Hinduísmo

Hinduísmo

O hinduísmo, religião com o maior número de adeptos na Índia, tem aproximadamente 4000 anos de história, mas passou por estágios distintos ao longo dos séculos. Também como resultado de seu desenvolvimento durante tanto tempo, dentro de um território marcado pela diversidade étnica e cultural, ele abrange uma grande variedade de crenças e práticas religiosas distintas e, caracteristicamente, não possui dogmas. O hinduísmo é uma complexa mistura de elementos da cultura indo-europeia, difundida com as invasões arianas a partir de 1500 a.C., e das sociedades nativas pré-arianas e drávidas, no subcontinente indiano. Mais do que uma religião unificada propriamente, o hinduísmo é, portanto, uma reunião de antigas tradições com pontos em comum e outros em contraste.

Inicialmente, o hinduísmo era chamado de bramanismo, a antiga filosofia religiosa indiana que formou a espinha dorsal da cultura do país. O bramanismo foi uma evolução da religião védica, cujas bases são os textos sagrados denominados vêdas, mais antigos textos hindus, que remetem aos arianos que colonizaram o subcontinente indiano.

Forças dissidentes do bramanismo também geraram o budismo e o jainismo, na Índia, que se desenvolveram em religiões independentes e hoje contam com milhões de adeptos; o budismo tem seguidores no mundo inteiro, mas os jainistas restringiram-se à Índia, embora sejam em número considerável. Assim, por questões políticas e também para que não perdesse a popularidade frente a essas religiões surgidas ainda na antiguidade indiana (cerca do século V a.C.), o bramanismo sofreu reformas e modificações ao longo de sua história, passando a ser referido – e como conhecemos atualmente – por hinduísmo. De fato, o termo “hinduísmo” usado para se referir a uma religião distinta foi introduzido somente no século XIX. O vocábulo “hindu”, de origem persa (nome em persa do rio Indo), era usado desde os tempos dos Sultanatos de Déli – século XII – para se referir a qualquer tradição nativa da Índia, em contraste com o islamismo.

Os livros sagrados do bramanismo, e por extensão do hinduísmo, são, além dos vêdas, os brâmanas (rituais em prosa redigidos como elucidários e comentários dos vêdas, sendo que cada vêda possui seu brâmana), os upanishads e os aranyakas (elaborados por discípulos, como compilações das reflexões dos sábios; significam “ensinamentos secretos”), e o código de Manu (Manu é um deus lendário, considerado o pai dos árias, arianos que colonizaram o subcontinente indiano, ao qual o próprio Brahma teria feito a entrega das leis), no qual os princípios do bramanismo foram estabelecidos, pelos brâmanes (sacerdotes). A parte mais antiga desta tradição é o Samhita (cerca de 1500 a.C.), compilado de antigas tradições orais e composto posteriormente de hinos em Sânscrito e dividido em quatro repositórios: o Rig Veda, o Yajur Veda, o Sama Veda e o Atharva Veda – por volta de 900 a.C.. Os textos mais recentes são os Brahmanas, instruções rituais compostas entre os séculos X e VII a.C. (ou até o século III a.C.), formados por textos litúrgicos, e os Upanishads, de caráter filosófico.

Aceitam-se que os primeiros escritos tenham sido elaborados por volta de 1500 a.C, mas há dúvidas, devido a estudos mais recentes, sobre a época exata na qual os vêdas foram compostos. A datação mais divulgada se baseia nas evidências linguísticas e na teoria da invasão ariana ao subcontinente indiano, que tem sido colocada em dúvida. Pode ser que sua composição tenha se iniciado por volta de 2000 a.C., ou mesmo antes.

Os textos vêdas revelavam todos os aspectos da existência religiosa do período da Índia antiga, além de detalhar fatos da vida social, política e cultural dos povos. Neles, está  consagrado o domínio dos brâmanes e pormenorizados códigos de leis civil e penal que norteavam a vida e as práticas religiosas dos adeptos. São mantras, que representam hinos e orações; são narrativas fantásticas religiosas, que revelam a origem do panteão hindu; são etapas explicativas de rituais e até fórmulas mágicas e encantamentos. Nos vêdas, estão esmiuçadas as características principais do bramanismo que são a crença na reencarnação, no sistema de castas, no naturalismo e no individualismo.

