San Agustín – Popayán

San Agustín – Popayán

O rapaz nos explicara que a viagem era assim mesmo. Os ônibus vinham de Popayán e paravam naquele ponto da estrada e os jipes esperavam na hora aproximada, a fim de pegar os viajantes e levá-los ao destino. Claro que isso não era favor, mas bom marketing. Como ninguém ficaria esperando outra opção de transporte no meio da estrada, de madrugada, aceitavam a “oferta” e os jipes, mediante comissão, entregavam os mochileiros a hotéis específicos. Além disso, o motorista do jipe, que era guia turístico da região, podia ainda, de quebra, vender seus passeios. O hotel custava 40 mil por noite e nem achamos caro, o que foi ótimo, pois não nos sentimos coagidos a sair no meio da noite à procura de outra estadia. Há poucos albergues em San Agustín, mas os hotéis praticam valores igualmente acessíveis. Pagaríamos 20 mil cada um, preço de albergue. O hotel era limpo, com jeito de casa, e o dono, senhor Humberto, simpático e prestativo. WIFI, TV a cabo e água quente também eram pontos a favor (Hostal Diosa Lunar. Carrera 16ª no. 6-06/ San Agustín Huila/ (312) 520-1773/ (313) 449-5484/ hostaldiosalunarsanagustin@hotmail.com).

No dia 4 de julho, levantamos tarde e tomamos um café reforçado no hotel mesmo, por 6000 pesos. Valia, pois seria o nosso almoço e tinha pão, frutas, ovos com tomate e cebola, leite achocolatado, suco de laranja, geleia e manteiga. Às onze da manhã, já ficamos esperando os cavalos do tour que combináramos na noite anterior com o motorista do jipe.

Eu nunca tinha andado a cavalo antes, não que eu lembrasse e, por isso, fiquei receosa no começo do passeio. Os cavalos eram mansos e calmamente aceitaram a montaria. O guia nos instruiu de como puxar as rédeas, para orientações simples como parar, virar à esquerda ou à direita. Começamos e logo eu estava acostumada à altura e à velocidade do animal. Ficamos nos cavalos até umas três da tarde, conhecendo alguns sítios arqueológicos da região.

San Agustín é uma pequena cidade de 38 mil habitantes, fundada em 1790. Ela tem um pequenino centro histórico e, atualmente, começou a perceber que sua história e rica arqueologia poderiam ser bem exploradas para o turismo cultural. Dessa forma, San Agustín vem crescendo como ponto turístico da Colômbia. De fato, as atrações fazem a viagem até a cidade valer a pena. A região foi habitada por uma misteriosa civilização pré-colombiana que deixou para trás centenas de estátuas talhadas em pedra e místicas tumbas em verdes cenários montanhosos. O complexo teve sua exploração iniciada quando campesinos, em 1913, o revelaram a um cientista alemão.

O primeiro tour a cavalo custou 40 mil pesos para cada um e ele dura umas quatro horas. Nesse período, percorremos as montanhas em caminhos sinuosos e barrentos. As estreitas trilhas nos levam por casebres floridos e muitas plantações de cana, milho, café e banana, além de tomate, pimentão, uva e lulo, em menores quantidades. Lulo é uma fruta típica local, cujo suco é muito popular; como representante regional no McDonald´s, ela também virou sundae, um dos mais vendidos na lanchonete. O passeio continua por diversos sítios arqueológicos, nos quais o guia parava e nos explicava as descobertas dos estudiosos acerca das enormes estátuas de pedra. Muitas vezes, andávamos em terrenos íngremes e, em uma localidade, quando deixamos os cavalos presos à cerca para caminhar um pouco entre as esculturas, eu caí lindamente na lama, sujando toda a minha roupa. Nesse tour, os destaques estão nos sítios de El Tablón, La Chaquira, La Pelota e El Purutal. Em El Tablón, encontramos três estátuas representativas das civilizações que ali moraram, com início em 3600 a.C., pelos cálculos dos arqueólogos; na primeira, uma narigueira de ouro poderia demonstrar o valor estético do metal para os primeiros indígenas; no peito, ela exibe ainda o que seria um calendário agrícola; na cabeça, um turbante semelhante aos árabes e, nos olhos, desenhos em formato de águia.

