Medelín

Medelín

Dia 23 de junho, às dez da manhã, estávamos na organizada rodoviária de Medelín. Até o momento, fora o melhor terminal de ônibus da viagem. O de Caracas era terrível, as plataformas não tinham números e os ônibus ficavam “escondidos” atrás de portinhas estranhas; tudo era imundo, caótico e para encontrar o seu carro, era uma novela; o pior terminal de todos. Então, chegar à rodoviária limpa e sinalizada de Medelín foi uma agradável surpresa. Nessa cidade, nós tínhamos feito outro contato esperançoso do Couchsurfing, a fim de tirar a má impressão que a primeira experiência, na Venezuela, tinha trazido. Com o endereço nas mãos, fomos buscar informações de como chegar a ele com transporte público. Dentro da própria rodoviária, que era o Terminal Norte, pegamos um metrô na estação Caribe até a estação Hospital e, de lá, tomamos um táxi para o apartamento da festeira Victória, mãe solteira de dois pimpolhos curiosos. Fomos bem recebidos e instalados no quarto das crianças, que dormiriam com a mãe. O apartamento era decente com o único aborrecimento de ter banho frio, já que em Medelín, que está a 1475 metros acima do nível do mar, não faz tanto calor como em Cartagena. Inclusive, o título de A Cidade da Eterna Primavera é um dos que a caracterizam.

Depois de um breve social, beijo nas crianças e apresentações mútuas, saímos para iniciar a exploração da área. O Vila Hermosa, bairro da Victória, é residencial, bem arborizado e muito agradável; porém, tem ladeiras e morros sem fim pra dar uma forçada nas pernas, nada que atrapalhe… Caminhamos uns 15 minutos até a estação de metrô Parque de Berrío, que fica próximo à famosa Plaza Botero. Compramos o bilhete de 1800 pesos e descemos na estação Acevedo. Dali é possível pegar gratuitamente o “metrocable” ou teleférico que vai para uma comunidade carente. A cabine sobe de graça até certo ponto do caminho, em Santo Domingo, com o intuito de promover o desenvolvimento da região e facilitar a vida dos moradores locais; a área é, de fato, um bairro muito necessitado. Nenhuma casa tem reboco e as construções com telhas de amianto crescem desordenadamente sobre o morro. Não há nenhum atrativo, a não ser uma curiosa edificação que contrasta enormemente com o restante das construções, o Parque e Biblioteca Espanha ou, simplesmente Biblioteca de Santo Domingo; inaugurado com pompas em 2007, o complexo prometeu servir como intervenção social positiva na área. De inspiração cubista, o design dos três prédios de revestimento negro fosco, faz parecer que meteoritos gigantes caíram sobre a favela. É bem interessante, mas não chegamos a descer. Se a sugestão vale agora, aconselho parar ali, observar a arquitetura interna, bem como a vista do morro, e nem seguir adiante…

Biblioteca de Santo Domingo (reprodução de foto da Internet)

Biblioteca de Santo Domingo (reprodução de foto da Internet)

metro cable de Medelín

metro cable de Medelín

Da estação do metrocable de Santo Domingo, mediante uma taxa de 7000, podemos continuar subindo até o Parque Arví, região preservada que se encontra depois da comunidade e da montanha de mata fechada. O passeio é interessante, mas nada de muito especial. No parque, há flores, uma feira permanente de artesanato, restaurantes e a possibilidade de se fazer trilhas naturais até riachos e lagoas. Tudo é, porém, muito comum. Ficamos pouco tempo e logo descemos.

metro cable para Parque Arví

metro cable para Parque Arví

Parque Arví

Parque Arví

De volta ao apartamento, umas cinco da tarde, Victória já se preparava para o encontro dos amigos do Couchsurfing logo mais à noite, em um festival de música. Eu estava muito cansada, pela viagem recente de 12 horas, o passeio do dia e ainda por todas as noites baladeiras e mal dormidas de Cartagena. Sinceramente, não estava nada disposta a mais uma comemoração insone. Entretanto, e esse é outro mal do Couchsurfing, nos sentimos constrangidos a acompanhá-la, pois não ficaríamos sozinhos no apartamento. É muito difícil negar entusiasmados convites dos anfitriões quando “surfamos” nos seus sofás; eles mudam a rotina por nós e têm certeza que estão nos prestando um grande favor, o que, realmente, não deixa de ser verdade. Enfim, nos vestimos também e acompanhamos Victória e a sua interessante prima ao boêmio bairro de El Poblado.