O hinduísmo, então, tem como princípio fundamental a aceitação da autoridade dos vêdas, respeito que é partilhado entre todas as correntes hinduístas. Como vimos, a religião é bastante diversa e possui crenças distintas, mas, apesar da inexistência de uma formulação teológica unificadora e um sistema unido de convicções, vários elementos dão unidade e alguma coerência à consciência hinduísta. Um deles é justamente a reverência aos vêdas. O budismo e o jainismo, ao contrário do hinduísmo, repudiam a soberania dos vêdas. O hinduísmo engloba, então, uma pluralidade de fenômenos religiosos, mas todos se originaram e são baseados nas tradições védicas.

Segundo os escritos, introduzidos pelos Brâmanes – nobres e sacerdotes – e compreendidos como tendo origem divina, Brahman (ou Brame) é compreendido como o deus supremo e individual; ele é a noção teológica central do hinduísmo e, em particular, da doutrina filosófica vedanta. Significa o poder sagrado final, a alma completamente impregnada, ou a realidade espiritual do universo; o eterno, incriado e infinito, a fonte do todas as coisas animadas e inanimadas; um princípio superior e onipresente da realidade; o princípio divino; a raiz de toda a consciência do mundo. A doutrina do Brahman é especialmente tratada nos upanishads, a última parte dos textos sagrados hindus, os vêdas.

Brahman teria encarnado sucessivamente em Brahma (Brama), deus criador; em Vishnu, deus da conservação; e em Shiva, deus da destruição, formando a trindade indiana chamada trimurti. Esses – criação, preservação e destruição – são os três elementos da lei natural para os hindus.

Brahma é uma divindade associada à criação. Geralmente é representado surgindo de uma flor de lótus, que brota do umbigo do deus Vishnu adormecido. Ao emergir, Brahma cria muitos mundos diferentes, sendo este apenas um deles.

Brahma (reprodução de imagem da Internet)

Brahma (reprodução de imagem da Internet)

Vishnu é o deus da preservação e protetor do universo, mantendo sua ordem e harmonia. Ele é frequentemente representado em posição de ioga, com quatro faces, representando seu aspecto filosófico, e quatro braços, cada um segurando um atributo divino. Ele geralmente segura uma flor de lótus e uma concha, simbolizando pureza e eternidade, além de uma clava para proteção. Em uma das mãos, há também um disco de energia, simbolizando sua tarefa de restauração da ordem do mundo. Às vezes, Vishnu surge do oceano primordial, sobre uma serpente de mil cabeças chamada Shesha.

Vishnu e seus avatares (reprodução de imagem da Internet)

Vishnu e seus avatares (reprodução de imagem da Internet)

disco de energia de Vishnu (reprodução de imagem da Internet)

disco de energia de Vishnu (reprodução de imagem da Internet)

Shiva é benevolente, amável e auspicioso. Como deus da destruição, ele, na verdade, indica “transformação”, aludindo que tudo que se destrói, se transforma em algo melhor; a destruição dá lugar ao que vem ser benigno. Abaixo, uma escultura de bronze da época da Dinastia Chola representa Shiva como Nataraja, o senhor da dança cósmica, que revela tanto sua criatividade quanto seus poderes destrutivos. Em sua mão direita superior, empunha o tambor que vibra para anunciar a criação; na mão esquerda superior, ostenta a chama da conflagração universal. Sua mão direita inferior eleva-se no gesto de conceder a libertação do medo, enquanto a mão esquerda inferior aponta para o pé esquerdo, que eleva-se à frente, num gesto de desprendimento. Com o seu pé direito, esmaga o anão Apasmara, o demônio da ignorância e do materialismo.

Shiva (reprodução de imagem da Internet)

Shiva (reprodução de imagem da Internet)

escultura de Shiva (reprodução de foto da Internet)

escultura de Shiva (reprodução de foto da Internet)

Brahman também teve quatro filhos que encarnavam as quatro castas hereditárias. Para grande parte dos hindus, o caráter sagrado da terra e do sistema de castas é um aspecto central da religião. Para os sacerdotes hindus, a sociedade deveria ser dividida em quatro castas (varnas), com direitos, deveres, privilégios e práticas diferenciados: a mais superior era a deles próprios, os Brâmanes; e as outras castas eram a Kshatriya – a classe administrativa, formada por outros nobres e guerreiros; a Vaishya – a classe dos comerciantes e agricultores; e a Shudra – a classe dos trabalhadores, artesãos, pastores e cultivadores. Os drádivas, habitantes mais antigos do subcontinente indiano e que eram homens de pele mais escura, eram desprezados pelo seu trabalho escravo e sujo e, por isso, deram origem a um quinto grupo social: os sem casta ou os “sem berço” (denominados Dalits – os intocáveis); os fora das castas e os segregados da sociedade também eram conhecidos como Párias ou Chandâlas. Atualmente, os dalits são mais de 160 milhões de habitantes no país.

