava 10% de comissão nos lucros da empresa.

O certo é que, desde essa época, mapas de prospecções mineiras já começaram a mencionar MAPI, como no desenho do norte-americano Harry Singer, de 1870. Nele, as localizações das montanhas de Machupicchu e Waynapicchu aparecem pela primeira vez citadas. Ele inclusive chama a Montanha Nova de Punta Huaca del Inca, numa clara referência à relação divina entre os incas e as montanhas. Num segundo mapa, de 1874, o alemão Herman Göhring aponta MAPI exatamente entre ambas as montanhas. Em 1880, o francês Charles Wierner também confirma a existência de ruínas arqueológicas na região, embora não as tenha visitado. Enfim, essas são provas de que o professor Bingham teve o mérito de iniciar um trabalho de estudo científico em MAPI, embora ela não estivesse tão “perdida” assim.

Finalmente, depois de muitas informações e de cinco horas de andanças, nós deixamos MAPI por volta de 12h30min. A maioria das pessoas do nosso grupo já tinham ido, pois elas voltariam a Cusco naquele mesmo dia. Como nós ficaríamos mais uma noite em Águas Calientes, pudemos dar uma esticadinha em MAPI. Achei a medida conveniente, pois só das 6h30min até umas 11h00min, hora de partir para quem vai pegar o trem, é pouco tempo, em minha opinião (nós ficamos uma hora e meia a mais). Porém, não é necessário mesmo um dia inteiro, a não ser que se suba a Waynapicchu ou se explore outros sítios mais distantes. Nós, por exemplo, não fomos até a Porta do Sol, coisa da qual eu me arrependi mais tarde. Através da Porta do Sol ou Intipunku, ao sul de MAPI, chegam os trilheiros que percorrem a Trilha Inca Clássica e dali vê-se toda a cidade aos pés da Waynapicchu, deve ser bonito!

Porta do Sol

Porta do Sol

Outra vantagem de mais uma noite em Águas Calientes é que se pode descansar depois de MAPI; fica corrido demais chegar numa noite, acordar às cinco da manhã dia seguinte para visitar o santuário, ficar lá poucas horas e já encarar outra viagem de retorno no mesmo dia. Meu conselho é o que fizemos: chegar à noite, dormir, acordar cedo para estar às seis da manhã em MAPI, passar o dia lá (até mais do que nós próprios ficamos), voltar, descansar, passear no próximo dia de manhã no povoado e pegar o trem de volta no início da tarde. Então, duas noites em Águas Calientes é melhor!

Nós descemos de ônibus de MAPI e almoçamos em Águas Calientes. Necessário notar que bem no centrinho, perto da praçinha principal, a média de preços do almoço é de 25 soles. No entanto, se nos afastarmos das ruas principais, encontramos menus de até 10 soles. Boa diferença!

No restante da tarde, confesso que apenas dormimos. Eu estava muito cansada ainda da tensão da viagem de ônibus dia anterior, a ida a pé da Hidroelétrica a Águas Calientes e da caminhada em MAPI. Aproveitamos aquela tarde, então, para dormir. Antes, porém, fomos relocados de hotel, para um melhorzinho. À noite, caminhamos um pouco pelo povoado. Se Cusco é o umbigo do mundo, Águas Calientes é o cu do mundo! Não há nada ali, a não ser a estrutura de base para o passeio à cidade sagrada. Para não dizer “nada”, tem um museuzinho na praça que estava fechado enquanto nós estávamos lá.

Águas Calientes

Águas Calientes

Águas Calientes

Águas Calientes

No dia seguinte, 30 de agosto, nosso trem para a Hidroelétrica somente sairia à uma da tarde e, assim, achei até tempo demais para ficar na vila. No entanto, foi necessário, uma vez que não queríamos ter saído correndo no mesmo dia de visita à MAPI para encarar novamente oito horas daquela estrada tortuosa, de volta a Cusco. Pudemos descansar melhor e aproveitar mais tempo no santuário também. No fim, foi bom, mas tivemos que matar muito tempo, devo confessar.