O Décimo Festival de Música de Medelín estava acontecendo por toda a cidade e shows com ritmos diversos agitavam cada canto. Michael e eu preferiríamos ver uma apresentação de salsa, já que estávamos na Colômbia. Entretanto, como a maioria das coisas que são legais para os turistas parecem ser tediosas para os moradores locais, seguimos as duas para um horrendo show de música eletrônica, minha mais humilde opinião… A única vantagem de ter ido ao Parque del Poblado, escutar um bate-estaca infernal com duas vozes estridentes gemendo palavras irreconhecíveis, foi o simples fato de estar ali e conhecer uma das melhores áreas de Medelín. A Avenida Oriental, que leva ao bairro El Poblado, é larga, lotada de lindos shoppings, luxuosas concessionárias, supermercados e lojas chiques. O bairro é farrista e oferece inúmeras opções de boates, quarteirões e mais quarteirões de restaurantes maravilhosos, bares super bem decorados e casas de shows. É alto nível mesmo e me pareceu que todas as pessoas ali eram lindas! Tudo tinha muita luz, telões virados para as ruas e música alta. A decoração de cada estabelecimento competia com a dos outros pelo título de mais bonita. Estava tudo lotado e até tivemos vontade de parar em um dos belos restaurantes, mas eram muito caros. Há que se ter dinheiro para aproveitar bem Medelín. Então, as meninas comeram cachorro-quente em um lugar mais modesto e, depois de umas quatro horas pulando ao som eletrônico, elas ainda tinham forças para ir a uma boate. Mais uma vez, constrangidos de dizer não, fomos atrás. Andamos a pé, pois a área parecia segura e chegamos a entrar em uma balada também com música eletrônica. Aí, foi demais… Eu estava morrendo de sono e não aguentava mais aquele ambiente que eu não tolero nem na minha casa. Minutos depois, pedi encarecidamente as chaves do apartamento, prometendo que entraríamos diretamente para o quarto. Victória continuou a aproveitar a night, e a prima voltou conosco.

Em 24 de junho, fizemos questão de levantar tarde e saímos sem café. Com um mapa turístico de Medelín nas mãos, resolvemos começar explorando o Centro Histórico e o que mais fosse possível durante o dia. De Vila Hermosa, onde estávamos hospedados, caminhamos alguns quarteirões até a Catedral Basílica Metropolitana, bonito exemplo de arquitetura neorromânica. Ela é o início da popular “rota verde”, que passa por todo o centro velho e termina na Iglesia San Antonio.

Catedral e Plaza Bolívar

Catedral e Plaza Bolívar

rotas turísticas de Medelín

rotas turísticas de Medelín

Em frente à Catedral, está o Parque Bolívar, a tradicional praça em homenagem ao Libertador. Seguimos o itinerário até o centrão da cidade, muito semelhante à Sé, em São Paulo, e suas redondezas. Ali, tentei subir no famoso Edifício Colteger, o mais alto de Medelín, para ter uma vista panorâmica da cidade, mas fomos impedidos por seguranças; é um prédio comercial, inicialmente construído para abrigar uma empresa têxtil, e tem 195 metros até a característica ponta. A turistas, não é permitida entrada e o controle é mesmo eficiente.

Catedral e Plaza Bolívar

Catedral e Plaza Bolívar

Edifício Colteger no Centro Velho

Edifício Colteger no Centro Velho

Centro Velho de Medelín

Centro Velho de Medelín

Finalizamos a rota verde na Igreja San Antonio, onde há uma praça com algumas estátuas de Botero, e continuamos na caminhada em direção à Plaza Mayor, o início da “rota turística roxa”.

Igreja San Antonio

Igreja San Antonio

rotas turísticas verde e roxa

rotas turísticas verde e roxa

A Plaza Mayor é um moderno centro comercial e de convenções de Medelín. Perto, há ainda o Teatro Metropolitano de Medellín, o Museo Interactivo EPM e o Edificio Inteligente EPM. Como era domingo, a área estava vazia e calma; ninguém saía das estações de metrô ou entrava nos imponentes edifícios comerciais, poucos carros cruzavam as avenidas e uma atmosfera pacífica pairava no ar. O mesmo não se dizia do Parque de los Pies Descalzos, ao lado da Plaza Mayor. Como o próprio nome do parque incita, há várias placas no local convidando os visitantes a tirarem seus sapatos e sentirem a energia do planeta. A área verde, a grama macia sob as árvores, playgrounds de areia, chafarizes, espelhos d’água e até uma mini floresta de bambu atraiam as crianças, ávidas de aliviar o calor daquele dia, ou simplesmente trabalhadores aproveitando o domingo para relaxar. O parque foi construído entre 1998 e 2000, como parte do projeto da EPM – Empresas Públicas de Medellín de revitalizar a área central de Medelín, anteriormente marginalizada. Deu certo, já que atualmente, a região é considerada bem mais nobre. Tentamos, inclusive, almoçar por ali, em uma lanchonete e uma pizzaria, mas os preços estavam impagáveis. Decidimos ir além e parar em algum restaurante mais barato.