sistema de castas (reprodução de imagem da Internet)

sistema de castas (reprodução de imagem da Internet)

Dentro dessa lógica, a sociedade é descrita como melhor se governada por um soberano benevolente Kshatriya, que rege de acordo com as regras estabelecidas pela tradição das escrituras e preservadas por líderes espirituais que possuem autocontrole e pureza de coração (brahmanas ou brâmanes). O kshatriya soberano (como nos tribunais, e em muitos estados democráticos) pode também pedir a pena capital.

É dito que brâmanes, anciãos, mulheres e crianças merecem proteção especial, assim como animais, especialmente as vacas, sendo preservados a qualquer custo de matanças. A ideia não exclui o fato das mulheres serem orientadas para um papel submisso.

Mitologicamente explica-se que as quatro castas surgiram do corpo do deus Brahman: de sua cabeça, saíram os Brâmanes, considerados como seres quase divinos, detentores do monopólio da religião; dos braços de Brahman, surge a casta dos Kshatriyas; de suas pernas, surgem os Vaishyas; e de seus pés, vêm os Shudras. Abaixo dos pés, na poeira, estão os dalits, sem quaisquer direitos. Com o passar dos séculos, centenas de subdivisões surgiram e continuam surgindo.

origem das castas (reprodução de imagem da Internet)

origem das castas (reprodução de imagem da Internet)

Os homens hindus pertencem à determinada casta por hereditariedade, não podendo contrair matrimônio fora dela (sistema endógamo), migrar para outra casta ou abandoná-la, sob quaisquer circunstâncias. Na verdade, é interessante notar que não é possível ascender a outra classe social, mas permite-se que se baixe na escala; por exemplo, alguém que infrinja uma lei ou viole uma regra social, pode ser rebaixado à categoria de dalit, colocando todos os seus descendentes na mesma condição.

Esse sistema hierárquico de castas, isto é, sacerdotes, guerreiros, comerciantes e camponeses livres, que excluía os povos indígenas ao rotular suas ocupações como “impuras”, se sustentava e ainda se sustenta dentro da ideia de transmigração das almas.

Para os Brâmanes, todos os homens vivem dentro do que eles denominam de “Roda de Sansara”, o ciclo de nascimentos, mortes e renascimentos. A ideia original e o âmago de toda a concepção é que a alma humana é imperfeita. Devido à sua imperfeição, ela necessita evoluir e o faz por meio de sucessivas encarnações, sob diferentes formas de vida (animais e humanas), de acordo com o seu carma (ou karma), isto é, a soma dos méritos e deméritos de uma vida.

O carma pode ser traduzido literalmente como “ação”, “obra” ou “feito” e é compreendido como um princípio moral de causa e efeito, ou seja, uma ação executada sempre produz uma reação ou consequência; o carma seria um saldo na vida das inevitáveis consequências de atos passados.

De acordo com os Upanishads – escrituras hindus –, um indivíduo, conhecido como jiva-atma, desenvolve samskaras ou impressões na sua vida, a partir das ações (carmas), sejam elas físicas ou mesmo mentais, que ele produz durante a sua existência (o homem vai “marcando” sua vida de impressões, de acordo com seus atos). Algo que poderíamos compreender como “alma” armazenaria essas impressões durante a vida e as carregaria para uma vida seguinte, estabelecendo uma trajetória única para esse indivíduo. Nesse sentido, o carma faz com que o homem imprima samskaras no seu caminho que determinarão necessariamente as suas vidas futuras; ou seja, boas ações executadas em uma existência indicariam uma morte e um renascimento em uma forma de vida superior, e más ações determinariam um renascimento em uma forma de vida inferior e assim por diante. Portanto, a ideia do carma indefectível e inevitável justificaria o nascimento do homem em uma ou em outra casta; ou seja, o homem renasceria continuamente em formas de vida superiores (castas melhores) ou inferiores (castas piores, sem nenhuma casta, em corpos de insetos, etc.) determinadas pelo carma (tudo que ele fez nas vidas passadas – ações elevadas e boas ou consideradas ruins). Podemos dizer que o carma une os conceitos de livre arbítrio e destino.

