Luxor

Luxor

Deixamos Assuã (Aswan, em inglês), cidadezinha quase na fronteira com o Sudão, durante a tarde e chegamos a Luxor, um dos principais centros egípcios, à noitinha, de trem (www.sleepingtrain.com). Mais uma vez, fomos sumariamente engambelados pelo taxista que ficou girando conosco muito mais do que o percurso exigia. Descobrimos isso, à luz do dia, quando percebemos o quão perto da estação de trem era nosso hotel, na Rua Khaled Ibn El Walid. Dava até pra ir a pé. Porém, atordoados e cansados, na noite anterior, pagamos nada menos do que seis vezes mais o valor real da corrida, e claro que depois de alguma discussão.

Mais uma vez, vale abrir parênteses para o digníssimo hotel Gaddis, tão lindamente aconchegante na fotinho da Internet, com seus quartinhos de varanda rodeando a piscina, e mais um motivo de briga para mim. A fachada e recepção não inspiravam muito, apesar de não serem de todo horrorosas. Cansada de dar gorjetas e com uma mala pequena, dispensei veementemente o carregador, que fez que não me ouviu e nos orientou ao elevador. Ao fechar das portas, as luzes sinistramente se apagaram e deram lugar à iluminação interna, das paredes do fosso, decoradas com toscos desenhos dos tradicionais egípcios antigos com seus adornos e seus pezinhos de perfil. Os desenhos eram péssimos, mas a reação de surpresa a eles, inevitável. Sorrimos timidamente e o carregador, que vira aquilo provavelmente pela trocentézima vez, permaneceu impassível. No corredor para os quartos, meu amigo, cuja cara já não era das mais felizes, soltou um sonoro “Fuck me!” ao ver a paisagem externa e eu pensei que nunca mais veria aquela expressão tão bem contextualizada. Como estávamos em um andar mais alto, era possível ver a laje dos prédios vizinhos, que evidenciavam um estranho hábito egípcio. Na falta de apartamento na praia, as pessoas colocam tudo o que não presta em cima dos edifícios, na laje. Tem cama velha, cadeira quebrada, entulho, mesa sem pé, e mais toda a sorte de bagulhada possível. A expressão do meu amigo, vendo o prédio bem em frente ao nosso quarto lotado de lixo em cima e ainda o terreno ao lado nas mesmas condições foi fulminante. Me agarrei à esperança do nosso quarto configurar um fator compensatório, equilibrando nossos sentimentos de amor e ódio, mas me resignei completamente, aceitando o triste destino, quando o verde limão da decoração nos acertou em cheio, acompanhado da mobília velha e das toalhas sujas. O carregador de malas saiu prontamente, como se também tivesse ficado constrangido e meu amigo e eu fomos explorar o inevitável. A torneira do banheiro estava solta e o chuveiro jorrava gotas escaldantes e assassinas diretamente nos olhos, e só neles. Fomos dormir e, às 5 da manhã, o muazim de uma mesquita, vizinho ao hotel, nos acordou, chamando os fiéis para a reza. Aliás, havia seis perto do hotel e, assim como no Cairo, quando todos começam a entoar os cânticos, atraindo os muçulmanos, o barulho fica quase insuportável. Mais uma vez, eu sozinha teria achado graça de tudo, mas novamente resignada, segui meu amigo a outro hotel no dia seguinte, dia 10, que, diga-se de passagem, ele pagou. Antes da mudança de hotéis, porém, ali mesmo no Gaddis, fomos, em vão, tentar ver se pelo menos o café da manhã valia a pena e, de fato, ele era deplorável e patético, constituindo-se de sucrilhos empoeirado, leite com mosca e café fraco. Era só isso mesmo, sem exageros. Enfim, saímos do Gaddis e nos dirigimos ao Saint Joseph´s, na mesma rua, a alguns metros. Esse, eu recomendo. O preço era praticamente o mesmo, mas os quartos, ainda que simples, eram bastante limpos; o café da manhã, farto e variado – dentro dos padrões locais – e ainda havia um restaurante muito agradável e acessível no topo do prédio, com a vista do Nilo e das montanhas rochosas. Apesar de não achar necessário, a mudança trouxe alívio a todos.

rio Nilo

rio Nilo

Depois de nos acomodarmos no hotel Saint Joseph´s, fomos almoçar. Atacamos um KFC mesmo, por medo de algo muito diferente, já que eu não estava me sentindo muito bem e minha amiga, que saíra do Brasil em meio a um tratamento de pele, parece que tinha voltado à adolescência só na parte chata, a da cara toda empelotada. Em conversa por telefone com o médico, chegamos à conclusão que poderia ser a água e fomos à busca da pomada dermatológica indicada. Novamente, a semelhança entre Brasil e Egito, no quesito “vamos tirar uma casquinha, levar uma vantagem, passar a perna nuns trouxas” pôde ser lindamente notada. Na primeira farmácia, falando inglês, o remédio custava 75 Pounds. Na segunda, meu amigo entrou sozinho falando árabe e o mesmo creme saiu por 3. É mesmo inacreditável…e tristemente natural…

Aqui, o assédio dos vendedores e condutores de charretes também é bastante irritante. Um deles chegou a nos seguir por quarteirões até o KFC, oferecendo seus serviços. Nós entramos, comemos e saímos e ele ainda estava lá, nos esperando, como se tivéssemos pedido. Enfim, diante de mais uma negativa, ele fez cara do gato do Shrek, mas se desgrudou da gente quando outro casal de turistas, graças a deus, aceitou sua proposta. Até na porta do quarto do hotel, havia um aviso enorme sobre desconfiar sempre de motoristas de táxi, condutores de charretes e vendedores.