No centro de Macchu Picchu Pueblo, há a pracinha e uma estátua dourada bem similar àquela que provocara todo o estardalhaço na Praça de Armas de Cusco. Não se si ali, ela gerou controversas, mas os visitantes adoram tirar fotos ao seu lado, nós inclusive.

Águas Calientes - Mapi Pueblo

Águas Calientes – Mapi Pueblo

cão peruano de jeans

cão peruano de jeans

No dia seguinte de manhã, tive até vontade de retornar a MAPI e se tivesse dinheiro o bastante para pagar o trajeto de ônibus de subida e descida e mais o ingresso de novo, até iria e caminharia até a Porta do Sol, algo que me arrependi de não ter feito dia antes, já que até teria dado tempo de sobra (leva-se uma hora e meia para subir e mais o mesmo tempo para descer). O céu estava tão azul que deu uma melancolia de estar perdendo tempo em Águas Calientes, mas enfim, ali ficamos, no banco da praça, depois de esgotar totalmente a visita a todas as lojinhas e a feirinha de artesanato ao lado da estação de trem.

O problema com a hospedagem em Águas Calientes é que a maioria dos hotéis tem check-out às nove da manhã! Muito cedo! Nós levantamos, passeamos o que deu, como eu disse, e fizemos hora no banco da praça. À uma da tarde, estávamos na ajeitadinha estação de trem para entrar no vagão rumo à Hidroelétrica. Ele saiu no horário e chegamos uma hora depois na Hidroelétrica, numa viagem confortável em um vagão com teto panorâmico. Pegamos a van de retorno a Cusco, que já estava lá a espera e voltamos na mesma estrada do cão, chegando a Cusco quase nove horas da noite! Pelo menos, não teve nada de neblina. Cheguei com dor de garganta de ter suado e passado frio dois dias antes, na caminhada da Hidroelétrica até Águas Calientes. Enfim, voltamos ao apartamento do Willy que novamente nos recebeu muito bem.

estação de trem

estação de trem

trem

trem

Durante as horas de viagem, eu revia minhas informações sobre os incas e refletia sobre o final abrupto do seu poderoso império.

Como os incas não deixaram documentos escritos, é a história oral e o legado físico, como eu comentei anteriormente, que contam sua trajetória. Depois da invasão espanhola, a versão do dominador também acaba sempre imperando e é através dela que temos mais informações sobre o final da mais proeminente civilização pré-hispânica da América do Sul.

Assim, segundo consta, a sociedade dos incas teve, ao longo de sua existência, treze governantes. Os registros mais precisos dos eventos ocorridos na história do império são dos últimos anos de sua vida, nos reinados de Pachacútec e no de Atahualpa. O primeiro período da civilização inca, denominado de Período Legendário, nos remete à chegada de Manco Capác ao vale de Cusco e consequente anexação das terras da região por meio de lutas, com as tribos que já se encontravam por lá. Posteriormente, no período chamado de Monárquico, os incas invadiram outros vales, ganharam mais poder e estabeleceram a Confederação Cusquenha. No último período do império, conhecido como Imperial, os incas se firmaram como a nação mais influente da região dos Andes; a época correspondeu ao apogeu do predomínio incaico. Os líderes incas do primeiro período foram Manco Cápac (século XII) e seu filho Sinchi Roca; já os nomes Lloque Yupanqui, Mayta Cápac, Cápac Yupanqui, Inca Roca (início do século XIV), Yahuar Huárac (aproximadamente 1350) e Huiracocha (viveu de 1350 a 1410) pertenceram ao segundo período; já a última fase da história, a Imperial, teve os seguintes líderes: Pachacutéc (reinou de 1411 a 1468), Tupác Yupanqui (reinou de 1468 a 1480), Huayna Cápac (reinou de 1480 a 1528), Huáscar (reinou de 1528 a 1532) e Atahualpa (reinou de 1532 a 1533), todas as datas aproximadas.