Analogicamente, entende-se que uma alma reencarnada abandona um corpo velho e inútil para se utilizar de um novo corpo material, assim como uma roupa velha deve ser jogada fora e trocada por uma nova; nesse processo de sucessivas reencarnações, o carma determinaria “qual roupa” (o corpo de um dalit, de um comerciante, de um brâmane, de um leão, de um inseto, etc.) seria utilizada em seguida da outra, até chegar “à roupa” perfeita, ou seja, a uma forma de vida entendida como superior e perfeita espiritualmente. Somente assim, a evolução da alma seria possível. Para a maioria das crenças hindus, são necessárias muitas e muitas reencarnações para que uma alma, finalmente, atinja a evolução e a perfeição pretendidas. Apenas a alma perfeita e evoluída espiritualmente tem a capacidade de escapar desse ciclo indesejável de reencarnações; dessa forma, a casta social na qual o indivíduo nasce seria, portanto, a indicação do seu status espiritual – o quão perto ou longe o homem está da evolução completa de sua alma e, assim, de sua salvação.

Esse ciclo contínuo de morte e de renascimento – a roda de sansara – é a prisão do homem e, portanto, a libertação dessa roda, isto é, a libertação do ciclo de reencarnações (chamada de moksha) e a consequente união com Deus, só pode ser almejada e alcançada se o espírito for capaz de evoluir.

Para a maior parte das tradições hinduístas, a meta final de uma vida deve ser exatamente a fuga dessa transmigração da alma e a consequente salvação (moksha ou nirvana). Inicialmente, para o pensamento hindu clássico, o homem tem quatro objetivos na sua existência: dharma (retidão), artha (riqueza e sustento), kama (prazer sensual) e moksha (libertação). Acredita-se que, num caminho ainda ingênuo e imaturo, o homem comece seguindo o kama e o artha; com maturidade, os desejos podem ser controlados com o dharma e o objetivo maior do moksha, a absoluta felicidade, finalmente atingido.

A moksha consiste em libertar-se do carma, em libertar-se do renascer e unir-se a Deus, ou Brahma, o eterno princípio por trás de toda a existência, consiste no alcance da perfeição mental. Somente a moksha asseguraria a paz e a felicidade duradouras, pois, reencarnar é sempre continuar participando das dores do mundo, como se fosse o recomeço do sofrimento.

Para alcançar a libertação do sansara e a união com Deus são necessários, em um primeiro momento, o sacrifício e, no segundo, o conhecimento. A libertação vem com a prática de uma variedade de caminhos sagrados (chamados, em geral, de yogas), dos quais os principais são o ascetismo, o culto devocional e a disciplina da ioga, bem como ações consideradas apropriadas a uma casta determinada. Então, se um homem renasce como um intocável, um dalit, ele deve aceitar essa condição, por entender que sua alma ainda precisa evoluir muito, e agir conforme manda a sua casta, procurando impregnar sua existência de boas impressões por meio das ações corretas esperadas dele.

Assim, para o homem comum, o hinduísmo significa também a observação cuidadosa de regras (regras correspondentes a sua casta) quanto ao casamento, alimentação (dieta vegetariana), vida social e participação e adoração nos templos sagrados. O culto hinduísta inclui atos não obrigatórios, mas muito valorizados, como a peregrinação aos numerosos locais sagrados, principalmente o rio Ganges e a cidade de Varanasi. Permeando todo o hinduísmo, há sempre essa tensão constante entre a ênfase nos deveres da pessoa perante a sociedade e à religião (dharma = lei) e o ideal de renúncia ao mundo material – a espiritualidade é o que importa.

Os caminhos devocionais dizem respeito à adoração e ao culto de divindades. O hinduísmo é, de um modo geral, politeísta. Embora o brahman seja uma entidade abstrata, sem atributos humanos, a maioria dos hindus, na prática, cultua um grande número de deuses e deusas com características antropomórficas. Cada uma das divindades, porém, é objeto de devoção monoteísta, com cultos separados e distintos.