Nesse dia, depois do almoço, negociamos um passeio basicão na recepção do hotel. Tenho falado aqui sobre nunca aceitar os passeios oferecidos pelo hotel, justamente porque nós erramos nisso e, agora, eu tenho ciência desse fato. Na verdade, o que é negociado é somente o táxi ou a van. Os ingressos não entram no pacote. Assim, vale muito mais mesmo barganhar na rua, diretamente com o taxista, sempre, é claro, acordando o preço antecipadamente e se certificando de que o mesmo inclui tudo: a ida, a volta, as gorjetas e o tempo necessário. Os passeios são sempre os mesmos e, geralmente três dias em Luxor é mais do que suficiente. Assim, contratamos o serviço na recepção para os templos de Luxor e Karnac, para o primeiro dia. Custou 150 Pounds que eu ainda pechinchei, mas, mesmo dividido em três, ficou caro. Confesso, porém, que eu já estava de saco muito cheio de discutir e, então, escolhia os caminhos mais fáceis. Meu amigo ficava naquela dúvida, se saía para a rua para abordar um taxista, se falava com alguém da recepção, se fazia contas, se me xingava, se casava ou comprava uma bicicleta e, assim, eu já estava me antecipando. É difícil mesmo não saber onde se está. A gente se complica, pois, na verdade, não tem ideia de onde são os pontos turísticos, quanto tempo leva para chegar a eles ou se só perderemos tempo fazendo tudo sozinhos, correndo o risco de nos perdermos ou coisa pior e, dessa forma, vez ou outra, cedíamos ao caminho mais fácil. Por isso, se voltasse novamente a Luxor, e essa é minha dica aqui, e se ficasse na mesma área, saberia que o Templo de Luxor é tão perto que dá pra ir a pé e, para o Templo de Karnac, poderíamos atravessar o rio de barco e ir de táxi por, no mínimo, metade do preço. Se desejarem fazer tudo de táxi, tenham a certeza de barganhar com o motorista, pelo menos, a metade do que a recepção estiver cobrando, ou até menos!

Há, claro, os passeios guiados, que também são oferecidos, com pessoas aptas a narrar os acontecimentos históricos dos locais visitados, alguns até egiptólogos. Entretanto, geralmente, o que os hotéis oferecem é mesmo só a condução.

Enfim, chegamos primeiro ao Templo de Karnac, sob um sol de rachar côco. Esse templo é um complexo arquitetônico que abrange uma área enorme, de cerca de 40 hectares e foi sendo aumentado ao longo de várias dinastias, por quase 2 mil anos! As colunas são grandiosas, extremamente altas e os desenhos incríveis! Logo na entrada, há a chamada “Floresta de Pedras” (Sala Hipostila), destaque do templo, com suas 134 colunas gigantescas, que outrora sustentavam o teto! Em alguns pontos, os desenhos em partes do teto original, que ainda sobraram, estão surpreendentemente nítidos, com cores vivas e fortes. Em todas as colunas, estão gravados nomes de faraós, entre eles Ramsés e Seth, emblemáticos…

Em recente documentário que eu vi no Discovery Channel, a última teoria sobre como essas enormes colunas foram erguidas, já que não havia guindastes na época, é, na verdade, até bem simples: se olharmos de perto, as colunas são seccionadas, há linhas que aparecem nitidamente; assim, os estudiosos dizem que a cada parte acrescentada, mais areia era distribuída no chão, entre as colunas, para que a altura de acesso aumentasse; isto é, colocavam areia para subir e alcançar mais altura, a fim de completar mais partes das colunas e, uma vez que elas estivessem inteiras, a areia era retirada.