Plaza Mayor

Plaza Mayor

Parque dos Pies Descalzos

Parque dos Pies Descalzos

Pies Descalzos

Pies Descalzos

Permanecemos na rota roxa, passando pela prefeitura e outras construções públicas, como a antiga estação de trem de Antióquia, até a interessantíssima Plaza Cisneros, erguida em homenagem ao engenheiro cubano Francisco Javier Cisneros, precursor do Ferrocarril de Antioquia. Inaugurada originalmente em 1924, a praça passou por uma recuperação e renovação em 2003, como outro exemplo da prefeitura da tentativa bem sucedida de revitalização do centro da cidade. Na ocasião, a Plaza Cisneros ganhou 300 colunas de 24 metros de altura cada, à semelhança de salas hipóstilas de antigos templos egípcios. Elas estão dispostas entre pequenos bosques de bambu e fontes de água, em 16 mil m2, e cada uma tem sete holofotes, totalizando 2100 lâmpadas que promovem um belo espetáculo, à noite.

prefeitura de Medelín

prefeitura de Medelín

Plaza Cisneros (reprodução de foto da Internet)

Plaza Cisneros (reprodução de foto da Internet)

Plaza Cisneros

Plaza Cisneros

Em frente à Praça Cisneros, há ainda a Biblioteca EPM, aberta em 2005. São 10 mil metros quadrados de um desenho geométrico diferente e moderno.

Biblioteca de Medelín (reprodução de foto da Internet)

Biblioteca de Medelín (reprodução de foto da Internet)

Biblioteca EPM (reprodução de foto da Internet)

Biblioteca EPM (reprodução de foto da Internet)

O centro de Medelín, depois de totalmente reestruturado no início dos anos 2000, está, verdadeiramente, convidativo. É bonito e cheio de cultura. Eu ainda pensava nas recomendações da minha mãe e nas suas emotivas sugestões para que eu “pulasse” a Colômbia, em nosso roteiro pela América do Sul; lembranças como as FARC e o próprio Cartel de Medelín, notória organização de traficantes de drogas dos anos 70 e 80, comandada pelo sanguinário e lendário Pablo Escobar, ainda eram imagens vívidas na sua mente. Eu devo reconhecer que esperava muito menos, especialmente, de Medelín, mas a cidade me surpreendeu positivamente. No dia anterior, quando chegávamos de ônibus, vindos de Cartagena, um grande favelão na entrada da cidade fez com que eu lembrasse e concordasse com as palavras de mamãe. Contudo, depois de caminhar pelas ruas e áreas centrais de Medelín, mudei de opinião.

Com mais de dois milhões de habitantes, Medelín é hoje a segunda maior cidade da Colômbia, perdendo para Bogotá, com sete milhões de pessoas. O vale onde ela está assentada foi visto pela primeira vez em 1541, quando espanhóis em busca de ouro e riquezas, voltavam de uma expedição. Em 1616, fundou-se o povoado de San Lorenzo de Aburrá, que dividiu o espaço com as diversas populações indígenas ali já instaladas. Mais tarde, em 1675, a pequena vila torna-se Villa de Nuestra Señora de La Candelaria de Medellín. A cidade prosperou, mas, nas últimas décadas do século passado, mergulhada em corrupção, violência e drogas, Medelín sofreu com a má fama. Hoje, como capital do estado, Medelín se renova, se recupera e é uma cidade moderna, bonita, vibrante e bastante comercial. Logicamente, como toda metrópole sul-americana, ela continua com seus problemas, como a desigualdade social dos habitantes, corrupção da política pública, sujeira em várias áreas periféricas e crescimento desordenado. Ainda na rota roxa, por exemplo, vimos um número exagerado de mendigos. Porém, Medelín está cada vez melhor e lutando para mudar sua velha reputação.

Paramos para almoçar e seguimos na via roxa. A Basílica de La Candelaria vale uma foto, mas a área exige atenção às bolsas e câmeras. Mais adiante, ao lado da estação de metrô Parque do Berrío, está a Plaza Botero e suas divertidas estátuas gordinhas.

Parque Berrío - Ed. Colteger ao fundo

Parque Berrío – Ed. Colteger ao fundo

La Candelaria

La Candelaria

Fernando Botero, um dos filhos mais famosos de Medelín, é um artista plástico figurativista que imprime às suas obras um estilo inconfundível. Em pinturas, estátuas e esculturas, Botero retrata homens, mulheres, animais e cenas históricas sempre com um volume rotundo e desproporcional; os gordinhos de Botero estão espalhados por toda a praça em várias estátuas de bronze e é difícil dizer qual rechonchudo é o mais simpático.