Pachacútec, o nono governante, foi o principal líder do império. Ele ordenou a construção de MAPI, criou um abrangente código de leis de leis para reger o seu vasto domínio e transformou Cusco em uma verdadeira metrópole. Com ele, 4000 km de estradas foram feitas, algumas a mais de 5000 metros de altitude. A impressionante Cápac Ñan (Estrada Real), com cerca de um metro de largura, ia de Quito, no Equador, a Tucumán, na Argentina, passando por Santiago, no Chile e La Paz, na Bolívia. No entanto, as estradas incas não se restringiram a este trajeto. Elas ligavam Cusco a todas as direções da América do Sul, formando uma rede de comunicação de mais de 30000 km. Existem caminhos incas, por exemplo, no Chile, na Argentina, no Equador e até mesmo no Brasil.

Pachacútec (reprodução de imagem da Internet)

Pachacútec (reprodução de imagem da Internet)

Atahualpa, o último imperador, era filho ilegítimo de Huyana Cápac com uma princesa da região do Equador. Quando o velho imperador morreu, o império foi dividido entre Atahualpa, que governava da região de Quito, das terras legadas de sua mãe, e Huáscar, o herdeiro legítimo, cuja base era em Cusco. Depois da morte do pai, Atahualpa traiu e derrotou seu meio-irmão em uma desastrosa guerra pelo controle do império, uma batalha sangrenta que durou anos. Nesse meio tempo, os homens brancos e barbados chegaram à região das Américas e mudaram para sempre a vida dos incas. Os aliados de Francisco Pizarro sequestraram Atahualpa em uma emboscada, quando ele retornava a Cusco para tomar posse do trono, depois de vencer Huáscar. Como justificativa para o sequestro, os espanhóis apresentaram as “provas” que evidenciariam os crimes de Atahualpa contra o Reino da Espanha e contra a Igreja Católica, motivos suficientes para seu aprisionamento. Pela ótica espanhola, o imperador inca se recusara a converter-se ao Cristianismo, atirando ao chão uma bíblia que lhe fora dada de “presente”, ato considerado imperdoável pelos dominadores; da mesma forma que rejeitara a conversão à outra crença religiosa, o inca também se negara a aceitar a soberania do rei espanhol. Por isso, Atahualpa foi oficialmente tomado como inimigo do Estado e abdicado de sua liberdade e a guerra contra os incas foi fundamentada. Milhares de incas foram dizimados e o imperador foi encarcerado no Templo do Sol.

Atahualpa (reprodução de imagem da Internet)

Atahualpa (reprodução de imagem da Internet)

Um resgate de onze toneladas de ouro foi calculado em troca de sua vida, mas a intenção de Pizarro jamais fora a de libertar o inca e Atahualpa foi posteriormente assassinado no Equador, em 1533. Pizarro o manteve vivo durante algum tempo como forma de garantir sua autoridade sobre alguns governantes incas que ainda mantinham certo poder. Em uma de suas últimas ordens, Atahualpa ainda teve influencia o bastante para mandar assassinar o meio-irmão, o derrotado Huáscar. Pizarro apressou-se, então, a executar o último imperador inca, evitando que ele botasse mais as asinhas de fora. Como inimigo do Estado Espanhol e acusado de executar o irmão, Atahualpa foi considerado culpado e condenado à pena de morte, em um julgamento completamente unilateral. Para evitar a fogueira, o inca aceitou ser batizado para, em seguida, morrer de modo menos sofrido, por estrangulamento. Na região onde governava, agora dissoluta pela morte do líder, foi fundada pelos espanhóis a cidade de Quito, em 1535.

Interessante é que o nome “Peru” foi uma má interpretação dos espanhóis; quando interrogado sobre o paradeiro do irmão, Atahualpa falou algo que os espanhóis entenderam como Peru e, assim, o país foi nomeado.