Templo de Karnac

Templo de Karnac

entrada

entrada

Karnac

Karnac

colunas em Karnac

colunas em Karnac

Karnac compreende vários templos e edifícios e está dentro do sítio de Tebas Antiga (Tebas das Mil Portas, que foi capital do Novo Império), tendo sido o principal lugar de adoração aos deuses de Tebas (tríade de Tebas), dentre os quais está Amon-Rá, o deus sol (Luxor é, na verdade, a antiga Tebas). O início da construção de Karnac data de 2.200 a.C. aproximadamente e, através das gerações (ao longo de quase dois mil anos), foi sendo ao mesmo tempo, desmontado e ampliado, acrescido de outros templos, por diversos faraós, por volta de 30, mais exatamente. Karnac é uma imensidão e, para ver e apreciar tudo, é possível ficar até um dia inteiro. Como nunca temos o tempo suficiente, só fomos andando através das colunas, estátuas e obeliscos, sem muito critério. A certo ponto, como estávamos afastados dos outros turistas e nos encontrávamos a sós em uma parte afastada das salas principais, fomos surpreendidos por um senhor muito magro, de turbante branco e trajes típicos, que nos fez sinal para que o seguíssemos. Como qualquer turista, mochileiro ou viajante que se preza, nós também tomamos a “pílula da coragem e falta de discernimento” ao sairmos de casa e, assim, seguimos o dito cujo. Olhamos um para o outro, concordamos em deixar o juízo de lado e fomos atrás do homem, como os resignados ratos do flautista, hipnotizados com cada olhar furtivo que ele nos lançava, olhando para trás e nos atraindo com o dedinho indicador, como uma criança que fez arte, rumo a algo proibido. Sem nenhuma palavra, atravessamos o templo a uma área fechada para o público, onde os trabalhos de escavação e restauração ainda estavam em curso e, nos deixamos levar por escadas tortuosas e corredores estreitos, onde a túnica cinza claro do guia deixava marcas na areia do chão.

Venham... Venham

Venham… Venham

caminhos proibidos

caminhos proibidos

Ele abriu cadeados, acendeu luzes e, finalmente, nos encontramos numa área alta do templo, em salas fechadas, repletas de desenhos incrivelmente bem conservados, explodindo em laranjas, vermelhos, marrons, dourados! Imagino que, como esses desenhos e hieróglifos ainda mantêm as cores originais e não estão apagados como no resto do complexo, no qual conseguimos ver somente os relevos, eles não estão abertos ao toque do público que, muito provavelmente, destruiria as cores. Como disse, no resto do templo, somente partes do teto ainda exibem cores. Não tocamos em nada, só olhamos, embasbacados e ouvimos algumas curiosidades, até sobre maquiagem, do nosso guia proibido. Obviamente, demos uma substanciosa gorjeta a ele, pelo passeio fora da lei e seguimos nosso caminho, nos deleitando com a sorte.

detalhes nas paredes

detalhes nas paredes

cores vivas!

cores vivas!

No Templo de Karnac, também podemos observar o maior obelisco do Egito, erigido em mármore rosa. Ele tem 27 metros de altura e pesa mais de 300 toneladas; suas inscrições são alusivas à rainha Hatshepsut, uma das maiores governantes do Egito Antigo.

Por fim, andamos mais um pouco em Karnac e nos dirigimos ao carro que nos esperava na saída, rumo ao próximo destino, o Templo de Luxor. Na antiguidade, os templos de Karnac e Luxor eram conectados, por uma avenida de cerca de 3 km, 2700 metros, mais precisamente. Essa avenida, que servia ao rei durante procissões religiosas, era ladeada por esfinges com cabeça de carneiro, perfeitamente alinhadas, que hoje se encontram tanto na entrada do Templo de Karnac, quanto nas portas do Templo de Luxor. As pequenas esfinges tinham corpo de leão e cabeça de carneiro ou cabeça humana e representavam o deus Amon. O templo de Karnac ficou, por séculos, soterrado nas areias do deserto quando, somente no século XVIII, foi finalmente redescoberto por arqueólogos e egiptólogos. Depois disso, a área foi vítima de muito vandalismo e pilhagem. Hoje, por exemplo, as pequenas estátuas de esfinges, que também representam a fertilidade, não ligam mais os dois templos e só existem nos trechos imediatamente em frente a cada um deles. Apesar de todo o roubo e venda dos adornos no mercado negro, recentemente, no final de 2010, arqueólogos descobriram doze novas esfinges na antiga “avenida” entre os templos de Karnac e Luxor. O caminho, inicialmente construído pelo faraó Amenhotep III (1391 a.C. – 1353 a.C.), foi posteriormente restaurado por Nectanebo I (380 a.C. – 362 a.C.) e as estátuas encontradas esse ano, segundo os egiptólogos, datam do período da primeira restauração. Além do festejado acréscimo das 12 esfinges recém-descobertas ao antigo caminho de união entre os dois templos, arqueólogos também encontraram um novo percurso que liga a “avenida” ao rio Nilo. Até agora, o estágio inicial das escavações só revelou 20 dos 600 metros do trajeto. Estima-se que o caminho original contivesse 1300 esfinges lado a lado. Enfim, nos dirigimos ao templo de Luxor.