a cavalo

a cavalo

 

El Tablón

El Tablón

Em La Chaquira, uma trilha a pé nos leva ao topo de um lindo vale com montanhas verdes de mata densa, rios e cachoeiras; a bela região é chamada de Canyon de Magdalena e nela eram feitos sacrifícios aos deuses. Escadas de madeira com corrimão facilitam o acesso até a ponta de uma montanha, onde várias quedas d’água que rasgam as florestas podem ser admiradas. Algumas pedras no caminho aparecem inusitadamente talhadas com imagens humanas e podem até passar despercebidas. O rio Magdalena divide as cordilheiras entre Central e Oriental e faz formar no vale um majestoso cânion.

La Chaquira

La Chaquira

 

cânion Magdalena em La Chaquira

cânion Magdalena em La Chaquira

 

pedra talhada em La Chaquira

pedra talhada em La Chaquira

Prosseguimos nas zonas rurais, por caminhos enlameados em campos abertos e também por vias estreitas até La Pelota e El Purutal, onde as estátuas estão muito bem preservadas e ainda pavoneiam vermelhos e amarelos originais. El Purutal é uma tumba e podemos circular ao redor do terreno escavado, que está protegido por cercas e um telhado. Foi ali que eu escorreguei e caí com muita graça. Em uma das obras, a tinta natural ainda está realmente forte e representa o sangue do menino que a parteira tem nas mãos; outra teoria é de uma mãe castigando seu filho; na cabeça, a mulher ostenta uma tiara com nove jaguares e os dentes também mostram caninos do animal, na simbolização de força. Quase todas as outras estatuas da região também exibem afiados dentes de jaguar. Apesar dos detalhes magníficos, a tumba é considerada pobre, pois foi encontrada apenas com cerâmicas, sem ouro.

pelo caminho

pelo caminho

 

El Purutal

El Purutal

 

El Purutal

El Purutal

 

estátua em El Purutal

estátua em El Purutal

Em La Pelota, a representação da águia dominando a serpente é a única estátua que se repete em outro lugar da região, no Parque Arqueológico, e demonstra fertilidade. Todas as outras obras são distintas expressões de deuses, sacerdotes ou simplesmente dos habitantes que ali viveram, trazendo sempre uma mensagem enigmática dos antepassados.

La Pelota

La Pelota

Deixamos os cavalos, Michael deu gorjeta ao guia e avançamos a pé para o Parque Arqueológico, criado em 1937 e declarado patrimônio cultural pela UNESCO, em 1995, que o qualificou como “o maior grupo de monumentos religiosos e esculturas megalíticas da América do Sul”. Nele, há dezenas de tumbas espalhadas por planícies abertas entre bosques fechados, chamadas de Mesitas; há ainda a Fuente Ceremonial Lavapatas, o Alto de Lavapatas, um museu arqueológico e o Bosque de las Estatuas. Iniciamos nossa investigação pelo museu, logo ao lado da entrada do parque, onde são encontradas cerâmicas e restos fósseis da cultura milenária. Em seguida, continuamos por caminhos calçados entre bosques até chegar às Mesitas, campos aplainados e gramados com várias tumbas espalhadas.