Praça Botero

Praça Botero

Praça Botero

Praça Botero

Na praça, há também o Museo de Antioquia, cujo ingresso era 14 mil pesos, e o Palacio de La Cultura, belíssima construção em preto e branco que abriga exposições de arte e oficinas em geral. Não entramos em nenhum dos dois e, como ainda era cedo, seguimos para o Jardim Botánico e o Parque Explora, atrações da “rota turística azul”.

Palacio de la Cultura

Palacio de la Cultura

Palacio de la Cultura (reprodução de foto da Internet)

Palacio de la Cultura (reprodução de foto da Internet)

rota azul

rota azul

Da estação do Berrío, fomos para a estação Universidad. O Jardim Botânico é gratuito e um passeio aprazível. Pequeno e rápido para visitar, tem como destaque a variedade de orquídeas. Ao lado dele, o Parque Explora não é, na verdade, um parque, mas um complexo cultural com exposições científicas, planetário, lanchonetes, cinema, etc. Havia uma exibição sobre dinossauros, mas decidimos não pagar 18 mil pesos para ver crianças entusiasmadas pulando sobre o Tiranossauro Rex. Estava calor e resolvemos voltar. Não quis fazer mais nada aquele dia e dormi cedo. Um casal de irmãos ingleses que conhecêramos em Cartagena e estavam hospedados no Wandering Paisa Hostel de Medelín, ainda nos convidaram para jantar fora, mas eu convenientemente me coloquei “off-line”. Não aguentava mais andar de metro no mesmo dia.

Jardim Botânico

Jardim Botânico

Parque Explora

Parque Explora

Na manhã seguinte, mais descansados, caminhamos até a estação de metrô Prado, a mais próxima do apartamento, e descemos na Caribe, dentro do terminal Norte da rodoviária. Ali, pesquisamos umas cinco empresas de ônibus em busca do melhor preço de passagens para Bogotá. Novamente, escolhemos a Expresso Brasília, não pelo conforto, mas pela economia e recomendação. Entretanto, depois de esperar inutilmente que o sistema informatizado da empresa voltasse a funcionar, por mais de uma hora, nos dirigimos ao guichê do lado e compramos os bilhetes pela Turismo Rápido Ochoa, para nove horas da noite, pelo mesmo valor de 60 mil pesos. Almoçamos na rodoviária e saímos dela por volta do meio-dia, depois de várias tentativas infrutíferas de retirar dinheiro nos caixas eletrônicos locais.

metrô de Medelín

metrô de Medelín

Passamos o resto da tarde matando tempo, caminhamos pela “rota rosa” do mapa, mas não tinha nada de interessante, a não ser a informação que tivemos do Parque del Periodista, pequenina praça famosa pelo consumo de maconha e vista grossa da polícia. Fomos ao supermercado comprar manga, pois eu não podia mais de vontade, de ver tantos carrinhos pelas ruas vendendo copinhos plásticos caros cheios de pedaços da fruta. O calor dava desejo… Voltamos ao apartamento para tomar banho e ajeitar as coisas. Tinha acabado de chegar um iraniano, natural de Teerã, que tomaria nosso lugar na cama das crianças que, por sinal, quebrara na noite anterior, me fazendo dormir toda torta. Eu me sentia como num desenho animado, com a cabeça mais alta que os pés e me segurando pra não escorregar enquanto dormia.

O iraniano era simpático e estava adorando os sete meses que já passara na América do Sul, apesar de ter sido assaltado em Caracas com um revólver e, à faca, em Ipiales, cidade na fronteira da Colômbia com o Equador. Mesmo achando estranho o fato de ninguém tê-lo ajudado enquanto um meliante colocava a lâmina no seu pescoço e surrupiava sua máquina fotográfica cheia de fotos, em um restaurante com umas vinte pessoas, ele ainda afirmava que o “mundo é uma família e nunca se sabe aonde o destino te levará”. Poético, mas francamente, sendo brasileira, eu também não reagiria pra ajudar ninguém durante um assalto. Certamente, no Irã, a atitude deve ser bem outra, a começar pelo próprio roubo…

Enfim, nos despedimos de todos com afabilidade. Victória fora uma boa anfitriã, a prima era divertida e os meninos muito bem educados. Descobrimos, depois, que ela era praticamente uma “profissional” do Couchsurfing, dada a frequência com que aceitava viajantes na sua casa. Até o final da viagem, uma frase cansativamente repetida por ela virou um clássico para Michael e eu, cada vez que queríamos alguma coisa; ao repreender o caçula, Victória, com todo seu forte sotaque, lascava: “Michelangelo, por favor!”. Era cômico…

Rumamos à rodoviária, dessa vez de táxi.

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