Quanto ao resgate de um quarto inteiro de ouro e prata pela vida de Atahualpa, reza a lenda que nunca foi pago; o inca, de fato, escondia um tesouro na montanha Huminhauí (rosto de pedra), próxima ao vulcão Cotopaxi, no Equador, mas, apesar de torturado pelo fundador de Quito (Pizarro) por meses, Atahualpa nunca revelou o segredo. Os sucessores do imperador inca foram outros de seus irmãos, que se aliaram aos europeus.

Durante e depois da morte do imperador, como vimos, houve uma guerra entre milhares de Incas e apenas 200 espanhóis. Há várias teorias que tentam explicar como os europeus venceram e subjugaram um número de homens muito superior ao seu. Provavelmente, todas elas combinadas podem oferecer uma resposta mais próxima do real. A erupção do vulcão Cotopaxi (encarada como castigo dos deuses e que fizeram os incas fugirem), as armas de fogo dos espanhóis, as alianças feitas pelos europeus com indígenas que também eram inimigos dos incas, novas doenças e várias outras.

Uma pergunta que Michael fez a diversos guias que nós tivemos e que eu achei bem pertinente era o motivo pelo qual os incas nunca atravessaram as cordilheiras para adentrar a região do Brasil. Num compilado de respostas, eu posso citar, dentre algumas razões que nos foram dadas, que não houve tempo para isso, que os incas não se adaptaram ao clima das terras baixas, que eles pereceram diante de doenças tropicais (malária e outras transmitidas por mosquitos) e não conheciam remédios para elas, pela presença de tribos indígenas canibais no Brasil e Colômbia e muitas outras. Eu achei plausível…

Segundo nosso guia de Macchu Picchu, os incas ganhavam os outros povos “na conversa”, sem apelar para o uso de violência, usada em raras ocasiões e, talvez também por isso, teriam tido desvantagens frente a nações indígenas mais guerreiras. Essa informação francamente não fez muito sentido para mim. Não posso acreditar que uma civilização que conseguiu angariar um império da extensão territorial do inca e que inegavelmente fez muitos inimigos no processo ter sido um povo “pacífico”.

Enfim, os espanhóis chegaram, “não conversaram”, arrasaram, destruíram e mudaram de vez o rumo da América do Sul. Um fato interessante e um exemplo sobre diferentes versões da história, já que a que sabemos vem pelo lado do dominador europeu, é o motivo pelo qual os incas teriam dado voluntariamente seu ouro aos espanhóis, quando estes não o tomavam à força, logicamente. Segundo os europeus, os incas eram um povo inferior e supersticioso e, quando apresentados aos espelhos, aceitavam trocá-los pelo seu ouro por causa do medo que supostamente sentiriam de ter nas peças suas almas aprisionadas. Então, conforme narra a história espanhola, os incas permitiam a troca do ouro pelos espelhos, a fim de manter os objetos presumidamente amaldiçoados sob seus cuidados. Isso teria sido motivo de chacota para os espanhóis, que se sentiam superiores ao lograr os “pobres” indígenas locais. Entretanto, como nos clarificou Victor, um guia que tivemos em passeios do Equador, os incas já conheciam a prata, que também reflete imagens, assim como um espelho, e não tinham nenhum problema em se desfazer dela, caso fosse necessário. Eles não tinham que manter a prata sob sua cautela e atenção, para que o reflexo do material não encarcerasse suas almas. Assim, qual seria o verdadeiro motivo pelo qual eles davam seu ouro em troca dos espelhos? A teoria bastante plausível de Victor seria a de que os espelhos simplesmente refletem melhor o sol, o deus maior dos incas. Tanto o ouro quanto a prata não significavam dinheiro para os incas, mas somente adorno; a função dos metais era justamente refletir o sol e a natureza venerada dos incas. Adorei!

Então, eu pensava em tudo isso quando adormeci, na certeza de que o mais forte, belicamente, realmente sempre ganha. Os incas sumiram de maneira dramática, mas deixaram uma história riquíssima de presente para nós.