Na Mesita A, primeiro local a converter-se em atração turística no início do século XX, estão localizadas tumbas do período Clássico Regional, que se estendeu do ano 01 d.C. até 900 d.C., e chegavam aos quatro metros de altura, por trinta de diâmetro. Essas covas eram formadas por uma grande laje de pedra horizontal sustentada por outras pedras em formato de colunas e a disposição do conjunto parecia uma mesa; dentro, o sarcófago era colocado e tudo era coberto de terra, formando os denominados Montículos Funerarios. Por essa razão, os habitantes começaram a chamá-las de mesitas, termo que hoje é usado para nomear os campos do parque, áreas aplainadas artificialmente em épocas pré-hispânicas. Na frente dos túmulos, há dólmenes decorativos. Um dólmen é uma grande pedra achatada colocada sobre outras que estão na posição vertical e, no caso dos túmulos em San Agustín, as pedras verticais são estátuas talhadas em rochas graníticas. As esculturas diante dos túmulos serviam, de acordo com os arqueólogos, de guardiãs para toda a eternidade. O lugar me lembrava muito dos desenhos dos Flintstones. Há ainda tumbas mais simples e dezenas de outras estátuas que acompanham os montículos.

representação do montículo funerário

representação do montículo funerário

 

tumba na Mesita A

tumba na Mesita A

 

dólmen

dólmen

A Mesita B também traz tumbas e estátuas de valor arqueológico. Ali, encontra-se a famosa La Partera, escultura encontrada em 1943, que apresenta a oposição de dois corpos separados por uma linha dupla central; o corpo superior, de cabeça trapezoidal, segura um menino pelas pernas, como se estivesse fazendo um parto. Uma curiosidade da escultura é a linha amarronzada na altura das bochechas, evidenciando que ela esteve com parte para fora da terra, por um longo período antes de ser totalmente desenterrada.

La Partera

La Partera

 

parque Arqueológico Mesita B

parque Arqueológico Mesita B

 

Mesita B

Mesita B

É uma pena que muitas tumbas e estátuas tenham sido saqueadas ao longo dos anos. Porém, o empenho do parque e dos arqueólogos e historiadores que ainda trabalham na região contribui para evitar esse tipo de violação à história colombiana.

Na Mesita C, temos estátuas posteriores aos trabalhos das mesitas A e B, segundo as datas comprovadas por experimentos com Carbono 14.

Mesita C

Mesita C

Em seguida, ainda no parque, nós pegamos a trilha para a Fonte de Lavapatas, complexo cerimonial descoberto em 1937. O lugar é um grande conjunto de canais e tanques naturais que aproveitam a topografia do terreno em relação ao rio. As pedras e rochas do leito e arredores foram cuidadosamente entalhadas com figuras humanas, de répteis e anfíbios, num lindo e meticuloso trabalho. Dali, é possível atravessar a ponte e seguir por uma trilha cansativa de escadas de pedras que sobe para o Alto de Lavapatas, área de antigas habitações e cemitério, que datam de 1000 a.C., e de onde é possível ter uma visão panorâmica de San Agustín. O acesso ao alto fecha às 17horas e, portanto, atenção.

Fuente de Lavapatas

Fuente de Lavapatas

 

Alto de Lavapatas

Alto de Lavapatas

Descemos e finalizamos o tour pelo parque no Bosque das Estátuas. Trinta e nove esculturas contornam um caminho de terra, no meio de um bosque. A tarefa de criar esse circuito de exibição foi feita por trabalhadores e arqueólogos que relocaram as estátuas de seus sítios originais, como mesitas e montículos funerários, depois que eles foram saqueados e destruídos. Em diferentes momentos históricos, influenciados pelas ideias acadêmicas vigentes e dominantes, vários estudiosos propuseram interpretações diversas para os significados de cada escultura. No período colonial espanhol, por exemplo, muitos enxergavam as estátuas como representações de sacerdotes, como frades e bispos. Mais recentemente, acredita-se que a intenção tenha sido simbolizar guerreiros, divindades ou curandeiros. De qualquer forma, tem-se o consenso de que as estátuas talhadas em rochas graníticas e vulcânicas estão associadas a rituais e costumes funerários, numa simbologia que condiz com a ideologia mágico-religiosa da cultura. De fato, o culto aos mortos e a exaltação às divindades parece que foi a primeira ocupação das tribos ancestrais da região do Alto Magdalena.