O Templo de Luxor é bem menor e encontra-se, atualmente, no meio da cidade. Ele sozinho contém traços das épocas faraônica, Greco-Romana, cristã e islâmica. Há até uma mesquita nele, mas claro, à custa da destruição de partes de outras épocas, assim como afrescos católicos sobre antigos hieróglifos.

mesquita sobre muro do Egito Antigo

mesquita sobre muro do Egito Antigo

No Egito, é interessante dizer que os templos da antiguidade devem ser um paraíso para estudiosos, egiptólogos e arqueólogos que podem passar a vida apenas analisando as camadas deixadas por cada governante em diferentes períodos dinásticos e históricos, isso porque a partir do momento do início da construção de um templo, parece que ele jamais se concluía, tais eram os vários governantes diferentes que, ascendendo ao poder, tinham a obrigação de atestar sua força, modificando um templo, ampliando-o, alterando-o e, infelizmente, por vezes, destruindo, apagando ou raspando inscrições, estátuas ou quaisquer outras indicações que lembrassem o governante anterior, numa manifestação de superioridade e ignorância.

Assim, o Templo de Luxor foi iniciado por Amenhotep III e, como todos os outros, posteriormente ampliado e modificado por Tutankhamon, Ramsés II e vários outros faraós, além de líderes cristãos e muçulmanos. Diz-se, inclusive, que um governante árabe, Méhémet Ali, no século XIX, trocou um dos dois obeliscos que compunham a frente do templo por um relógio da França, que hoje encontra-se na Mesquita de Alabastro/ Mohamed Ali (Cidadela, no Cairo). Essa troca, a fim de dar um presente ao governo Francês, comprometeu irremediavelmente a simetria da entrada do templo, dando a ele a meiga alcunha de “templo banguela”. Curiosidade: o obelisco gêmeo, trocado pelo relógio Francês, é hoje o marco da Place de La Concorde, no centro de Paris, e é o único obelisco egípcio fora do Egito.

Templo de Luxor

Templo de Luxor

Templo de Luxor

Templo de Luxor

Para saber mais sobre a arquitetura dos templos do Egito Antigo, acessem:

https://mochilana.wordpress.com/africa/egito/os-motivos-por-tras-da-arquitetura-e-arte-do-egito-antigo/

Fim da tarde, voltamos ao hotel, jantamos e fomos descansar.

7° dia – Dia 10 de outubro: Templos de Karnac e Luxor

  • 18,00 Almoço no KFC
  • 150,00 Carro para os templos
  • 65,00 Entrada no Templo de Karnac
  • 50,00 Entrada no Templo de Luxor
  • 200,00 Gorjetas
  • 85,00 Jantar
  • 60,00 Farmácia e águas
  • Total do dia: 628,00 EGP

Dia seguinte, pela mesma preguiça e falta de paciência já narradas, pegamos o mesmo carro para os outros passeios em Luxor. Acordamos o valor igual ao dia anterior e meu amigo acabou ouvindo, sem querer, na recepção, a conversa entre o rapaz do hotel e o taxista, que reclamava da comissão abocanhada por eles. O valor dos passeios eram os mesmos 150,00, mas somente 80,00 iriam para o motorista. Só por aí, podemos perceber a economia que um pouquinho de discussão e barganha poderia nos favorecer. Mas, enfim, é o conselho que, só agora, posso dar. Além disso, no dia anterior, o preço provavelmente teria sido até menor, dada a distância do percurso, muito menos do que faríamos hoje. O taxista, que se revelou bastante honesto, nos confirmou todo o esquema, afirmando que até teria preferido que tivéssemos o abordado diretamente na rua, uma vez que ele ganharia até mais do que o hotel lhe repassaria.

Fomos, então, nesse dia, depois do café, à parte oeste da cidade de Luxor. Nos tempos antigos, Luxor se comportava assim como o sol. Do lado leste, onde ele nasce, havia os templos erguidos em homenagens aos líderes e adoração aos deuses e do lado oeste, onde o sol se põe, foram construídas as tumbas, templos mortuários e necrópoles (ou cemitérios). Desse lado, à margem direita do Nilo, estão, então, os Vales dos Reis, Vale das Rainhas e o Templo de Hatshepsut, nossos próximos passeios. É uma área mais afastada e um táxi é mesmo a melhor maneira de chegar lá.

O Vale dos Reis é um imenso vale árido de enormes montanhas rochosas, deitadas sobre o céu de azul intenso, no qual foram enterrados vários faraós e familiares de faraós do Egito Antigo. Na antiguidade, a morte, no Egito, era, de fato, mais celebrada do que a própria vida. Os faraós, deuses na Terra, se preparavam durante a vida inteira para sua gloriosa vida após a morte. Prova disso foi, por exemplo, a técnica sofisticada e apurada de mumificação desenvolvida pelos egípcios. Eles acreditavam que seu corpo, assim como seus pertences, deveriam ser preservados depois da “passagem”, da melhor forma possível. Dessa maneira, no momento em que morriam, os faraós eram mumificados e seus objetos, assim como todo o seu séquito, representado na forma de pequenas estatuetas, de modo que o faraó pudesse ainda contar com os servos no além, eram enterrados com ele. As pirâmides, por exemplo, também foram testemunhos da importância dada pelos antigos egípcios à morte. Elas nada mais eram que enormes “tumbas” e representavam a grandiosidade dos faraós em vida e a exatidão da magnificência na sua morte. Suas construções tomaram a maior parte da vida e esforços de seus idealizadores e construtores e, assim que “descansavam da vida”, como costumavam eufemisticamente dizer, os faraós eram ali dispostos, dentro de seus sarcófagos imponentes e ao lado de seus preciosos tesouros.