De Volta a Cusco – Museus:

No dia 31 de agosto, nosso último dia em Cusco, decidimos explorar os museus da cidade. Para ser franca, depois de quase quatro meses viajando e já tendo ido a trocentos museus, não era isso que me entusiasmava muito… Acabamos mesmo entrando somente em um deles, depois de almoçar fígado em um botecão, por menos de três reais.

botecão

botecão

O Boleto Turístico de Cusco nos dá o direito de visita a seis museus e são eles: o Monumento Pachacuteq, o Museu de Sitio de Qoricancha, o Centro Qosqo de Arte Nativo, o Museu Histórico Regional, o Museu de Arte Popular e o Museu Municipal de Arte Contemporáneo.

localização dos museus e horários de funcionamento

localização dos museus e horários de funcionamento

O pequenino museu dentro do Monumento de Pachacútec fica, como citei anteriormente, longe da Praça de Armas e perto da Avenida del Sol.  A Avenida do Sol é a mais importante de Cusco. Na continuação dela, a Avenida Tullumayu, há o principal Mercado Artesanal de Cusco. Também decidimos não ir lá, pois já tínhamos passeado no Mercado de São Pedro, apesar de na ocasião, uma feira internacional de artesãos estar acontecendo. Depois do mercado, há o monumento Pachacútec.

O Museu de Sitio de Qoricancha, como também já comentei, está ao lado do Convento e Igreja Santo Domingo de Qoricancha. Ele é meio escondido e a entrada fica na Avenida do Sol. O passeio ao complexo igreja/convento não inclui a visita ao museu, tanto que eles têm preços distintos. O museu está no boleto turístico, mas a igreja e convento não (10 soles de ingresso).

O Centro Qosqo de Arte Nativo traz objetos de artesãos locais que refletem a vida dos moradores da região, além de apresentar números folclóricos, como apresentações de dança. O Museu de Arte Popular segue a mesma linha do de arte nativa, com artesanatos em geral. O Museu de Arte Contemporânea, que fica em um dos prédios da prefeitura de Cusco, alberga pinturas e esculturas de artistas atuais, que retratam sua região com muita cor e movimento.

Museu de Arte Contemporânea

Museu de Arte Contemporânea

O único museu participante do boleto turístico que nós visitamos foi o Museu Histórico Regional. Aberto de terça a domingo, das 8h00min às 17h00min e sábado, das 8h00min às 13h00min, ele abriga 14 salas de exibição com elementos que vão desde o período Pleistoceno até o incaico. Há obras de várias culturas pré-incaicas, como cerâmicas, objetos de metalurgia, tecidos, roupas, mobiliário e pinturas, com destaque para a Escola Cusquenha, dos séculos XVI até XVIII, cuja principal característica era a fusão de elementos andinos e católicos. É bem legal… Uma história interessante que vimos nesse museu foi a vida de Garcilaso de la Vega, filho de um capitão espanhol e de uma descendente inca, sobrinha de Wayna Qhapaq (Huayna Cápac). Nascido em 1539 e com a infância passada no seio da família materna, em Cusco, o pequeno infante aprende sobre a grandiosidade dos seus antepassados e flui privilegiadamente entre ambas as culturas. Versado em Quéchua e Espanhol, o rapaz se forma em gramática e ciências e, devido à essa educação formal, dentro da cultura europeia e também dentro do conhecimento do universo inca, o mestiço Garcilaso torna-se o primeiro peruano, aos 21 anos de idade, a publicar um livro na Espanha. Motivado, ele ainda escreveria muitas obras e elevaria a história dos seus antepassados incas nas rodas da Europa, além de lutar em muitas batalhas no Velho Continente. Outra história que merece destaque foi a do inca Túpac Amaru, filho de Manco Cápac II (irmão de Atahualpa). Nascido em 1545 e morto em 1572, o inca foi o último líder indígena a governar depois da perda de Cusco para os espanhóis; liderando seu povo de Vilcabamba, Túpac Amaru foi eventualmente preso e assassinado pelos europeus.

