Maracaibo – Maicao (Colômbia)

Maracaibo – Maicao (Colômbia)

O caminho de Mérida até a Colômbia é tudo, menos simples. Não há transporte direto e, assim, nós compramos uma passagem de 90 bolívares dali para Maracaibo, ainda na Venezuela, pela empresa de ônibus Táchira Mérida. De Maracaibo, iríamos a Maicao, cidade fronteiriça, já na Colômbia. Em Maicao, cruzaríamos a fronteira e iríamos, em seguida, para Santa Marta, cidade colombiana com algumas atrações turísticas.

Na rodoviária em Mérida, tivemos que pagar quatro bolívares de taxa de saída, valor que das outras vezes, já estava embutido nas passagens. Ali é diferente e não há muitas indicações disso. É necessário ir a um guichê afastado dos balcões das empresas e pagar a quantia cobrada, a parte. Se isso não for feito, deve-se retornar das plataformas para regularizar a situação, perdendo tempo ou pior, o próprio ônibus.

Partimos por volta das nove da noite e chegamos a Maracaibo 5h30min da manhã. Ainda em Mérida, nos aborrecemos demais com as regras imbecis da empresa de ônibus. Com a desculpa esfarrapada de seguirem normas de segurança, o lerdíssimo atendente que colocava as bagagens no maleiro, proibiu que levássemos as mochilas pequenas conosco, para dentro do ônibus e ainda exigiu que pagássemos 10 bolívares pela “mala extra”. Todos estavam pagando e, pelo menos, não era somente uma enganação aos turistas. Fiquei indignada e muito receosa de deixar meu laptop e outros itens de valor no bagageiro e nem consegui dormir direito. Não pudemos fazer nada e, assim, ficamos com um olho aberto e outro fechado, no maleiro, cada vez que o ônibus parava; e ele fez uma parada para comer e outra na polícia rodoviária.

Em Maracaibo, não havia mais ônibus para Maicao, pois todos eles saem antes das 5h30min da manhã. A frota era velha, dos anos 60, e tudo parecia caindo aos pedaços. Nossa opção, dessa maneira, para o próximo destino seriam os táxis-lotação, igualmente podres e antigos. Esperamos um carro completar o máximo de cinco passageiros e, às 6h20min, partimos para Maicao, cidade colombiana de fronteira. Pagamos 120 por cada uma das passagens e mais a taxa individual de dois bolívares para sair da rodoviária.