O Vale dos Reis teve sua construção iniciada por volta de 1.500 a.C. e foi sendo ampliado ao longo de quase 500 anos. O primeiro faraó a ter seus restos mortais lá depositados foi Tutmósis I (ou Tutmés I), que substituiu as pirâmides pelas tumbas, para seu descanso eterno. Hoje, há mais de 60 tumbas descobertas no vale e os trabalhos de escavação ainda correm de vento em popa. As tumbas variam em tamanho; há desde algumas com apenas uma câmara até as maiores, com até 120 salas internas, dividindo-se ao longo de corredores sombrios e passagens estreitas, dignas dos filmes de Indiana Jones. Na verdade, quando entramos no Vale dos Reis, enxergamos somente as montanhas de imediato que, ao primeiro olhar, parecem somente um amontoado gigantesco de areia e pedras; a partir da entrada, tomamos um pequeno trem até a área onde há a maior concentração de tumbas. Nesse momento, não é mais possível tirar fotografias, infelizmente.

a caminho do Vale dos Reis - casa onde morou Carter

a caminho do Vale dos Reis – casa onde morou Carter

entrada do Vale dos Reis

entrada do Vale dos Reis

A princípio, as tumbas se revelam apenas como portas encravadas nas rochas. A partir dessas modestas entradas, desenrolam-se, como comentei anteriormente, criptas complexas, com várias salas internas, algumas até com mais de 100. São menos suntuosas do que as pirâmides, porém não menos interessantes e intrigantes. É incrível e mais uma vez elogiável o trabalho de engenharia desse povo, que era capaz, em tempos tão remotos, sem eletricidade, sistema de ventilação ou segurança, de construir túneis, salas majestosas e verdadeiros labirintos dentro das montanhas.

Atualmente, é possível o acesso a várias tumbas, mas ainda a maioria não é aberta à visitação; o ingresso pago na bilheteria nos dá o direito de visita a somente três. Porém, as mais famosas, como a do faraó Tutankhamon ou Ramsés VI, exigem pagamento extra. Precisamente por isso, nós não entramos nelas e nos contentamos com as três oferecidas no pacote. E, na minha opinião, elas já valem o passeio. As tumbas mais famosas, com pagamento extra, são maiores em tamanho (com exceção da de Tutankhamon, que é pequena e simples) e estão bem conservadas – assim eu ouvi –, mas nem sei realmente se gostaria de passar mais tempo dentro delas. Assim como na Grande Pirâmide, as tumbas são claustrofóbicas e muito quentes! Na entrada de uma que nós visitamos, um menino prontamente cedia pedaços de papelão, toscamente rasgados, a fim de nos abanarmos, minimizando o calor interno, que, na realidade, não foi em nada refrescado. Abanar aquele “leque de pobre” era puramente psicológico, pois suávamos feito os camelos do deserto. Da entrada, descemos uma escadinha íngreme e sufocante que nos levou a um corredor e dele, à uma grande sala, onde um sarcófago ainda jazia. Ainda havia, nessa tumba, outras salas que hoje encontram-se vazias, mas que guardavam todos os objetos do faraó. As paredes são sempre ricamente decoradas com cenas de rituais funerários, inscrições sobre a vida cotidiana, detalhes e hieróglifos que narram o processo da passagem desse mundo para o próximo e até listas dos objetos internos, enterrados com o soberano. Os desenhos estão em ótimo estado! Em outra tumba, vimos ainda um feto humano, uma “mini-múmia”. Realmente, só mesmo o calor sufocante para fazer com que queiramos fugir mais rápido das tumbas.

No museu do Cairo, como já mencionei, há vários sarcófagos expostos, trazidos do Vale dos Reis, assim como as enormes caixas decoradas com ouro, onde eram conservados, nas tumbas, os tesouros dos faraós, desde jóias e adornos, até camas, cadeiras e escovas para higiene diária. No Vale dos Reis, a tumba de Tutankhamon ainda conserva sua múmia, mas seus pertences, assim como sua máscara mortuária também foram levados para o museu, no Cairo.

Infelizmente, desde o início do século XIX, quando as primeiras tumbas foram sendo redescobertas pelos arqueólogos, o Vale dos Reis vem sofrendo com a pilhagem, destruição e contrabando. Na verdade, o vale deve ser muito maior do que a parte já descoberta e estudada pelos egiptólogos…

Howard Carter (cuja casa ainda existe próxima ao vale), arqueólogo apaixonado pelo Egito e descobridor da Tumba de Tutankhamon e seu notável sacrário de ouro, em 1922, entre outras, trabalhou a vida inteira para defender os tesouros do Vale dos Reis e, provavelmente, se revolveria no caixão ao ouvir o comentário de um guia. Segundo ele, recentemente, o governo egípcio teve que conter as moradias totalmente irregulares que cresciam bem ao redor do vale, sem qualquer critério ou plano diretor. Diz-se que os moradores, a cada escavada no quintal, saiam com algum objeto sagrado para vender no mercado negro, o que horrorizou a comunidade estudiosa, fazendo com que o governo tivesse que tomar uma atitude… Sem comentários pra isso!