Museu Histórico Regional

Museu Histórico Regional

broches incas

broches incas

instrumentos bélicos

instrumentos bélicos

instrumentos bélicos

instrumentos bélicos

carta de Túpac Amaru escrita com seu sangue

carta de Túpac Amaru escrita com seu sangue

Entre muitas histórias sobre a fusão violenta ou pacífica entre incas e europeus, aprendemos um pouco mais, também no Museu Regional, sobre o processo de evangelização dos descendentes incas. O ato proselitista dos jesuítas podia ser menos truculento do que certos métodos brutais perpetrados pelos militares espanhóis na conversão cristã de seus prisioneiros indígenas; contudo, de qualquer modo, vimos que forças poderosas foram usadas no intento da pregação do evangelho cristão. Depois das guerras, principalmente, instaurou-se de modo oficial o processo de evangelização dos incas. Nesse período, vários religiosos se dedicaram ao serviço, como, por exemplo, o padre José de Acosta, que estudou e foi um dos primeiros intérpretes do Quéchua e do Aimará. Frei Diego Gonzales Holguín, no mesmo intuito, escreveu o “Diccionario de la Lengua Quechua” e Ludovico Bertonio trabalhou no “Vocabulario de la Lengua Aymara”, ambos publicados em 1608. A “Origen y Descendencia de los Incas”, de frei Martin de Murúa, estudioso célebre do Tahuantinsuyo, também merece destaque. Todos os religiosos, estudiosos, militares ou colonizadores contribuíram para um aculturamento e desaparecimento de uma das mais poderosas civilizações da América. Hoje, seus descendentes ainda existem e, apesar de já carregarem outra vida, mais europeizada, lembram com orgulho dos feitos dos antepassados incas e preservam algumas tradições.

Para não dizer que passamos o dia inteiro em um museu apenas, resolvemos arriscar um que não fazia parte do boleto turístico: o Museu Inca, bem pertinho da Catedral; o ingresso custou 10 soles. Foi uma boa escolha. As informações são legais, mas pena que não dava para tirar fotos. Há peças de vários períodos, entre civilizações desde os primórdios de ocupação da região até, claro, os incas, arrumadas em salas que se dividem cronologicamente.

Museu Inca

Museu Inca

Museu Inca verso

Museu Inca verso

Saímos do museu e fomos a algumas agências ver os passeios do lago Titicaca, para onde seguiríamos. No final das contas, fechamos novamente com o Willy os passeios para as ilhas do lago Titicaca, por 110 soles e deu outra vez tudo certo.

Passeamos no mercado de artesanatos de novo e andamos pelas ruas próximas à Praça de São Pedro.

mercado de São Pedro

mercado de São Pedro

focinhos de lhama

focinhos de lhama

mercado artesanal São Francisco

mercado artesanal São Francisco

no mercado

no mercado

Passamos depois por uma rua de açougues e mercados populares que era uma completa nojeira! Cabeças de porcos junto com crianças, carnes expostas sem qualquer critério de higiene, muitas moscas e frutas amassadas no chão; ali, o mercado popular de Ccasccaparo, era uma área bem pouco turística, mas foi interessante visitar…

cuys à venda

cuys à venda

açougues duvidosos

açougues duvidosos

açougues duvidosos

açougues duvidosos

feira na rua

feira na rua

De resto, não me cansava de caminhar no Centro Histórico e admirar as varandas de madeira e os casarios coloniais.

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

Centro Histórico

No final do dia, pegamos um táxi às nove da noite e partimos para o Terminal de Ônibus, rumo a Puno, última cidade que nós visitaríamos no Peru…

indo para Puno

indo para Puno

Quando estávamos na rodoviária, vi que a empresa de ônibus Expreso Ormeño faz um serviço direto entre São Paulo e Cusco, pela Inter Oceânica, além de vários outros países da América do Sul; dica para quem tiver medo de voar.

Nossa passagem de Cusco a Puno foi pela Tour Peru e custou 35 soles. Pagamos ainda a taxa de saída do Terminal, de 1,20 sol.

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