Bosque das Estátuas

Bosque das Estátuas

Terminado o tour do dia, voltamos os 3,5 quilômetros entre o parque e o albergue a pé e entramos no quarto às 18h30min. Lavei minhas roupas lotadas de lama, pois além da queda, o próprio caminhar dos cavalos é fonte de barro no nosso corpo, comemos e fomos dormir.

mapinha de San Agustín

mapinha de San Agustín

No dia seguinte, 5 de julho, o passeio seria longo. Iniciado às nove da manhã e finalizado às cinco e meia da tarde, o extenso percurso de jipe de 30 mil pesos pela região foi uma oportunidade de apreciar as belezas naturais, bem como mais sítios arqueológicos. A primeira parada foi na estrada, em uma posição privilegiada para observarmos o vale do Cânion Magdalena.

Canyon Magdalena

Canyon Magdalena

 

rotas naturais e arqueológicas

rotas naturais e arqueológicas

Depois, El Estrecho apresenta a parte do rio Magdalena onde ele mais se estreita e fica com apenas dois metros de largura. O acesso ao rio é de alguns metros de descida pavimentada. Porém, apesar de não ser íngreme, é extremamente escorregadio e não há corrimões em algumas partes. Cuidado com solados muito lisos. A paisagem é realmente linda; o rio vem largo das montanhas ao longe e vai se estreitando cada vez mais, sufocado pela mata fechada e pelas margens de pedras negras. No Estrecho, a correnteza luta para encontrar espaço de vazão e, logo em seguida, as águas saem do aperto e, aliviadas, encontram novamente um leito amplo e generoso. O chão de pedregulhos escuros, nas margens, dá um toque de natureza selvagem e intocada.

El Estrecho

El Estrecho

 

rio Magdalena

rio Magdalena

Adiante, Obando traz novamente um pouco de história com suas tumbas subterrâneas e um museu arqueológico. O ingresso, que não está incluído no transporte, custou 2000 pesos. Na área, foram escavadas mais de trinta tumbas em 1992, mas poucas delas, por terem sido encontradas com objetos pré-colombianos que hoje estão no museu, são abertas à visitação. Algumas catacumbas têm acesso por escadas e conseguimos chegar bem perto das entradas. Em Obando, acredita-se que tumbas em forma de poço tenham sido utilizadas para sepultamentos secundários. O uso de enterramentos secundários foi uma prática funerária comum entre as sociedades pré-hispânicas e consistia em realizar a exumação dos restos mortais do primeiro sepultamento, que eram posteriormente depositados em urnas de cerâmica, colocadas em novas tumbas em forma de poço. Os novos enterros, só dos ossos, eram acompanhados por objetos de metal, pedra, joias, comida e outros materiais que o morto poderia utilizar no seu trânsito para a outra vida. o objetivo dos enterramentos secundários, que também envolviam cerimoniais religiosos, era dar espaço nas tumbas e sarcófagos.

tumba em Obando

tumba em Obando

A próxima parada foi literalmente doce. Fomos a um engenho de cana de açúcar verificar o processo de fabricação artesanal da “Panela”, um tipo de rapadura deliciosa e típica da Colômbia. É comum até ver a combinação de Panela com queijo em bares da região, o que me lembrou do nosso Romeu e Julieta. O lugar era despojado e não seguia qualquer cartilha de higiene; havia até um cachorro lambendo restos de doce que escorriam pelas bancadas de madeira. Mesmo assim, nós nem ligamos e também fizemos a mesma coisa.

fabricação artesanal de Panela

fabricação artesanal de Panela

 

Panela

Panela

 

Delícia!

Delícia!

Em seguida, chegamos ao Parque Alto de los Idolos, a 30 km de San Agustín, no município de Isnos. Ele é semelhante ao Parque Arqueológico, porém menor. Inclusive, o ingresso de 16 mil pesos é adquirido para as duas atrações. Nele, podemos ver mais tumbas, sarcófagos em pedra de mais de três metros e a maior estátua da região, com cinco metros e meio de altura. Almoçamos em um agradável restaurante na frente do parque e entramos.