Enfim, passeio terminado e 20 garrafinhas de água depois, seguimos adiante. Próxima parada foi o Templo da Rainha Hatshespsut. O templo é o ponto focal do Complexo de Deir el-Bahari, um conjunto de sepulturas e templos mortuários dos egípcios antigos, localizado na margem ocidental do rio Nilo, no lado oposto a Luxor.

Hatshespsut era filha de Tutmósis I. Era uma mulher porreta! Casou-se com seu meio-irmão, Tutmósis II e, quando esse morreu, engambelou o enteado, deu um chega-pra-lá na filha e tornou-se soberana do Egito, proclamando-se faraó e estendendo seu reinado por duas décadas, de 1479 a 1458 a.C. Hatshespsut, “A Rei”, governou literalmente como um homem e, por isso, foi enterrada no Vale dos Reis e não no das Rainhas. Durante muito tempo, inclusive, sua múmia ficou “perdida”, já que sua tumba foi encontrada com o sarcófago misteriosamente vazio. Ela estava, descobriu-se somente em 2005 e através do exame de DNA de um dente, em outra tumba, despida de adornos reais e sem os mimos da vida. Provavelmente, por ordem de seu enteado, Tutmósis III que, ao atingir a maioridade e reclamar o que era seu, fez um esforço hercúleo para apagar os traços da madrasta de todo o Egito, erradicando qualquer registro de sua passagem pelo poder, destruindo suas imagens e raspando inscrições de templos. Entretanto, Hatshespsut já havia deixado sua marca por todo o império (ainda há seus obeliscos no Templo de Karnac) e a pujança do seu reinado ampliou o domínio do Egito até a fronteira do Sudão. Seu lindíssimo templo de três andares, encravado nas rochas, também é prova cabal de sua importância. Do templo, hoje, já é possível ver Luxor aproximando-se.

Templo da Rainha Hatshespsut

Templo da Rainha Hatshespsut

templo encravado nas montanhas rochosas

templo encravado nas montanhas rochosas

egípcios típicos

egípcios típicos

Finalmente, depois da visita ao templo da Rainha Rei, nos encaminhamos ao Vale das Rainhas, um pouco mais ao sul. Basicamente, é muito parecido com o Vale dos Reis e a atração principal é o túmulo de Nefertari, uma das esposa de Ramsés II (cujo templo está em Abu Simbel). A visitação a essa tumba é restrita a um certo número de visitantes por minuto. Então, é bem legal ficar esperando sob o sol. Lembrem-se da água! Muita água!

De volta ao hotel, o táxi passou pelos Colossos de Memnon, duas estátuas não tão impressionantes assim, levantadas para guardar o templo funerário do faraó Amenófis III (ou Amenhotep III), da XVIII dinastia. O templo não existe mais, vítima das inundações do Nilo e de pilhagem. Hoje, as estátuas, que são a representação do próprio faraó, encontram-se toscamente remontadas, num esforço Romano para reconstruí-las após um terremoto em 27 a.C.

Colossos de Memnon

Colossos de Memnon

Terminamos o cansativo dia mais uma vez jantando no hotel e dormindo cedo.

8° dia – Dia 11 de outubro: Vale dos Reis, Vale das Rainhas, Templo de Hatshespsut e Colossos de Memnon

  • 80,00 Entrada no Vale dos Reis
  • 35,00 Entrada no Templo da Rainha
  • 35,00 Entrada no Vale das Rainhas
  • 150,00 Carro
  • 10,00 Gorjetas
  • 25,00 Jantar
  • 20,00 Águas
  • Total do dia: 355,00 EGP

Nesse dia, ainda tivemos um tempinho de comprar um passeio de balão em Luxor, oferecido nas muitas agências de viagens locais. Sempre há alguma oferecendo esse tipo de passeio. Barganhamos bastante e fechamos um tour por 80 dólares cada um.