Na verdade, o hinduísmo é um sistema tão diversificado de pensamento, que suas crenças abrangem o monoteísmo, politeísmo, panenteísmo, panteísmo, monismo, teísmo e até ateísmo, e o seu conceito de Deus é bastante complicado, estando vinculado a cada uma das suas tradições, correntes e filosofias. Por vezes é tido como uma religião henoísta,  isto é, que envolve a devoção a um único deus, embora aceite a existência de outros. O hinduísmo, como vimos, evoluiu tanto através dos séculos, tanto por meio da inovação interior quanto pela assimilação de tradições ou cultos externos ao próprio hinduísmo, que o resultado foi uma variedade enorme de tradições religiosas. De qualquer modo, a esmagadora maioria dos hindus abraça uma variedade de divindades e cultos que tornam o hinduísmo uma das religiões mais complexas do mundo.

As divindades hinduístas se originaram como parentes distantes dos deuses gregos e evoluíram em uma infinidade de representações, entre contos metafóricos e muito simbolismo. São mais de 300 mil divindades diferentes as cultuadas pelos hindus.

Além das divindades principais, Brahma, Vishnu e Shiva, há numerosas outras que ocupam importantes e diferentes posições no panteão hindu. Dentre elas, as mais conhecidas são Hanuman (o deus macaco) e os dois filhos de Shiva e Parvati: Ganesha (o deus da cabeça de elefante, invocado pelos crentes antes de qualquer empreendimento para assegurar o seu êxito.) e o jovial Kartkeyya. Bastante popular também é Lacshimi, mulher de Vishnu e deusa da prosperidade, que muitas vezes aparece sentada sobre uma flor de lótus e segurando outra.

Deuses com características zoomórficas também têm espaço e remetem à tartaruga, ao javali, leão e vários outros (que, na maioria das vezes, são avatares ou encarnações dos deuses mais importantes).

Dentre os tantos cultos que se juntaram para formarem o que se denomina hoje de hinduísmo, seis deles sobressaem em popularidade, os quais são denominados coletivamente como os shanmatas (os seis principais cultos de adoração), que são o culto shakta ou shaktismo (adoração da energia universal – Shakti); o culto vaishnava ou vaishnavismo (adoração centralizada no deus Vishnu); o culto shaiva ou shaivismo (adoração do deus Shiva); o culto ganapatya (adoração do deus Ganesha, também conhecido como Ganapati); o culto kaumara (adoração do deus Kumara, que também atende por Skanda, Subramanya, Karthikeya e Muruga); e o culto saura (adoração do deus-sol Surya).

Dentre estes, os cultos shaiva (shivaista) e o vaishnava (vishnuista) são os mais populares e é da tradição deste último, a adoração a Vishnu ou qualquer um de seus avatares, que o Movimento Hare Krishna se originou.

O hinduísmo foi difundido pelo mundo através de migrações pelo Sudeste Asiático, África Oriental, África do Sul, Reino Unido, EUA, Caribe e Canadá. Hoje, são milhões de adeptos ao redor do planeta, sendo a Índia o local de peregrinação sagrado de todo hindu.

Atualmente, o hinduísmo passa por uma crescente secularização. A Constituição Indiana não proíbe o sistema de castas, mas rejeita e proíbe a discriminação com base nas castas, em consonância com os princípios democráticos e seculares que fundaram a nação e não é por acidente que poucos Brâmanes ocupam hoje cargos no governo. Segundo o governo, o sistema de castas não existe mais no país e, de fato, as barreiras de casta deixaram de existir nas grandes cidades, mas claramente ainda persistem principalmente na zona rural do país e no Rajastão, estado mais tradicionalista e conservador da Índia, ao norte do país. Na verdade, o sistema se perpetua na tradição, de modo velado, e interfere diretamente na qualidade de vida da população indiana, embora a maioria não admita.

A segregação incita à desigualdade social, já que um indivíduo não poder ascender para uma casta superior, sendo impedido não por leis constitucionais, mas pelos próprios indivíduos de castas superiores que discriminam outros de castas mais baixas, dificultando seu acesso a empregos ou educação. O governo tem ciência disso e oferece cotas de ajuda para os dalits.

Na minha passagem pela Índia, tive contato com noções aparentemente absurdas para qualquer ocidental; um dos meus amigos indianos me disse, por exemplo, que os banheiros, mesmos das casas de famílias mais abastadas, eram sempre sujos, uma vez que a mulher hindu de uma casta melhor se recusava a limpar a própria imundície, sendo esse um trabalho para os dalits – os intocáveis. Já os dalits, cada vez mais “ocidentalizados” e num crescente movimento de luta pelos próprios direitos, também vêm recusando os trabalhos considerados degradantes, que ninguém quer, e tentando seu avanço de vida nas grandes cidades, nas quais o rígido sistema de castas vem perdendo força, atacado pelos valores capitalistas.