O terreno da área, formado por duas pequenas colinas naturais, foi modificado de modo que os dois morros se uniram por uma rampa artificial de terra. Essa mudança, feita por habitantes pré-hispânicos, para colocar no mesmo nível as mesetas A e B, serviu a propósitos cerimoniais e funerários. Nelas, então, puderam ser construídas várias tumbas monumentais de lajes de pedras entre os anos de 01 d.C. até 900 d.C. Algumas delas possuem sarcófagos e corredores resguardados por estátuas e eram cobertas por terra, formando os já citados montículos.

Parque Arqueológico Alto dos Ídolos

Parque Arqueológico Alto dos Ídolos

A colina elevada do Alto dos Ídolos contém vestígios de atividades funerárias e também domésticas da comunidade que ali se assentou entre os anos de 1000 a.C e 1350 d.C., aproximadamente. Junto com o Alto de las Piedras, ele é um dos lugares com maior concentração de tumbas, montículos funerários e estátuas de pedras. A região se integrou ao Parque Arqueológico de San Agustín em 1945 e, desde então, o Instituto Colombiano de Antropologia e História vem a administrando, investigando e velando por sua proteção e preservação. Realmente, o terreno é bem cuidado, gramado e as tumbas encontram-se cercadas e resguardadas por telhados.

Parque Alto dos Ídolos

Parque Alto dos Ídolos

 

colina

colina

Na Meseta A, está a maior estátua de toda a região, com mais de cinco metro de altura. Ela fora encontrada inclinada, com mais de um terço de seu corpo enterrado, sugerindo que a sua posição original fosse olhando para a tumba que estava aos seus pés, que continha pedras decoradas com círculos pintados de amarelo, preto e vermelho. A tumba foi intensamente saqueada em 1936, assim como muitas outras da região. Outras curiosidades são estátuas que carregam em suas mãos recipientes que eram costumeiramente usados para guardar folhas de coca, utilizadas em cerimônias religiosas.

maior estátua da região

maior estátua da região

 

indícios de coca entre os antepassados

indícios de coca entre os antepassados

Saindo do parque, nos dirigimos ao Salto de Bordones, a maior cachoeira da Colômbia, com quase 400 metros de queda livre que descem entre montanhas verdes e exuberantes e deságuam em um rio, a 15 km do Magdalena. O mirador do salto é de fácil acesso e dele tem-se uma vista de todo o vale. As estruturas físicas do prédio em frente ao mirador estão completamente dilapidadas, janelas quebradas, vidros estilhaçados, pichações e falta de azulejos; como explicação, o guia nos informou que a área, até oito anos antes, era território da Frente 35 das FARC.

Salto de Bordones

Salto de Bordones

Continuamos, incansavelmente, ao próximo ponto do tour, o Parque Alto de las Piedras. O maior destaque desse sítio é a estátua Doble yo, escultura de duas pessoas mescladas à figura de um réptil. Na meseta do Alto de Lavapatas, há uma escultura muito semelhante a essa.

Doble Yo no Parque Alto de las Piedras

Doble Yo no Parque Alto de las Piedras

 

Doble Yo

Doble Yo

 

estátua com genitália à mostra em Alto de las Piedras

estátua com genitália à mostra em Alto de las Piedras

Finalmente, alcançamos a última parada, o Salto del Mortiño, outra bela cachoeira de 200 metros de queda, num cânion muito bonito. A área é particular e nós pagamos 1000 pesos de entrada. O dinheiro, entretanto, não parece ir para melhorias nas estruturas turísticas, já que um mirador de ferro, que se eleva para dentro do penhasco, estava todo enferrujado e dava até vertigem ficar nele.