Assim, iniciamos o dia 12 ainda de madrugada, a fim de tomar a van, que nos levaria ao campo de balões. Saímos do hotel às 4 horas da manhã. Seguimos de van até o rio e tomamos um barquinho, como uma escuna coberta, todo coloridinho. Na outra margem, pegamos um micro ônibus novamente e, minutos depois, já avistávamos, ainda sob uma luz crepuscular, uma área aberta, enorme, com diversos balões sendo armados. As lonas grandes e super coloridas se abriam sobre o chão e se inflavam languidamente, até conquistarem mais força, farfalhando à luz do fogo e levantando-se, poderosas, ao som do burburinho do trabalho lindamente sincronizado dos muitos homens que ali se encontravam.

balões no amanhecer

balões no amanhecer

Já no amanhecer, com os balões já completamente cheios de ar, eles nos ajudaram a entrar nas cestas. Dois homens se posicionavam de modo a nos puxar para dentro. As cestas eram muito grandes. Na nossa, havia por volta de 20 pessoas. Eu nunca tinha visto balões tão grandes. Assim, contrariando o pensamento mais pessimista, depois de algumas rápidas instruções do nosso “piloto”, o balão saiu suavemente do chão, deixando cada vez menores os homens que o desamarraram e ficaram nos acenando. O voo transcorreu tranqüilo e vimos um lindo nascer do sol já do alto, que banhou Luxor e todo o vale de luz e nos agraciou com belíssimas imagens. O contaste é realmente impressionante; de um lado, o Nilo e a cidade, com suas construções e o verde dos campos de milharais e arrozais, irrigados pelo rio; do outro, o deserto e as montanhas completamente nuas e extremamente áridas. Só uma estrada os separa, o verde do bege seco. Das alturas, e em companhia do colorido de mais uns seis ou sete balões, vimos os Vales dos Reis e das Rainhas e o Templo de Hatshespsut, pequeninos e perdidos no meio das montanhas. Mais uma vez, imaginamos em quais dificílimas condições aquelas maravilhas foram construídas. Hoje, a cidade está muito perto e podemos contar com seus confortos e praticidades, como um simples copo de água sempre à mão ou um carro para nos levar de volta ao hotel; mas naquela época! Que região remota, quente, que aridez, que falta de brandura! Quantas vidas, provavelmente, não se perderam, à custa de faraós que desejavam gravar seus nomes na eternidade…

O templo de Hatshespsut, encravado nas rochas, apesar da mesma cor da montanha, contrasta suas imponentes formas retas e simétricas com o irregular da natureza, é lindo!

voo de balão em Luxor

voo de balão em Luxor

templo visto do balão

templo visto do balão

plantações

plantações

Detalhe digno de nota eram as casas sem telhado. Segundo nosso guia, chove no Egito umas duas vezes por ano e rapidinho. Nenhuma construção tem telhado, elas sempre terminam na laje. Fábricas de telhas certamente não vingariam no país. Aliás, nenhuma construção é completamente acabada, no Egito. No interior e, mais precisamente em Luxor, eu confesso que não vi um prédio completamente terminado. As casas estão sempre no reboco, ou ainda no tijolo ou até parcialmente pintadas. É incrível! Mas mais incrível ainda foram as casa sem telhado, nem laje que sobrevoamos de balão. Naquela região afastada do centro, a pobreza impera mais ainda e as casas expõem os seus interiores vazios e imundos. Vimos cabras, galinhas e cachorros caminhando à vontade entre as paredes, nos contornos de salas e quartos, que olhávamos do alto como se fossem cortes de plantas baixas. Algumas casas até deixavam as lajes e vigas preparadas para mais um andar, mas a sensação de miséria e de algo incompleto ainda é sempre constante.

voo sobre as casas sem telhado

voo sobre as casas sem telhado

O voo durou mais ou menos uma hora e, assim como a decolagem, o pouso foi suave e macio. Em alguns minutos, a lona foi rapidamente, e em perfeita sincronia, dobrada e deitada num pequeno caminhão, por três homens, assim como a cesta e outros equipamentos. Fizemos uma pequena cerimônia com dança e tambores. Nosso piloto foi abarrotado de gordas gorjetas, cortesia dos velhinhos e velhinhas americanos e europeus que nos acompanharam (dispensando a nossa gorjeta, claro) e nós recebemos certificados de vôo, com nossos nomes em árabe. Esperamos pelo nosso micro ônibus, que nos levou de volta ao hotel, e partimos para nosso próximo “dever”.

Uma atração de Luxor que não visitamos, mas sinto ser interessante citar aqui é o Museu da Mumificação, que descortina essa interessante e fascinante técnica egípcia.

No início da tarde, nós andamos pelas ruas de Luxor e rumamos em direção à estação de trem. Conforme indicações, o lugar de aquisição de passagens de ônibus ficava ao lado da estação. Nossa intenção era seguir de Luxor para a praia, aproveitando nossos últimos dias de viagem relaxando os pés no Mar Vermelho. Pelo meu planejamento, a melhor maneira – lê-se, maneira mais barata – de ir de Luxor a Dahab, cidade praiana famosa pelo mergulho e belas paisagens, era pegar um busão de Luxor a Hurghada, balneário também famoso, porém notadamente mais caro, e de Hurghada, ir de avião até Sharm El Sheik, outra cidade maior e também mais badaladinha. Daí, então e finalmente, pegaríamos outro ônibus até Dahab, um paraíso mais isolado. Lá, seriam mais três dias de relaxamento e curtição. Meu amigo certamente me questionou o porquê dessa “Via Crucis” (Luxor – Hurghada – Sharm El Sheik – Dahab) e se não teria sido melhor termos comprado uma passagem de avião diretamente de Luxor até Sharm El Sheik, já que a “quebra” em Hurghada nos custaria mais um dia de viagem e mais uma diária de hotel. Claro que ele não acreditou, pois já tinha mais de uma vez criticado minhas escolhas, mas eu pesquisei e não teria feito isso se não valesse mesmo a pena. Mesmo a passagem de ônibus, diária em hotel e mais um dia no trajeto, com alimentação e outros gastos, não chegavam nem perto do preço de uma passagem de avião direta de Luxor a Sharm El Sheik. Assim, fomos seguramente comprar as passagens de busão. Compensava muito, financeiramente.