Alguns críticos ocidentais fazem equivaler o regime de castas a noções cristãs que geram um conformismo social, isto é, a tendências de aceitar injustiças, a pobreza e as discriminações culturais e sociais porque “Deus assim quis” ou dentro do pensamento “não questionemos os desejos de Deus”. Na Índia, as castas determinam a função das pessoas na sociedade se utilizando não de critérios de esforço e trabalho, mas critérios religiosos imutáveis. Ao acreditar na reencarnação e na mudança para uma casta melhor em outra vida, o hindu também tenta viver de acordo com as regras que ganhou nessa vida e evoluir espiritualmente, a fim de que isso ocorra. Por tudo isso, a ideia de conformismo se coloca em evidência; as pessoas se conformam com as mazelas desse mundo na esperança que o futuro (ou até uma vida futura, no caso do hinduísmo) – “que a Deus pertence” – seja melhor…

Há quem ainda diga, por outro lado, que o regime de castas é social e culturalmente válido no contexto indiano, preservando a cultura, a tradição e gerando não um conformismo, mas uma aceitação da vida como ela é e, assim, uma relativa felicidade. Para esses autores, o mal do ocidente é exatamente a ambição e a perda do homem do seu papel na sociedade; o homem está perdido e desorientado; não se concentra no presente e só pensa no futuro, o que o deixa cada vez mais triste e deprimido, na busca de um ideal utópico.

Bem, eu tenho lá minhas dúvidas em relação a todos esses argumentos. De qualquer maneira, a Índia tenta conciliar as suas tradições milenares a esses crescentes gritos por justiça social e ideias de liberdade do ocidente. Mais de um bilhão de hindus ainda sentem-se orgulhosos de sua fé e procuram abraçar uma Índia moderna que não considere vãs as suas crenças milenares.

Os símbolos do hinduísmo

Possivelmente, nenhuma outra religião é tão repleta de símbolos como o hinduísmo. E todos os hindus são tocados por este simbolismo, de alguma forma ou de outra.

O simbolismo hindu básico, descrito abaixo, é enunciado nos Dharma shastras, textos antigos.

O Om ou Aum

Como a cruz é para os cristãos, o OM é para os hindus. Esse símbolo é composto de três letras sânscritas – aa, au e mawhich – que, quando combinadas, fazem o som “aum” ou “om” (considerado o único tom primordial da criação). O símbolo ocorre em cada oração e a maior parte das invocações de divindades começa com ele. Como o símbolo de piedade, o Om é frequentemente encontrado em cabeçalho de cartas, pingentes, joias e consagrado em todos os templos hindus e santuários familiares.

O Om é uma sílaba sagrada que representa o Brahman ou o Absoluto – a fonte de toda a existência. Brahman, em si, é incompreensível e não tem uma imagem; assim, um símbolo torna-se obrigatório para ajudar a perceber o incognoscível. A sílaba Om ocorre mesmo em palavras em outras Línguas com um significado semelhante, por exemplo, “onisciência”, “onipotente”, “onipresente”. Então, o Om é também usado para significar a divindade e a autoridade. Sua semelhança com o latim “M”, como também com a letra grega “Ômega” é perceptível. Mesmo a palavra “Amém”, usada pelos cristãos para concluir uma oração, parece ser semelhante ao Om.

OM (reprodução de imagem da Internet)

OM (reprodução de imagem da Internet)

A Suástica

Em segundo lugar em importância, atrás do OM, está a suástica (ou cruz gamada), um símbolo que também foi adotado como o emblema nazista. Ele tem um grande significado religioso para os hindus e também está presente em templos e sobre objetos de uso corriqueiro, como joias, adesivos de carros e peças decorativas, funcionando como um amuleto com o poder de proteção e boa sorte.

A suástica não é uma sílaba ou uma letra, mas uma figura pictórica na forma de uma cruz com ramos dobrados em ângulo reto, no sentido horário (ou anti-horário). Imperativo para todas as celebrações religiosas e festivais hindus, a suástica simboliza a natureza eterna do Brahman, pois aponta para todas as direções, representando assim a onipresença do Absoluto.