Salto del Mortiño

Salto del Mortiño

Ao final desse dia super produtivo, voltamos exaustos ao hotel. No dia 6, só aproveitamos a manhã para dar uma voltinha pela cidade. Em San Agustín, há duas vias principais, a avenida onde estão a prefeitura, a delegacia, vendas de melhor porte, padarias, muitas agências de turismo e venda de passagens e lojinhas em geral; em outra rua asfaltada, há restaurantes e lojas de artesanato; nas travessas de terra e de paralelepípedo, residências e apenas dois caixas de bancos, um deles do Banco Agrário de Colômbia, sempre com muita fila. A igreja matriz e a praça principal ficam perto da prefeitura e são bucolicamente jeitosas.

estátua feliz no centrinho de San Agustín

estátua feliz no centrinho de San Agustín

 

San Agustín

San Agustín

Em uma das agências, compramos duas passagens de volta a Popayán, por 28 mil pesos cada uma, para o mesmo dia. O retorno seria no mesmo esquema da vinda; um jipe até o ponto da estrada onde há a intersecção de acesso para San Agustín e, desse lugar, ônibus seguindo para Popayán. Por volta de meio-dia, fomos desconfortavelmente na carroceria de um jipe aberto, segurando as mochilas para que elas não caíssem e com mais umas três pessoas, até o bar na estrada, a cinco quilômetros do centro de San Agustín. O motorista foi um grosso e começou a andar sem que nós mal tivéssemos subido no carro. Soubemos que o ônibus até entra em San Agustín se o número de passageiros compensar a ida e volta de 10 km desde a estrada; porém, como era baixa temporada, só havia Michael e eu de turistas para aquela companhia de ônibus, a Cootranshuila.

Então, estávamos ali, num bar da estrada, aguardando pela condução que vinha de Pitalito, uma cidade maior a alguns quilômetros, e nos levaria a Popayán. Uma placa de trânsito indicava a distância daquele ponto ao nosso destino, 126 km. Eu estranhei e até questionei com Michael sobre a discrepância de cinco horas de viagem, o tempo da vinda de Popayán, e 126 km. Qual fora o motivo de tanta demora? Eu tinha dormido boa parte do caminho e não vira muita coisa. Michael apontou a péssima condição da estrada como a causa da lentidão e a informação, naquele momento, não alterou em nada meu estado de espírito. Nós não tínhamos pressa…