À semelhança do que ocorreu na compra do bilhete do Sleeping Train no Cairo, nós também ficamos muito confusos e não encontrávamos o lugar correto de aquisição da passagem de ônibus, já que, descobrimos depois, o pequenino escritório também não inspirava a menor confiança. Após a procura intensa, finalmente adentramos uma salinha modesta, nojenta e empoeirada. Tudo nela era velho, decadente e sujo; as paredes, enegrecidas com o tempo, apoiavam móveis inchados e quebradiços; os fios de eletricidade aparentes só não eram piores do que os estofados podres nos quais tivemos que sentar. Um senhor oleoso e seborrento saboreava um copo de chá preto e trançava suas unhas negras nos botões de uma túnica encardida, enquanto o outro, sorrindo seu sorriso apodrecido, nos atendeu. Depois de comprados os bilhetes, voltamos ao hotel para pegar as malas e fomos esperar pelo ônibus no mesmo escritório. Uma hora depois, mais ou menos, lá pelas duas da tarde, de uma nuvem de areia e pó, surgiu a bela condução que nos levaria a uma viagem de cerca de 400 km, de Luxor até Hurghada.

Eu não tenho, agora, palavras para descrever nosso ônibus. Olhos arregalados e uma expressão de nojo e asco foram as primeiras reações da minha amiga enquanto meu amigo prontamente vendo a oportunidade certa de usar uma das duas palavras em português que ele aprendera, verbalizou um melodioso “caralho”, com aquele sotaque americano característico. Coube a mim dar risada e tentar, novamente, minimizar a negatividade da situação. No fim, todos rimos. Subimos no coletivo, tentando não encostar em nada, somente nossa bunda coberta e protegida sobre os assentos indicados.

viagem de ônibus inesquecível

viagem de ônibus inesquecível

viagem de ônibus inesquecível

viagem de ônibus inesquecível

Nesse momento, só havia nós e um casal de bolivianos no ônibus. Minha amiga sacou de um lencinho umedecido para afastar a cortina da janela, deixando a luz entrar, e nos acomodamos da melhor forma possível. Comemos as bolachas que eu levava na mochila e partimos “alegremente” para a nossa viagem.

Nem a travessia de Dante pelo inferno equiparou-se ao nosso sofrimento nessa jornada, quando, só pra sair da cidade, o ônibus levou mais que duas horas. Ele andava por cada quebrada que fazia boca de fumo na favela ficar com cara de hotel 5 estrelas. Em algum tempo e muitas paradas depois, todos os bancos estavam cheios de muçulmanos. Tenho como um dos meus princípios básicos, acreditar que há pessoas boas e ruins em qualquer religião ou grupo e, por isso, rejeito veementemente qualquer manifestação de discriminação ou racismo. Entretanto, quando os auto-falantes começaram a ecoar as passagens do Alcorão, desejei fortemente não estar num ônibus cheio de muçulmanos. Assim, seguimos adiante, numa viagem de quase oito horas, que parecia não terminar nunca, por vielas escuras, casebres disfarçados em rodoviárias, caminhos tortuosos e ininterruptamente ao som do Alcorão. Quando finalmente alcançou a estrada, as luzes do ônibus se apagaram, mas a reza continuou, por todas as horas seguintes, com seu canto enjoativo, repetitivo e redundante. Um pequeno intervalo deu-se quando paramos em um posto, com uma pequena lanchonete. O chão de terra batida tinha mais latinhas amassadas e achatadas em formato de bolotas do que estrelas no céu. Desci para esticar as pernas, mas nem tive coragem de entrar no estabelecimento. Era patente que meu amigo até tentava se controlar, de modo a não me esculachar tanto, mas ele simplesmente não conseguia. Tentei agradar de todos os modos, até enveredando pelos caminhos da hipnose: “imagine uma situação maravilhosa, onde você estaria, o que estaria fazendo”… Procurei ser criativa, encorajando a fantasia e me envolvendo pessoalmente naquela sua ideia deleitável, que envolvia algo como ele, a Angelina Jolie e uma praia deserta. Mas nem minha aventura lésbica foi o bastante para distraí-lo por muito tempo, já que ele voltou rapidamente a reclamar. A viagem seguiu noite adentro até que, finalmente, enxergamos as luzes de Hurghada.

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