Essa viagem entre Maracaibo e Maicao foi provavelmente uma das experiências mais apreensivas da minha vida. Evidentemente, Michael e eu não tínhamos nada de ilegal em nosso poder e os passaportes estavam em ordem; mesmo assim, com tantas histórias sobre a corrupção da polícia venezuelana passeando pela cabeça, inclusive muitas sobre esse mesmo trajeto Maracaibo – Maicao, eu temia que pudessem tentar armar pra cima da gente, com o intuito de tirar vantagem dos “viajantes ricos”, pois é assim que todo mundo nos enxerga… “Se estão viajando, é porque têm dinheiro” é o consenso da maioria. Para aumentar a minha cisma e preocupação, o motorista, antes da primeira parada policial, tirou a placa de “TÁXI” de cima do capô, justificando que se parecêssemos um carro particular, seríamos menos interceptados. A estratégia pareceu funcionar de imediato, mas logo se mostrou inútil. Na sequência de pouco mais de 100 quilômetros entre as duas cidades, fomos parados em barreiras policiais, o estúpido e improcedente número de 18 vezes! As blitz da Guarda Nacional Venezuelana se posicionavam uma tão perto da outra, que era algo totalmente infundado, pois, acaso algum veículo irregular sairia do mato, do meio de lugar nenhum, para que houvesse essa necessidade de tantas barreiras ao longo da mesma rodovia? Totalmente sem sentido! Claro que a única justificativa plausível para esse fato era mesmo a tentativa fraudulenta de arrecadação de propina. Assim, tive muito medo de que nossa viagem fosse nos custar muito mais do que 120 bolívares. Para nossa imensa sorte, havia no meio dos outros passageiros uma mulher sem documentos; eu já percebera uma conversa estranha entre ela e o motorista, mas assim que paramos na segunda blitz, confirmei minhas suspeitas. Como ela estava em situação irregular, eles já tinham combinado que ela subornaria os guardas para que saísse ilesa. Assim, naquela segunda parada, a mulher sacou 50 bolívares para o motorista; ele confirmava com a cabeça, repetindo: “Para que no te molestes, para que no te martirizes”… Na terceira, mais 30 bolívares; na quarta, mais 100 e assim foi sucessivamente. Então, logo que o carro encostava, o motorista já se colocava na posição, bracinho estendido na janela, com uma notinha de dinheiro na mão virada pra baixo, pro primeiro guarda que se aproximava, como se houvesse a necessidade de esconder de alguém o ato trapaceiro; todos sabiam o que estava acontecendo… O oficial, em seguida, sem nenhum pudor, já acenava para o carro seguir. A sorte era nossa e o azar da mulher, que ia tomando o prejuízo. Uma vez apenas, todos os passageiros, nós inclusive, demos cinco bolívares cada, para que não revistassem nossas mochilas; era uma mega blitz que tinha a guarda nacional, a policia estadual e a policia municipal juntas e, assim, o motorista falou que lá eles poderiam encher muito o saco. Eventualmente, pegavam nossos passaportes e ao ver que éramos brasileiros, nos liberavam sem antes, lógico, pegar o dinheiro da outra infortunada passageira. Poucas vezes, passamos reto pelas barreiras. Imaginei que se a pobre mulher não estivesse no carro, a conta da propina teria sido dividida entre nós. Em dado momento, ela protestou: “No tengo más plata!” e começou a discutir com o motorista. Ele afirmava que ela deveria saber que para viajar sem documentos, deveria reservar ao menos 1200 bolívares para “extras”. Eu creio que ela já tinha dado quase isso. Enfim, nesse ponto, já estávamos perto de Maicao, sobre essa estrada péssima que Michael carinhosamente apelidou de “O Corredor da Corrupção”.

Quase chegando ao final do “corredor”, o motorista parou o carro e indicou que deveríamos pagar a taxa de 90 bolívares para sair da Venezuela. O estabelecimento do Órgão Público Federal que recebia essa tarifa era simplesmente um casebre tão arruinado e no meio do nada, que eu duvidei que aquilo fosse oficial. De um guichê, com a pintura toda descascada, do qual não se enxergava o atendente, saiu a mão que pegou nosso dinheiro. Enfim, retiramos o documento de recibo e seguimos. Ao chegarmos, finalmente, perto da fronteira, o motorista parou e tivemos que caminhar, pois ela estava fechada devido a protestos de caminhoneiros. Pegamos as mochilas e começamos a andar. Logo em seguida, entramos em outra casinha xexelenta, para carimbarmos a saída de nossos passaportes e, minutos depois, na Imigración em Maicao, para carimbarmos a entrada na Colômbia. Tínhamos oficialmente deixado a República Bolivariana de Venezuela.

Saímos do meio do protesto e um rapaz nos abordou e nos levou de táxi, por 25 bolívares, ao deteriorado terminal de ônibus de Maicao para pegarmos o ônibus para Santa Marta.

Para finalizar essa parte do relato, só gostaria de dizer que adorei a Venezuela e voltaria lá, sem dúvida. Ela tem uma natureza linda e preservada, condizendo com a bela frase que eu li ainda na Asosiación Civil Comunidad Indígena Kanaimö, no Parque Nacional da Canaima:

“El ambiente no es uma herencia que recibimos de nuestros ancestros, sino uma cosa que tomamos prestado de nuestros hijos”.

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