Trinta minutos depois, o micro ônibus chegou lotado. Nós entramos, colocamos as mochilas na parte de trás que já estava abarrotada e nos acomodamos da melhor maneira. Sentei na última fileira, onde os bancos não se dividem mais pelo corredor; do me lado esquerdo, a glória de viajar com um bebê de uns três anos no colo da mãe e, do meu lado direito, outro clássico das viagens “perfeitas”, uma mulher cheia de sacolas. Como era de dia, eu pude, de fato, testemunhar o imprestável estado da estrada que, segundo consta, está há anos em eterna promessa de pavimentação. A via de terra estava particularmente enlameada, devido à tarde escura e chuvosa e uma quantidade incontável de buracos nos fazia chacoalhar dolorosamente. Sem exageros, essa foi a estrada mais esburacada pela qual eu já passei até hoje! Não havia momentos de trégua e o ônibus pendia para um lado e depois para o outro, sem conseguir desviar-se das crateras, avançando em zigue-zague, tão vagarosamente que uma bicicleta chegaria mais cedo a Popayán. Umas duas horas depois, uma parada para o lanche, num botecão nojento do caminho, me fez pensar se talvez eu devesse usar o banheiro. Peguei meu inseparável papel higiênico, desci e até cheguei à porta da casinha, apesar do cheiro insuportável de bosta que exalava no ar, mas voltei correndo ao me deparar com um buraco aberto na terra e frestas que deixavam passar um dedo nas madeiras das paredes. “Não tive coragem.” – confidenciei ao Michael e, ingenuamente, fiz as contas imaginando que, 126 km e duas horas de viagem, Popayán já deveria estar perto. Nem me lembrei de que o ônibus deveria estar trafegando a uns 20 km/h. “Chegaremos em uma hora, uma hora e meia, no máximo…” – pensei. Eu não poderia estar mais enganada e, a partir daí, a lenta jornada se transformou em um suplício infernal do qual eu nunca mais me esquecerei! Foi seguramente a pior viagem da minha vida! Aquela “vontadezinha” de fazer xixi se converteu em uma pujança de escala torturante. Comecei a dividir com o Michael a angústia do meu momento, mas ele não parecia muito solidário na agonia. A aflição me invadiu e eu suava pela nuca, me inclinando pra frente, na esperança de encontrar alguma posição que me ajudasse a conter o dilúvio iminente. Tive ímpetos de pedir ao motorista que parasse, pois eu ia mesmo mijar dentro do ônibus! Eu já podia ver o xixi escorrendo, as pessoas comentando, eu descendo do coletivo em roupas gotejantes; tudo passava pela minha cabeça e, então, raciocinei que seria menos ridículo pedir pra encostar na estrada, do que tentar explicar porque eu fizera xixi na calça, aos 35 anos de idade. Mesmo assim, minha vergonha e total incapacidade de chamar atenção para mim me impediam de tomar essa atitude. Não teria onde fazer xixi na beira da estrada, sem que todos vissem. Fiquei quieta e acalentei a esperança de enxergar, a qualquer segundo (pois eu não contava mais o tempo em minutos), a estátua de Bolívar, na esquina da rodoviária de Popayán. Ainda pensava que eu não aguentaria nem mais os cinco minutos entre a dita esquina e o terminal. Eu ia mijar no ônibus!!!! A criança do meu lado comia uma coxa de frango e tocava na minha mochila com suas mãozinhas engorduradas, o que me irritava mais e a senhora das sacolas até tentara me ajudar, oferecendo bananas para distração. Não adiantava! As montanhas não terminavam nunca! Eu tinha certeza de que nem conseguiria me levantar do banco sem deixar escapar a cachoeira e, então, pensei em esperar que as pessoas saíssem e eu faria mesmo ali, no chão do ônibus… Enquanto toda sorte de alternativas, entre menos e mais vergonhosas, transitavam nos meus pensamentos, senti a estrada melhorar e as ruas pavimentadas de Popayán chegarem. Logo, a estátua do Libertador também me livraria da aflição! “Pega minha mochila!” foi a única coisa que eu falei pro Michael assim que o ônibus estacionou na rodoviária e com “Permiso, permiso, permiso” na ponta da língua, nem vi como cheguei a um bar nas proximidades. Geralmente, esses estabelecimentos não permitem que usemos os banheiros sem comprar nada e, por isso, eu me concentrei e gritei ao caixa que levaria algo depois, mas que me dissesse onde era o “baño”! Nunca a sensação de fazer xixi foi tão maravilhosa; uns três minutos de puro êxtase e alívio. Acabei nem comprando nada, pois não havia ninguém mais no caixa quando eu saí.

viagem dos infernos na estrada esburacada entre San Agustín e Popayán!

viagem dos infernos na estrada esburacada entre San Agustín e Popayán!

Enfim, depois de longas seis horas em esburacados 126 km, estávamos de volta a Popayán e, como lição, eu aprendera nunca mais viajar com uma “vontadezinha” de ir ao banheiro. Eram umas seis da tarde e nossa intenção era dormir em Popayán e partir cedo, no dia seguinte, para Ipiales, cidade colombiana, na fronteira com o Equador. Entretanto, apesar de muito cansados, decidimos ir embora na mesma noite, já que a viagem entre Popayán e Ipiales dura cerca de oito horas. Se saíssemos na manhã do dia 7 de julho, nós perderíamos o dia na estrada e teríamos que dormir em Ipiales, cuja única atração é uma catedral. Assim, não valeria a pena. Resolvemos “abraçar o capeta” e continuar no “inferno” até a próxima cidade. Chegaríamos a Ipiales já pela manhã, visitaríamos a catedral e, no mesmo dia, à tarde, poderíamos atravessar para o Equador. E assim o fizemos. Compramos as passagens na empresa Transipiales, por 30 mil cada, deixamos as mochilas gratuitamente no próprio bagageiro da companhia e fizemos hora no supermercado Êxito até o ônibus sair.

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