Acredita-se que o termo “suástica” seja uma fusão das duas palavras em sânscrito “Su” (bom) e “Asati” (a existir – ou uma forma abstrata do verbo Ser), que, quando combinadas, significam “Que o bem prevaleça”; sem que nenhum som esteja conectado a ela. Os historiadores dizem que a suástica poderia ter representado uma estrutura real e que, nos tempos antigos, fortes foram construídos por razões de defesa em uma forma muito parecida com seu desenho.

Não são só os hindus que tem na suástica um símbolo sagrado. Os astecas, celtas, budistas ou gregos, além de muitos outros povos, também foram e ainda são culturas que valorizam o símbolo, tido como um dos mais antigos da humanidade (ele aparece em diversas culturas, do ocidente ao oriente, desde o período neolítico).

Na Índia, a suástica é um símbolo santo e auspicioso hindu há pelo menos 1500 anos, sendo encontrada, como já mencionado, em templos, altares, na iconografia sagrada, sobre portas, pratos e vários objetos comuns. A decoração de festivais, cerimônias diversas e casamentos também contam com o símbolo. Ela também indica estabilidade e solidez, já que é vista como indicadora das quatro direções (norte, sul, leste e oeste). Voltada para a direita, representa ainda a evolução do universo.

A suástica é um dos mais de 100 símbolos de Vishnu e, nesse contexto, representa os raios do sol, sem o qual a vida não existiria. O deus Ganesha, por sua vez, muitas vezes aparece sentado sobre uma cama de suásticas. Já entre os hindus de Bengala e atual Bangladesh, é comum ver o nome da suástica ser aplicado a um desenho ligeiramente diferente, mas com a mesma significação da suástica comum, e da mesma forma usada como sinal auspicioso. Este símbolo se parece um tanto com a figura de um ser humano e é um nome bastante comum entre os bengali, a tal ponto de uma importante revista de Calcutá se chamar “Suástica”.

suástica aos pés de Ganesha (reprodução de imagem da Internet)

suástica aos pés de Ganesha (reprodução de imagem da Internet)

Os budistas também utilizam o símbolo largamente, especialmente na entrada de templos, mas em razão da associação da suástica voltada para a direita com o nazismo, após a segunda metade do século XX, a suástica budista fora da Índia tem sido utilizada apenas na sua forma 卍, virada para a esquerda.

no budismo (reprodução de imagem da Internet)

no budismo (reprodução de imagem da Internet)

Esta forma da suástica é comum também nas caixas de comida chinesa, indicando que o conteúdo é vegetariano e pode ser comido por budistas de princípios mais rígidos. A figura também é bordada com frequência nos colarinhos das blusas das crianças chinesas, para protegê-las de maus espíritos.

O Jainismo dá, inclusive, mais ênfase à suástica que o hinduísmo. Para os jainistas, a suástica é um símbolo do progresso humano e representa o sétimo Jina (Santo). É considerada uma das 24 marcas auspiciosas. Todos os templos jainistas, assim como seus livros santos, contêm a suástica. Suas cerimônias começam e terminam com o desenho da suástica feito várias vezes em volta do altar.

Os adeptos também usam o arroz para desenhar a suástica (também conhecida por “Sathiyo” no estado indiano de Gujarat) diante dos ídolos nos templos. Os jains colocam uma oferenda sobre esta suástica – geralmente uma fruta, um doce (mithai), uma fruta em passa ou ainda uma moeda ou cédula de dinheiro.

No ocidente, o símbolo da suástica se tornou um tabu. Em primeiro lugar, até o início do século XX, a suástica era extensamente utilizada no oriente, mas pouco divulgada na maioria dos países ocidentais, salvo por homens de religião que propalavam sua fé nessas terras. A partir da segunda metade do século XX, a suástica, associada a Hitler e aos ideais nazistas, ganhou fama por todo o planeta, mas infelizmente seu papel foi reconhecidamente negativo, sendo que as pessoas, em geral, desconhecem seu valor histórico sagrado e antiquíssimo. A representação de esperança e do bom presságio da suástica é ignorado por praticamente todo o ocidente.

O uso da suástica foi ligado por teóricos nazistas à sua hipótese da descendência cultural ariana dos alemães, devido às pesquisas de teóricos evolucionistas do século XIX. Os arianos foram os descendentes dos indo-europeus que fundaram a civilização indiana, subjugando as populações locais e dando origem ao sistema de castas, pelo qual alguns indivíduos são reconhecidos como superiores, por critérios divinos.

Seguindo a teoria da invasão ariana da Índia, os nazistas reivindicavam que os primeiros arianos na Índia introduziram o símbolo, que foi incorporado nas tradições védicas, tornando a suástica, então, o símbolo protótipo dos invasores brancos. Também acreditavam que o sistema de castas hindu tinha sido um meio criado para se evitar a miscigenação. Com isto, os nazistas justificaram a cooptação da suástica como um símbolo da raça ariana. O conceito de pureza racial, adotado como central na ideologia Nazista, não utilizou, porém, nenhum dos métodos modernamente aceitos como científicos.

O uso da suástica, como logotipo, por Hitler e pelo Partido Nazista e, na atualidade, por neonazistas e outros grupos preconceituosos de supremacia branca fez, dessa maneira, com que a maioria das pessoas do ocidente associasse a suástica às ideias e atos destes grupos. Hoje, por consequência, vários países ocidentais legalmente consideram racista o uso da suástica e a sua divulgação e exibição para fins nazistas constitui crime, com exceção dos fins educacionais ou para demonstrar oposição ao nazismo (por exemplo, uma suástica quebrada, cruzada, etc.). Alguns países não deixam claro, entretanto, se fica também proibida a construção de templos budistas ou jainistas nos seus territórios, que possam se utilizar da suástica como originalmente o faziam.

Uma curiosidade foi um fato ocorrido no Canadá, em 2002. Um carregamento de brinquedos chineses que traziam a suástica impressa nas etiquetas foi todo recusado pelo país, causando certo embaraço diplomático.

Na atualidade, grupos religiosos procuram combater as ideias negativas de fascismo, racismo, holocausto e guerra que foram vinculadas à cruz gamada por meio do nazismo alemão. Um grupo norte-americano conhecido como “Amigos da Suástica” promove a divulgação dos significados originais do símbolo e faz questão de demonstrar veementemente que são completamente contrários ao nazismo ou qualquer outra ideologia racista.

suástica hindu (reprodução de imagem da Internet)

suástica hindu (reprodução de imagem da Internet)

A Cor Açafrão  

Se houver qualquer cor que pode simbolizar todos os aspectos do hinduísmo, é o açafrão – a cor da Agni ou fogo, que reflete o Ser Supremo. Como tal, o altar de fogo é considerado como um símbolo distinto dos antigos ritos védicos. A cor de açafrão é também auspiciosa para os sikhs, budistas e jainistas e parece ter obtido um significado religioso muito antes de essas religiões tivessem vindo a existir.

A adoração do fogo teve sua origem na era védica. O hino mais importante no Rig Vêda glorifica o fogo: “Agnimile purohitam yagnasya Devam rtvijam, hotaram ratna dhatamam”. Quando os sábios se mudavam de um ashram (eremitério ou tipo de monastério hindu) para outro, era costume levar o fogo junto. A inconveniência de transportar uma substância queimando por longas distâncias pode ter dado origem ao símbolo de uma bandeira de açafrão. Bandeiras de açafrão eram triangulares e muitas vezes bifurcadas; elas vibram sobre a maioria dos templos sikhs e hindus. Enquanto sikhs consideram o açafrão como uma cor militante, monges budistas e hindus santos usam vestes desta cor como um sinal de renúncia da vida material. As mulheres hindus também usam um círculo vermelho alaranjado na testa para indicarem que são casadas e os homens para indicarem sua fé no hinduísmo.

A Flor de Lótus

No hinduísmo, a flor de lótus está relacionada com a criação do mundo. De acordo com as escrituras indianas, foi do umbigo do Deus Vishnu que teria nascido uma brilhante flor de lótus e desta teria surgido outra divindade, Brahma, o criador do cosmo. Nas gravuras indianas, deuses costumam aparecer em pé ou sentados sobre a flor. Isso ocorre com as representações do deus elefante, Ganesha, e de Lakshmi – a deusa da prosperidade. Também existe a crença de que o conhecimento espiritual supremo é comparado ao florescimento de uma flor de lótus na cabeça. Ainda em botão, ela representaria possibilidades infinitas e aberta simbolizaria a elevação do espírito, da luz, da meditação, da pureza e da imortalidade.

O lótus também é essencial para a prática da ioga. Assim como não se pode conceber hinduísmo sem ioga, não se pode conceber ioga sem o lótus.

Leave a comment

Leave a comment

Blog at WordPress.com.